Após a I Grande Guerra, os EUA se fixaram na posição de mais
rico do mundo, posição que ocupava desde 1890. Desde 1913 as linhas de montagem
da Ford funcionavam sem parar. As classes operárias agora consumiam eletrodomésticos,
geladeiras, rádios, máquinas de lavar, aspiradores de pó, telefones,
torradeiras etc.
Os sobreviventes do conflito, que o viveram ainda no início
da vida adulta, eram chamados de “geração perdida”: vivenciar a morte de tantos
milhões, viver sem a certeza de que haveria de fato um futuro para viver, os
tornou pessimistas e desorientados, sem os referenciais tão claros que a
geração anterior teve.
O ambiente político era marcado por agitações sociais,
desejo de vingança e angústia devidfo às incertezas políticas. Também foram
anos marcados por medidas autoritárias, como a Lei Seca dos EUA; pela descrença
no capitalismo criador de conflitos, opondo-se ao medo trazido pela sombra do
comunismo; pela violência das gangs de mafiosos de Chicago e de NY; pelo ódio
ao nacionalismo e ao apego desmedido à família.
Tudo o que era identificado com as gerações anteriores era
agora velho, anacrônico. E tudo o que era identificado como velho representava a
desgraça, a destruição, o mundo em ruínas que os “velhos” entregaram aos jovens.
Os jovens então tomaram uma decisão: jogar aquele trambolho no lixo! A
autoridade da Igreja se esvaziou; o sotaque britânico “posh” foi rejeitado
socialmente; métodos anticoncepcionais se popularizaram.
A guerra havia aberto o mercado de trabalho às mulheres.
Deixando o ambiente doméstico, ocuparam postos em fábricas e escritórios. A
quantidade de mortos durante o conflito levou à falta de mão de obra, criando a
demanda por trabalhadoras. Ao fim do conflito, era impossível retroceder totalmente
o estado das coisas.
O voto feminino não tardou. Na década de 1920 norte-americanas,
britânicas, australianas, canadenses, neozelandesas, austríacas, polonesas e
russas podiam votar. A queda drástica da mortalidade infantil e a redução do
número de filhos por casal (por causa dos métodos contraceptivos mais eficazes,
que evitavam agora a gravidez indesejada) auxiliaram sobremaneira a emancipação
feminina.
A Revolução Russa, uma revolução socialista, trazia consigo
o ateísmo a si inerente. Esse fato ajudou a dilapidar ainda mais as bases
tradicionais do mundo de então.
Quanto aos EUA... bem, eles eram os donos da banca e queriam
esbanjar muito. A Era do Jazz que se iniciava foi marcado por jovens imersos em
bebedeiras, pelos automóveis e pelo rádio. Nos nightclubs, desfilavam jovens
fumando cigarros e correndo atrás de jovens de cabelos curtos e encaracolados,
dançando e mostrando as pernas – o som enlouquecido produzido por músicos
negros harmonizava muito bem com aquela atmosfera de perda do controle, de alegria
transbordando.
Como costuma ocorrer nesses momentos de libertação, grupos que
pensavam de maneira oposta buscaram conter o avanço liberal. O principal deles
atendia por três letras: era a maldita KKK. A Ku Klux Klan foi criada em 1915.
Por volta de 1920 contava entre 4 e 5 milhões de filiados: homens, brancos,
protestantes e anglo-saxões (WASP), geralmente moradores do Meio-Oeste e do Sul
do país, nascidos em ambientes rurais. Buscavam fazer “justiça com as próprias
mãos” contra tudo o que ameaçasse a “América verdadeira”: criminosos,
estupradores, traficantes de drogas, contrabandistas de bebidas alcoólicas (o
consumo de álcool foi proibido), proxenetas, homossexuais, todos eles eram alvo
em potencial da KKK. A aprovação da Lei Seca foi uma das vitórias desse grupo.
Já as grandes cidades eram quase imunes aos apelos mais
conservadores da KKK: bebia-se sem tomar conhecimento da Lei Seca, gângsteres
eram pouco incomodados vendendo álcool, ou mantendo bordéis e cassinos.
Intelectuais e grandes escritores como Scott Fitzgerald, Hemingway
e Ezra Pound descreveram e criticaram a fundo a cultura yankee nesse período. O
fato de todos eles terem se mudado para Paris também revela muito do que
pensavam daquela sociedade.
Aliás, Paris vivia dias bastante intensos, também. Ainda era
a cidade mais culta e bela do mundo e, além disso, os riscos de bombardeios
acabaram. A vida noturna e intensa acendeu as luzes e saiu às ruas. Garotas da “Provence”
deixavam suas cidades para trabalhar nos bordeis parisienses, que viviam uma explosão
semelhante à da Belle Époque. Ou seja, Paris agora reunia belas prostitutas,
álcool sem restrição e liberdade intelectual absoluta. A ponto de o pós-guerra
ter sido marcado pelo surgimento de expressões artísticas novas, como o dadaísmo.
Músicos como Sergei Prokofiev deixaram os EUA e se mudaram para Paris.
Outro símbolo sintetizador do entreguerras foi o cinema.
Diversos estúdios se estabeleceram em Hollywood na década de 1920 e a produção
cinematográfica européia, indiscutivelmente a maior do mundo até 1914, era
agora superada pela produção hollywoodiana.
Com a popularização das películas, agora todo bordel de luxo
deveria contar com um projetor de filmes pornográficos. Surgiram até grupos de
pessoas nos EUA que alugavam rolos de filmes pornô para exibir em festinhas. Normalmente
o tema era algo relativo a voyeurismo e traziam cenas de lesbiansimo,
masturbação feminina e ménage à trois.
Mas nenhuma cidade foi mais afetada pelos novos tempos do
que Berlim. O fim da I Guerra Mundial apresentava uma Berlim tomada por greves,
manifestações marchas lideradas por grupos comunistas, como a Liga
Espartaquista – cujos líderes, Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo, foram
assassinados poucos dias antes da eleição para a Asembléia Constituinte que
inauguraria uma nova Alemanha, sucessora do Império que demolira, que ficou
conhecida como República de Weimar.
Os primeiros anos dessa República foram um caldo prestes a
entornar: crises e ressentimentos mil tomaram conta dos alemães. Mas também
houve muita produção intelectual e uma revolução sexual parecia tomar forma. O
ambiente de liberdade da cidade, nascido após a derrubada das leis de censura
do tempo dos Kaiseres, fez com que Berlim rapidamente passasse a competir com
Paris em intelectualidade e boemia. As fronteiras abertas da nova Alemanha
fizeram para lá afluírem artistas de vanguarda franceses, russos e americanos.
A economia que, por sua vez, encontrava-se no limbo, foi
anabolizada pelos dólares norte-americanos: após anos de crise, em 1924 um
plano econômico conseguiu o parcelamento das dívidas referentes a reparações de
guerra, além de ter injetado bilhões na economia, fruto de empréstimo concedido
por Washington. A hiperinflação foi-se embora e o país voltou a crescer. Em
1928 o padrão de vida alemão era igual àquele que tinham antes do conflito
mundial. O Partido Social Democrata conseguia avanços na legislação social
inéditos.
Se o país pouco a pouco se tornava um lugar bom para os mais
idosos e pais de família, os jovens pouco tinham do que reclamar: a noite
berlinense fervilhava de prostitutas, cafés viviam lotados, bordeis para
homossexuais se multiplicavam e os transgêneros adquiriam uma visibilidade
difícil de se conceber pouco antes. Completando o cenário: cabarés que
apresentavam comediantes contando sátiras sociais e políticas, dançarinas e
cantoras estavam por toda parte, atrizes se vestiam de homens, atores se vestiam
de mulheres.
Em 1919, o médico Magnus Hirschfeld deu início ao que seria
um dos nomes mais emblemáticos do entreguerras na Alemanha: o Instituto de
Pesquisa da Sexualidade. Fundado em defesa dos homossexuais, esse instituto
contribuiu para a emancipação feminina, para o planejamento familiar, promovia educação
sexual e a popularização de métodos contraceptivos, tratava de doenças
sexualmente transmissíveis, lutava contra leis homófobas e antiaborto e muito
mais. Hirschfeld não considerava o homossexualismo uma doença, portanto não
buscava a cura deles, mas tentava fazê-los viver naquela sociedade desfavorável
a eles.
O Instituto possuía um Museu, que ficou bem famoso: tinha
gravuras eróticas, retratos de travestis famosos, tinha uma coleção de cintos
de castidade, ferramentas de masoquistas, pênis artificiais e muito mais.
O cinema alemão foi, naquelas décadas, o mais prolífico da
Europa. E essas produções fervilhantes deram à luz uma diva: Marlene Dietrich.
Saída dos cabarés mais famosos de Berlim, encarnou a femme fatale como poucas.
Logo foi levada à Hollywood, sedenta por talentos. Em seu primeiro filme em
solo yankee, chamado Marrocos, de 1930, encantaria como uma cantora de cabaré
que se vestia de homem e se notabilizou com uma cena de beijo lésbico.
Essa era a Berlim que o fantasma do nazismo espreitava...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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