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quarta-feira, 11 de outubro de 2017

ESCRAVAS BRANCAS E A BOEMIA MARGINAL


O Cemitério Israelita de Inhaúma, localizado no subúrbio carioca, é testemunho de uma história de sofrimento e de esquecimento: 80% dos corpos que lá jazem são se mulheres, enterradas em total esquecimento. O Cemitério fica vazio, mesmo em datas comemorativas como o Yom Kippur.
São corpos de prostitutas, cafetinas e cafetões em atividade no início do século XX. Pela tradição judaica, suicidas e prostitutas devem ser enterrados junto aos muros dos cemitérios, indicando o pecado em que incorreram.

Com a finalidade de evitar essa humilhação, judeus que trabalhavam no mercado da prostituição se reuniram em sociedades que visavam estabelecer cemitérios e sinagogas próprios, garantindo assim algum nível de decência. Foram construídos em cidades como Buenos Aires, São Paulo, Santos, Rio de Janeiro e Nova York. O Cemitério Israelita de Inhaúma foi um deles.

Essa prostitutas judias eram, em geral, oriundas da Europa Oriental e Central, de famílias muito pobres, trazidas para as Américas, quando passavam a trabalhar em bordeis de bairros conhecidos pelo meretrício, como La Boca, Lower East Side, Zona do Mangue ou Bom Retiro. Na virada do século XIX para o XX já somavam mais de 4 milhões.

De fato, muitas vieram exercer o mesmo ofício que exerciam em casa: em 1889, o Império Russo havia distribuído 289 licenças para operar prostíbulos, das quais 203 eram propriedade de judeus.

Essas eram as famosas polacas.

Buenos Aires era o maior centro mundial de prostituição. Era também sede da Zwi Migdal, sociedade de ajuda mútua a judeus, mas investigado como organização dedicada ao tráfico internacional de mulheres. O Rio de Janeiro era um porto muito conveniente entre o Leste europeu e Buenos Aires.

As polacas estavam na hierarquia da prostituição logo abaixo das francesas. Seus clientes eram, em geral, proletários, a classe remediada urbana que crescia incessantemente. No baixo meretrício dos centros urbanos, pouco a pouco as polacas se somariam às negras e mulatas, dando uma diversidade étnica rara de se observar em outras cidades do mundo.

Mas as polacas também não contavam com a aceitação social que se oferecia às francesas. Eram reprimidas no centro do Rio de Janeiro e, pouco a pouco, foram empurradas pela polícia para a zona de tolerância da zona do Mangue. Essa localidade era vizinha à praça Onze, centro de aglomeração da comunidade judaica do Rio.

Em São Paulo não foi muito diferente: as prostitutas polacas foram empurradas para a zona da rua Aurora, vizinha aos judeus do Bom Retiro.

Esses judeus procuraram de toda forma se desvincularem daqueles judeus que tanto envergonhavam os demais.

Além disso, diversos países buscavam naquele tempo reprimir as atividades dos traficantes de mulheres. Congressos internacionais debatiam o tema com afinco. Mas a repressão era ineficiente, pois poucas mulheres denunciavam os membros das organizações que as traziam para as Américas.

Quando Vargas derrubou o presidente anterior e assumiu a Presidência da República, o baixo meretrício carioca contava com mais de 3 mil prostitutas, provenientes de nações diversas. Essas mulheres viram transitarem por ali nomes como Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, cartola, Luiz Gonzaga, Nelson Gonçalves, Cartola, Vinicius de Morais e muitos outros.

Os anos seguintes veriam uma aproximação do governo dos EUA com o Brasil, conforme pregava a política da “boa vizinhança” do Entreguerras. No final da década, Carmem Miranda, legítima representante dos tempos de boemia do Cassino da Urca, já era a atriz mais bem paga em Hollywood.    
  

Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”


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