A regra é clara: se cometer pecado, você irá para o Inferno;
se não cometê-lo, Paraíso! Este é o mandamento bíblico inserido no Antigo
Testamento e em nenhum outro ponto, nem no Novo Testamento, ele é alterado.
Mas ainda na Idade Média surgiu um questionamento: seria
justo enviar direto para as labaredas do Inferno uma pessoa que tenha cometido
um pequeno deslize em vida? Não sendo o caso de um pecador contumaz, poderia
haver uma espécie de clínica de reabilitação para pecadores? Era necessária uma
“terceira via”.
Diante do silêncio bíblico, um poeta florentino nascido no século
XIII preencheu essa lacuna, criando o purgatório. Dante Alighieri, em sua obra
prima A Divina Comédia, descreveu como seria o local onde pecadores passariam
pelos sofrimentos que os tornariam dignos do Paraíso.
A obra é de tirar o fôlego: são mais de cem cantos, escritos
ao longo de 14 mil versos. Foi ela quem tirou o dialeto toscano das mãos do
povo inculto e o alçou à categoria de língua italiana oficial. Também é um dos
primeiros romances da história, ao abordar de maneira quase inédito o tema
amor: a história descreve as desventuras de Dante, que teve de cruzar inferno,
purgatório e paraíso para encontrar sua amada Beatriz.
O inferno é o local reservado aos glutões, avarentos,
ladrões, suicidas, traidores e sodomitas. Esses seriam os pecadores
irrecuperáveis. Os tiranos, por exemplo, pagam seus pecados nadando num rio de
sangue fervente que alcança-lhes a linha dos olhos. Os perdulários são atacados
por cadelas raivosas por toda a eternidade.
O purgatório é uma montanha encintada por sete círculos, que
representam cada um dos pecados capitais. O segundo deles, por exemplo, é
dedicado aos invejosos, que têm seus olhos costurados com arame, para não
cometerem a mesma infração enquanto aguardam a expiação pelo pecado cometido.
Também eram obrigados e andarem se apoiando uns nos outros, desfilando dessa
forma toda a sua miséria.
A invenção “dantesca” do purgatório foi oficializada como
dogma católico no século XVI, no âmbito do Concílio de Trento.
Por sua vez, o ideólogo do Protestantismo, Martinho Lutero,
esperneava contra essa decisão da Igreja, pois entendia que o purgatório,
enquanto lugar inexistente nas Escrituras, servia apenas para verter mais dinheiro
para os cofres de Roma, após a instituição das indulgências: agora um rico pecador
poderia deixar uma parte relevante de sua herança para a Igreja e, assim, ser
condenado a passar apenas uma temporada desconfortável no purgatório, antes de
ser promovido ao Paraíso.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do
mundo”
Nenhum comentário:
Postar um comentário