Os que o precederam ficaram conhecidos como filósofos
pré-socráticos. Entre os discípulos que o sucederam, encontra-se Platão. Foi
julgado e condenado à morte – que transformou em suicídio assistido. Sua
habilidade para conquistar seguidores só era menor do que sua habilidade para fazer
inimigos.
Sócrates não tinha emprego nem trabalho. Sobrevivia às
custas de uma pequena herança deixada por seu pai, escultor profissional – sua mãe
era parteira, daí ele repetir que paria idéias. Sua esposa, Xantipa, teve de se
desdobrar para criar os filhos com tão pouco recursos.
Andava descalço, ficava o dia inteiro batendo papo ou travando
discussões com desconhecidos – que não demoravam para nutrir o mais sincero
ódio pelo velho filósofo. Diz-se que banho também não era um item de higiene por
que prezasse. Vestia-se normalmente com a mesma túnica , coberto com um pano
velho e puído. Baixinho, barrigudo, de pernas finas e tortas, careca,
narigudo... também não lembrava em nada um deus grego.
Seu talento inato era torcer e retorcer argumentos alheios
sobre os mais variados assuntos. Seu ócio era bastante criativo, momento que
usava para desenvolver sua lógica, passada à histórica como método socrático: abordava
qualquer pessoa, prestava-lhe elogios diversos, dizendo ser ele uma pessoa
inteligente, pedindo que ajudasse-o a esclarecer uma pequena dúvida; e então fazia-lhe
perguntas sobre a natureza da virtude, ou da verdade, ou do amor... somente
então o entrevistado percebia que caíra numa cilada.
Diante da resposta, Sócrates disparava um sem número de
outras perguntas, usando um tom bastante humilde e ingênuo, somente para ao
final deixar patente ao interlocutor e todas as outras pessoas que aquele sujeito
na verdade não sabia nada sobre o assunto.
Daí Sócrates dizer-se o mais sábios, pois admitia a verdade
maior: “Só sei que nada sei”.
Sócrates foi julgado aos 70 anos de idade. As acusações
eram: corrupção da juventude e impiedade. A primeira acusação se devia ao fato
de que Sócrates era absolutamente contra a idéia de democracia, porque achava
que ela reduzia tudo à média: na média, as decisões seriam medíocres, bastante
inferiores aquelas tomadas por sábios e filósofos, os governantes que Sócrates
sonhava ver governando sua cidade. Tais opiniões o filósofo transmitia a seus
pupilos.
O problema aqui é: uma democracia de verdade não deveria
garantir o direito de Sócrates expressar suas idéia?
A tragédia de Sócrates surgiu a cargo de Alcibíades. Rico,
de linhagem altamente reputável e muito ambicioso, Alcibíades foi convocado a
Atenas, em meio a uma batalha, para dar explicações em meio a um processo
aberto contra ele. Com medo, fugiu para a inimiga Esparta, o que o fez ser
condenado por contumácia (recusa em comparecer a uma audiência na esfera
criminal) em casa.
Em Esparta, Alcibíades se tornou popular, provavelmente por
tramar contra Atenas. Alcibíades morreu na Pérsia, assassinado quando estava
nos braços de uma prostituta.
O fato de Alcibíades ter sido pupilo de Sócrates contribuiu
nas acusações por corrupção de jovens.
Outro aluno decepcionante do filósofo foi Crítias. Opositor
aguerrido da democracia ateniense, chegava a ver o regime de Esparta como superior.
Pois bem. Veio a Guerra do Peloponeso, Esparta derrotou Atenas, que foi
obrigada a formar um governo com trinta dirigentes, todos simpáticos a Esparta.
Passou à história como o governo dos Trinta Tiranos.
Crítias evidentemente não foi esquecido na formação desse
gabinete. Durante os oito meses de existência, assassinaram 1.500 cidadãos
atenienses – os defensores da democracia foram os alvos prediletos.
Sócrates foi crítico ferrenho dos Trinta Tiranos. Mais do
que isso: passou a emitir declarações públicas contra os novos homens no poder.
Por exemplo: “Parece-me estranho que um vaqueiro que deixa seus bois diminuírem
em número e emagrecerem não admita ser mau vaqueiro; porém, mais estranho ainda
é que o estadista que torna seus cidadãos menos numerosos e piores não sinta
vergonha nem se considere mau estadista.”
Ao ser informado sobre a declaração indelicada do antigo mestre,
Crítias convocou-o e avisou sobre uma nova lei que acabara de promulgar: estava
proibido o ensino de techne logon (os segredos do discurso racional). Para um
filósofo, isso significava que todas as suas atividades estavam proibidas dali
em diante.
Sócrates nunca cumpriu o novo regramento e pouco depois os
tiranos foram sacados do poder. Mas as pessoas não esqueceram o inferno que o
ex-aluno do filósofo antidemocrático causara na cidade.
Sócrates certa feita deixou claro qual era seu modelo ideal
de sociedade: “Todos os habitantes com mais de dez anos de idade serão enviados
a campos, os reis-filósofos se encarregarão das crianças, subtraindo-lhes os
costumes de seus pais e educando-as segundo seus próprios costumes e leis.” Com
isso, idéias antigas não se perpetuariam.
Evidentemente os pais se sentiam atraídos por alguém que
pregava que seus ensinamentos eram mais valiosos para seus filhos do que os dos
próprios pais. E Ânito, rico dono de curtume e importante soldado da expulsão
dos Trinta Tiranos, viu ali motivo suficiente para processar Sócrates.
O velho filósofo havia dito a Ânito para não limitar a
educação de seu filho À aprendizagem do ofício paterno e ainda disse que tinha
muito melhores condições de ensinar ética ao garoto. Diante da discordância
manifestada por Ânito, Sócrates pediu que esse citasse um nome apenas de algum
poderoso que tivesse sido bom professor de seus filhos.
Ânito se sentiu tão encurralado pelos argumentos do velho
que respondeu com meia dúzia de ameaças: “Sócrates, tenho a impressão de que
você difama as pessoas com leviandade. Se quer um conselho, ouça-me: seja mais
cuidadoso”.
Quando de sua condenação à morte, Sócrates expressou
indignações apenas contra Ânito. E mais: fez questão de expressar o que pensava
ser o futuro do filho de Ânito. “Por falta de um conselheiro esclarecido, será
presa de alguma tendência vergonhosa e haverá de ir longe no vício.” E o que
ocorreu? O rapaz virou um alcoólatra “inútil para a cidade, para os antigos e
para si próprio”, como relatara Xenofonte.
Outro motivo de indignação contra si, era o fato de Sócrates
dizer a todos que tinha uma espécie de Deus particular, que jamais lhe dava
conselhos equivocados. Quando pediu que se retratasse, o filósofo contou que um
amigo havia ido ao Oráculo de Delfos, onde ouviram do mesmo que “não havia
homem mais livre, mais justo e mais sensato” do que Sócrates.
É óbvio que um homem vitima de um complô deveria se mostrar
mais humilde, em vez de ofender seus julgadores. Isso somente ocorreu porque o
filósofo planejava se suicidar. Chegou mesmo a se declarar temeroso da velhice
e de seus efeitos deletérios ao corpo.
Não tendo assassinado ninguém nem tendo se insurgido contra
o governo, não havia motivos para condená-lo à morte. Os jurados então o
indagaram sobre qual seria a condenação que merecia. Sua resposta: ser “nomeado
heróis da cidade”, ter “almoço grátis no Pritaneu” (edifício onde magistrados e
atletas recebiam homenagens e faustos banquetes) até sua morte. A resposta
deseducada demonstrava como buscava a morte.
E assim foi feito: condenaram-no à morte. Deveria beber
cicuta – planta altamente venenosa.
Sua esposa pediu para vê-lo uma última vez. Depois, Sócrates
pediu que deixasse o recinto enquanto se despedia da vida. Xantipa,
desesperada, gritou: “Mas você é inocente!”. Seu esposo respondeu, como apenas ele
faria: “E você preferia que eu fosse culpado?”
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do
mundo”
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