Em junho de 2014, o pastor batista John Pipe recebeu mais
uma das tantas mensagens de aconselhamento espiritual que recebia diariamente: “Pastor,
o que o senhor diria a um cristão que assiste ao programa de TV a cabo Game of
Thrones?” Seria adequado a um cristão assistir a tantas cenas de nudez e sexo?
John Pipe recebeu um sem número de mensagens como essa.
Elaborou até um manual chamado “12 perguntas para se fazer antes de assistir a
Game of Thrones”. O primeiro de seus conselhos elencados na obra diz que
assistir à série equivale a pôr Cristo de volta na cruz.
Seus mais de 700 mil seguidores no Twitter se sentem
encantados com seu conservadorismo desvairado. Foi ele quem culpou uma
Conferência sobre homossexualidade pela chegada de um tornado. Também defende
veementemente que a mulher deve se submeter à liderança natural do marido; e
que o lugar da mulher é na cozinha.
Pois bem. Caso algum fiel seguidor do tresloucado religioso
perguntasse se seria adequado a seu filho ler o Gênesis, o que se poderia
esperar do impacto das histórias lá perfiladas sobre uma personalidade ainda em
formação?
O Gênesis trata da história de Ló, sobrinho de Abraão. Ao
tentar espiar a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, sua esposa vira uma
estátua de sal. Com pena do pai, que acabara de perder a esposa se que tivesse
um filho homem, suas duas filhas o embebedam, fazem sexo com o pai e ficam
grávidas, ambas, de meninos. À descrição do incesto, somam-se prostituição,
estupro.
A masturbação é tratada na passagem de Onã: condenado a
transar com a cunhada, com o fito de engravidar a viúva do irmão e assim
garantir a sequência da linhagem, Onã se desvia do objetivo ao jogar sêmen no
chão. Essa é a base do pecado da masturbação.
A própria entrega de Jesus aos Romanos, de certa forma,
trata do pecado da inveja. Também foi a inveja quem levou Eva a provar do fruto
proibido e alcançar a sabedoria divina. Caim, filho mais velho de Eva, também
incorre no mesmo pecado da mãe, que terminou por amaldiçoar a todos por todo o
sempre.
Caim inveja o irmão, cujas oferendas a Deus, ovelhas,
agradam-no mais do que suas ofertas, frutos da terra. Por isso Caim atrai e mata
Abel.
Absalão, filho do rei Davi, mata o irmão Amnom, movido pelo
ódio por ter este irmão estuprado a irmã deles. Abimaleque se torna rei após
matar seus 70 irmãos. Jacó obriga seu irmão Esaú a lhe vender o título de
primogênito, explorando assim a fome por que passava o irmão.
E foi dessa passagem que surgiu a história mais vibrante
sobre dramas e traições familiares, que se encontra logo no primeiro livro da
Bíblia. José era bisneto de Abraão, mas seu nascimento foi precedido de uma
tortuosa luta contra a infertilidade. Sua mãe, Raquel, somente engravidou após
seu marido, Jacó, ter tido 11 filhos com outras mulheres: teve sete filhos com
Lia, irmã de Raquel; teve outros dois com sua serva; e mais dois com a serva de
Raquel. Até que, finalmente, Raquel engravida e dá à luz José.
Jacó, apesar dos outros 11 filhos, amava mesmo era Raquel e
José, o caçula, passa a ser o filho mais amado pelo pai. Evidentemente essa
situação desperta ódio em seus irmãos. Jacó presenteia-o com uma bela túnica
colorida e o encarrega de vigiar os irmãos. José relata ainda que tivera um
sonho, em que seus irmãos o reverenciavam. É o suficiente para que se unissem e
dessem um fim na vida de José.
O filho mais velho, Ruben, não permite que José seja assassinado
e alteram o plano: José seria vendido como escravo. Sujam sua túnica com sangue
de cabrito, dizem ao pai que o menino havia sido atacado por feras e o vendem como
escravo a negociantes a caminho do Egito.
Depois de se meter em diversas enrascadas, José. No
cativeiro, interpreta sonhos de outros prisioneiros e acerta todas as
previsões. Termina por ser levado à presença do faraó, que também tem seus
sonhos desvendados: as imagens que atabalhoavam seus sonhos representavam sete
anos de fome que se avizinhavam. Devido à antecipação, o Egito estoca alimentos
e consegue passar pelo período de fome sem muitos percalços. José é premiado
com o cargo de principal governante do Egito.
Como a fome atingiu a todos, exceto ao Egito, o país passa a
ser destino de diversas caravanas, em busca de trigo. Uma dessas caravanas é da
família de Jacó – seus irmãos deveriam buscar alimento para levar à casa.
José reconhece os irmãos, mas não é reconhecido. Começa o
diálogo pondo-lhes medo, acusando-os de serem espiões, mas ao fim manda
organizar um banquete e revela sua identidade. E ainda houve tempo para mais a
realização de uma outra previsão: José exige ser reverenciado por seus irmãos,
encenando assim a interpretação do sonho que tivera na juventude, que encetou o
ódio de seus irmãos.
E José, então, perdoa seus irmãos.
Uma outra história medonha do Livro Sagrado conta sobre um
monstro marinho chamado Leviatã: ele representa o caos primitivo. É descrito no
Livro de Jó. Com o tempo, passou a representar o pecado da inveja.
Já o Testamento de Salomão, obra apócrifa, conta quando o
rei Davi usou um anel presenteado pelo arcanjo Gabriel para capturar Belzebu, o
mais importante dos demônios. Com esse feito, Davi pôs todos os demônios do
inferno para trabalharem na construção do Templo de Jerusalém, como escravos.
Em 1589, o bispo alemão Peter Binsfeld – autor de A
Confissão de Warlocks e Bruxas - elabora uma relação entre demônios e cada
pecado que representa: Leviatã e inveja; Asmodeus e luxúria; gula e Belzebu;
ganância e Mammon; preguiça e Belphegor; ira e Azazel; orgulho e Lúcifer.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do
mundo”
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