Após as crises econômicas, políticas e culturais que
marcaram os anos que se seguiram ao golpe que inaugurou a República brasileira,
o país entrou na trilha do desenvolvimento. Os escravos libertos, somados aos
imigrantes que aportavam em nossos portos fizeram a população urbana explodir.
Essa mão de obra arranjou trabalho nas recém instaladas indústrias, que pouco a
pouco mudavam a paisagem das cidades, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo.
A nova classe média crescia exponencialmente com a multiplicação acelerada de
profissionais liberais, funcionários públicos, comerciantes etc.
A cidade mais vibrante de todas era o Rio de Janeiro. Recebia
estrangeiros e pessoas de outros estados em busca do seu sonho. A vida cultural
e intelectual efervecia em suas ruas e cafés. E era essa cidade que deveria dar
o pontapé na modernização do país, e ela viria na forma de uma Belle Époque afrancesada:
republicanismo norte-americano, cultura francesa e a oligarquia anacrônica de
sempre no Poder. O foco na indústria, aqui, virou foco no café.
A reforma urbana que traria um pedacinho de Paris para o Rio
de Janeiro foi iniciada no governo do presidente Rodrigues Alves, de 1902 a
1906. Alves, por sua vez, deixou a cargo do prefeito do Rio de Janeiro,
Francisco Pereira Passos, engenheiro formado na École Nationale des Ponts ET Chaussées
de Paris, a responsabilidade pela supervisão dos trabalhos.
A cidade que existia foi posta abaixo. Em seu lugar foram
construídas ruas e avenidas largas, que receberiam edifícios de estilo moderno,
como a Avenida Central, atual Rio Branco. Seriam erigidos ainda o Teatro
Municipal, o Palácio Monroe (antigo Senado Federal, demolido posteriormente), a
Biblioteca Nacional, a Escola Nacional de Belas Artes (com seus adornos de
cristal e mármore, globos elétricos de iluminação pública e visitantes vestidos
elegantemente).
Toda essa reforma urbana foi iniciada com o pretexto de
modernizar o porto do Rio de Janeiro, assolado por malária, febre amarela e uma
porção de outras doenças decorrentes das péssimas condições sanitárias da
cidade. O norte do cais do porto foi aterrado e construiu-se uma ampla avenida
ligando-o aos bairros operários da Zona Norte da cidade – avenida Rodrigues
Alves. A Zona do Mangue, local reservado à prostituição, foi saneado e
urbanizado; praças da cidade foram reformadas; ruas e avenidas foram
pavimentadas. Foi aberto o túnel do Leme, conectando a afastada praia de
Copacabana à cidade urbanizada.
O efeito negativo de obras tão ambiciosas foi o deslocamento
compulsório de multidões, que antes habitavam pensões e outros imóveis demolidos,
e passaram a se equilibrar em barracos improvisados nas encostas dos morros da
cidade, dando início a um intenso processo de favelização.
Criaram-se leis que visavam à reeducação dos cidadãos: agora
era proibido cuspir no chão do bonde, levar vaca de porta em porta, criar
porcos em casa etc. Tudo tinha de ser civilizado.
Em 1900, a cidade do Rio de Janeiro tinha 691 mil
habitantes; em 1930 seriam 1,4 milhão – nesse ano São Paulo contava com 889 mil
pessoas. A vida urbana da burguesia ganhou contornos inéditos: restaurantes,
cafés, teatros, charutarias, bordéis, clubes, hipódromos, praças e passeios
públicos. Com tantos espaços de convivência agora disponíveis e com o espaço
que as mulheres iam conquistando (podiam sair às ruas desacompanhadas, por
exemplo), o flerte corria solto. Estádios de futebol eram invadidos por jovens,
atraídas pelos jogadores famosos.
O casamento também teve suas regras alteradas: até 1890, a
idade mínima para a mulher se casar, ainda seguindo a tradição do direito
canônico, era de 12 anos; passou então para 14 e, em 1916, passou para 16 anos,
de acordo com o Código Civil recentemente publicado.
A aparência passou a ocupar o centro das atenções: perfumes,
luvas, suspensórios, sabões, ternos tudo era pensado para a conquista. Homens
se vestiam à inglesa; mulheres, à parisiense.
A consumidora fútil, preocupada excessivamente com sua
aparência, recebeu o apelido de melindrosa. Ela era o oposto de sua avó.
Revistas e jornais se especializavam em roupas femininas, jovens ficavam
famosas com a divulgação de seus nomes, concursos de beleza eram realizados.
Com tanta revolução ocorrendo no universo feminino, logo
surgiu um medo: como fazer para não parecer uma prostituta? Até a geração
anterior, essa diferenciação ocorria principalmente por meio dos vestidos, da
maquiagem, pelo fato de estar desacompanhada etc. Mas agora, com tanta
liberdade para se vestir, maquiar-se, para andar sozinha, essa discriminação seria
realizada por meio da castidade.
Embora os casamentos não fossem mais arranjados, o
consentimento dos pais era imprescindível para o início do relacionamento da
filha com seu pretendente. Após o flerte inicial, que poderia ocorrer agora com
qualquer rapaz por quem a moça se interessante, o “namoro à antiga” previa que
o jovem esperasse em frente à casa dela. Se a jovem aparecesse na janela, o
rapaz havia sido correspondido. Podiam começar a namorar! Isto é, conversar sem
um intermediário no meio.
Após, vinha o pedido formal aos pais. Acaso aceito pelos
pais, podiam começar a se encontrar em frente à casa da moça. Só entraria caso
quisesse realmente contrair casamento. Essas normas eram fiscalizadas à lupa
pelos irmãos da moça.
O objetivo aqui era único: preservar a moça virgem até o
casamento!
Já o moço tinha sua intimidade invadida quando a preocupação
era a execrada masturbação. Enquanto aguardava o tortuoso início de sua aguardada
vida sexual, o jovem de classe média descobria o sexo por meio das criadas da
família...
Em São Paulo, impressionavam a velocidade da urbanização e a
da prostituição. Em 1922 havia 1.936 prostitutas brasileiras e 1.593 estrangeiras
registradas. As mais caras e desejadas eram as francesas. Foram elas que apresentaram
aos broncos fazendeiros paulistas os hábitos refinados e sofisticados que
reinavam nos civilizados bordeis parisienses.
A vida intelectual de São Paulo ocorria dentro de cabarés e
bordéis como o Grande Hotel, o Hotel de la Rotisserie Sportsman, o Palais Élégant,
o Maxims`s e muitos outros. Boa bebida, boa comida, bons shows musicais, shows
de atrip-tease, drogas como cocaína, morfina, ópio, haxixe, éter, tudo isso abrilhantando
o ambiente por onde circulavam as atraentes moças.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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