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quarta-feira, 11 de outubro de 2017

SEX IN THE CITY


Após as crises econômicas, políticas e culturais que marcaram os anos que se seguiram ao golpe que inaugurou a República brasileira, o país entrou na trilha do desenvolvimento. Os escravos libertos, somados aos imigrantes que aportavam em nossos portos fizeram a população urbana explodir. Essa mão de obra arranjou trabalho nas recém instaladas indústrias, que pouco a pouco mudavam a paisagem das cidades, especialmente Rio de Janeiro e São Paulo. A nova classe média crescia exponencialmente com a multiplicação acelerada de profissionais liberais, funcionários públicos, comerciantes etc.

A cidade mais vibrante de todas era o Rio de Janeiro. Recebia estrangeiros e pessoas de outros estados em busca do seu sonho. A vida cultural e intelectual efervecia em suas ruas e cafés. E era essa cidade que deveria dar o pontapé na modernização do país, e ela viria na forma de uma Belle Époque afrancesada: republicanismo norte-americano, cultura francesa e a oligarquia anacrônica de sempre no Poder. O foco na indústria, aqui, virou foco no café.

A reforma urbana que traria um pedacinho de Paris para o Rio de Janeiro foi iniciada no governo do presidente Rodrigues Alves, de 1902 a 1906. Alves, por sua vez, deixou a cargo do prefeito do Rio de Janeiro, Francisco Pereira Passos, engenheiro formado na École Nationale des Ponts ET Chaussées de Paris, a responsabilidade pela supervisão dos trabalhos.

A cidade que existia foi posta abaixo. Em seu lugar foram construídas ruas e avenidas largas, que receberiam edifícios de estilo moderno, como a Avenida Central, atual Rio Branco. Seriam erigidos ainda o Teatro Municipal, o Palácio Monroe (antigo Senado Federal, demolido posteriormente), a Biblioteca Nacional, a Escola Nacional de Belas Artes (com seus adornos de cristal e mármore, globos elétricos de iluminação pública e visitantes vestidos elegantemente).

Toda essa reforma urbana foi iniciada com o pretexto de modernizar o porto do Rio de Janeiro, assolado por malária, febre amarela e uma porção de outras doenças decorrentes das péssimas condições sanitárias da cidade. O norte do cais do porto foi aterrado e construiu-se uma ampla avenida ligando-o aos bairros operários da Zona Norte da cidade – avenida Rodrigues Alves. A Zona do Mangue, local reservado à prostituição, foi saneado e urbanizado; praças da cidade foram reformadas; ruas e avenidas foram pavimentadas. Foi aberto o túnel do Leme, conectando a afastada praia de Copacabana à cidade urbanizada.

O efeito negativo de obras tão ambiciosas foi o deslocamento compulsório de multidões, que antes habitavam pensões e outros imóveis demolidos, e passaram a se equilibrar em barracos improvisados nas encostas dos morros da cidade, dando início a um intenso processo de favelização.  

Criaram-se leis que visavam à reeducação dos cidadãos: agora era proibido cuspir no chão do bonde, levar vaca de porta em porta, criar porcos em casa etc. Tudo tinha de ser civilizado.

Em 1900, a cidade do Rio de Janeiro tinha 691 mil habitantes; em 1930 seriam 1,4 milhão – nesse ano São Paulo contava com 889 mil pessoas. A vida urbana da burguesia ganhou contornos inéditos: restaurantes, cafés, teatros, charutarias, bordéis, clubes, hipódromos, praças e passeios públicos. Com tantos espaços de convivência agora disponíveis e com o espaço que as mulheres iam conquistando (podiam sair às ruas desacompanhadas, por exemplo), o flerte corria solto. Estádios de futebol eram invadidos por jovens, atraídas pelos jogadores famosos.

O casamento também teve suas regras alteradas: até 1890, a idade mínima para a mulher se casar, ainda seguindo a tradição do direito canônico, era de 12 anos; passou então para 14 e, em 1916, passou para 16 anos, de acordo com o Código Civil recentemente publicado.

A aparência passou a ocupar o centro das atenções: perfumes, luvas, suspensórios, sabões, ternos tudo era pensado para a conquista. Homens se vestiam à inglesa; mulheres, à parisiense.

A consumidora fútil, preocupada excessivamente com sua aparência, recebeu o apelido de melindrosa. Ela era o oposto de sua avó. Revistas e jornais se especializavam em roupas femininas, jovens ficavam famosas com a divulgação de seus nomes, concursos de beleza eram realizados.

Com tanta revolução ocorrendo no universo feminino, logo surgiu um medo: como fazer para não parecer uma prostituta? Até a geração anterior, essa diferenciação ocorria principalmente por meio dos vestidos, da maquiagem, pelo fato de estar desacompanhada etc. Mas agora, com tanta liberdade para se vestir, maquiar-se, para andar sozinha, essa discriminação seria realizada por meio da castidade.

Embora os casamentos não fossem mais arranjados, o consentimento dos pais era imprescindível para o início do relacionamento da filha com seu pretendente. Após o flerte inicial, que poderia ocorrer agora com qualquer rapaz por quem a moça se interessante, o “namoro à antiga” previa que o jovem esperasse em frente à casa dela. Se a jovem aparecesse na janela, o rapaz havia sido correspondido. Podiam começar a namorar! Isto é, conversar sem um intermediário no meio.

Após, vinha o pedido formal aos pais. Acaso aceito pelos pais, podiam começar a se encontrar em frente à casa da moça. Só entraria caso quisesse realmente contrair casamento. Essas normas eram fiscalizadas à lupa pelos irmãos da moça.

O objetivo aqui era único: preservar a moça virgem até o casamento!

Já o moço tinha sua intimidade invadida quando a preocupação era a execrada masturbação. Enquanto aguardava o tortuoso início de sua aguardada vida sexual, o jovem de classe média descobria o sexo por meio das criadas da família...  

Em São Paulo, impressionavam a velocidade da urbanização e a da prostituição. Em 1922 havia 1.936 prostitutas brasileiras e 1.593 estrangeiras registradas. As mais caras e desejadas eram as francesas. Foram elas que apresentaram aos broncos fazendeiros paulistas os hábitos refinados e sofisticados que reinavam nos civilizados bordeis parisienses.

A vida intelectual de São Paulo ocorria dentro de cabarés e bordéis como o Grande Hotel, o Hotel de la Rotisserie Sportsman, o Palais Élégant, o Maxims`s e muitos outros. Boa bebida, boa comida, bons shows musicais, shows de atrip-tease, drogas como cocaína, morfina, ópio, haxixe, éter, tudo isso abrilhantando o ambiente por onde circulavam as atraentes moças.   


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”


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