Pesquisar as postagens

terça-feira, 31 de outubro de 2017

RETROCESSOS: JOÃO GORDO EXPLICA


RETROCESSO – RATOS DE PORÃO

Cuidado com o poder do regime militar
O tempo vai retroceder
O DOI-CODI vai voltar no
BRASIL, BRASIL, BRASIL

Por trás da festa do tri
Tortura e podridão
Milhares de inocentes
Sofreram porque queriam o bem do
BRASIL, BRASIL, BRASIL

Ame-o ou Deixe-o
Essa era a solução
De Médici e sua corja
Imposta para o povo do
BRASIL, BRASIL, BRASIL

Obs: ver o Caetano sendo censurado... 


Rubem L. de F. Auto


SEXO, DROGAS E O PODER: SUPOSICOLLOR E JOÃO GORDO


SuposiCollor – RATOS DE PORÃO

É baixaria no congresso nacional
Liberou geral, vamos fuder
Pau no cu do povo que sofre
Sofre, sofre sem reclamar

Vamos roubar, vamos enriquecer!

Muita farinha
Não se cheira pelo cu
Fantasma é mato
Grana suja de montão
SuposiCollor

Vamos lavar dinheiro
Dinheiro sujo e ilegal
Vamos gastar, vamos gastar a valer
E o povo que se foda, queremos é mais

Vamos roubar, vamos enriquecer!

Muita farinha
Não se cheira pelo cu
Fantasma é mato
Grana suja de montão
SuposiCollor

Dois milhões de dólares, na minha conta apareceu
A minha sorte é divina
Um milagre aconteceu
Não tenho nada a ver com isso
Esse dinheiro nem é meu
Pois é...
Vão se fuder!

É macumba da braba, pra se garantir
Pra não dar bandeira e ninguém descobrir
E o povo vai comer merda, tem que se danar

Vamos cheirar, vamos nos divertir!

Muita farinha
Não se cheira pelo cu
Fantasma é mato
Grana suja de montão
SuposiCollor

OBS1: Na época dos fatos dessa música, havia o boato de que o ex-presidente Fernando Collor injetava cocaína pelo ânus. Algumas pessoas responderam a processos por dizerem isso em público.
Obs2: Letra plenamente cabível no momento atual.


Rubem L. de F. Auto



PÁTRIA ARMADA, IDOLATRADA, PEGUE SEU FUZIL


Farsa Nacionalista – RATOS DE PORÃO

Seu orgulho é totalmente sem sentido
Se trabalha como um animal
E vive como um cão
Isso representa algum tipo de sensacionalismo
Cópia mal tirada
Contradição
Farsa Nacionalista
Farsa Nacionalista
A pátria armada nas mãos dessa cambada
De extrema direita
T.F.P
Ficará manipulada por burgueses moralistas
E não há lugar
Para você
Farsa Nacionalista
Farsa Nacionalista
Não sabe o que faz
Não sabe o que diz
Você não tem razão
Pra lamber tanto esse país
Não pense que você
É uma solução
Violência e estupidez
Aqui sempre existiu
Aqui ninguém tem culpa
Se o país está na merda
Você está deixando
Isso aqui muito pior


Rubem L. de F. Auto


JOÃO GORDO E A DEFINIÇÃO DE TRABALHO ESCRAVO: EXPRESSO DA ESCRAVIDÃO


Expresso Da Escravidão – RATOS DE PORÃO

A degradação tem o seu preço
De trecho em trecho para trabalhar
A liberdade em troca de miséria
Mancada séria pode matar

A soma de toda pobreza
Desmoraliza o social
Mão de obra farta escravizada
Direitos Humanos é opcional

Quanto custa um homem no expresso da escravidão?
Quanto custa um homem no expresso da escravidão?
No Brasil!

Enganado pelo tal de gato
Explorado pelo fazendeiro
Meses, meses, meses de trabalho
Enganado e nada de dinheiro

Objeto descartável coagido pelo medo
Latifúndio escravagista
Opressão pelo desespero

Quanto custa um homem no expresso da escravidão?
Quanto custa um homem no expresso da escravidão?
No Brasil!

Escravidão contemporânea no Brasil!
Escravidão contemporânea no Brasil!

A degradação tem o seu preço
De trecho em trecho para trabalhar
A liberdade em troca de miséria
Mancada séria pode matar

A soma de toda pobreza
Desmoraliza o social
Mão de obra farta escravizada
Direitos Humanos é opcional

Quanto custa um homem no expresso da escravidão?
Quanto custa um homem no expresso da escravidão?
No Brasil!

Escravidão contemporânea no Brasil!
Escravidão contemporânea no Brasil!


Rubem L. de F. Auto


JOÃO GORDO E O PODER: Puta, Viagra e Corrupção


Puta, Viagra e Corrupção – RATOS DE PORÃO

Ladrão julgando ladrão
É puta, viagra e corrupção
A impunidade é brasileira
Hipocrisia eleitoreira

Senhor deputado
Não vai pra cadeia
Serviço de luxo
Tudo de primeira

Vossa excelência
Não perde o mandato
Recebe um aumento
E ainda volta de jato

Ah, vida boa
De parlamentar!
O conforto em primeiro lugar
Roubando e ensinando a roubar
Sempre mentir

Senhor deputado
Jesus te protege
Pagou dez por cento
Ele te reelege

Vossa excelência
Poder e riqueza
Soberba e glória
Só puta nojenta

Ah, vida boa
De parlamentar!
O conforto em primeiro lugar
Roubando e ensinando a roubar
Sempre mentir

Ladrão julgando ladrão
É puta, viagra e corrupção
A impunidade é brasileira
Hipocrisia eleitoreira


Rubem L. de F. Auto


CUIDADO COM A PROPAGANDA! SEPULTURA QUE RESSUSCITA


PROPAGANDA – SEPULTURA


Why Don't You Get A Life And Grow Up
Why Don't You Realize That You're Fucked Up
Why Criticize What You Don't Understand
Why Change My Words, You're So Afraid

Por que você não pega uma vida e cresce?
Por que você não percebe que você está fodido?
Por que você critica o que não entende?
Por que alterar minhas palavras? Você está com tanto medo

You Think You Have The Right To
Put Me Down
Propaganda Hides Your Scum
Face To Face You Don't Have A Word To Say
You Got In My Way, Now You'll Have To Pay

Você pensa que tem o direito de me
Deixar deprimido
A propaganda esconde sua real identidade
Cara a cara você não tem nada a dizer
Você entrou no meu caminho, agora tem que pagar

Don't, Don't Believe What You See
Don't, Don't Believe What You Read
No!

Não, não creia no que vê
Não, não creia no que lê 
Não!

I Know My Ways, I'm Here To Stay
I Didn't Start All This Yesterday
I'll Prove You Wrong All The Way
Life Teaches Me You're Always Alone

Eu conheço meu jeito, estou aqui para ficar
Não comecei isso tudo ontem
Provarei que você deixa tudo errado
A vida me ensinou que a gente está sempre sozinho

Don't, Don't Believe What You See
Don't, Don't Believe What You Read
No!

Não, não creia no que vê
Não, não creia no que lê 
Não!



Rubem L. de F. Auto

A ESCRAVIDÃO MODERNA NA VISÃO DA BANDA SEPULTURA


SLAVE NEW WORLD (ESCRAVO NOVO MUNDO) - SEPULTURA


Face- the enemy
Stare - inside you
Control - your thoughts
Destroy - destroy 'em all

Encare - o inimigo
Mire – dentro de você
Controle – seus pensamentos
Destrua – destrua-os todos

You censor what we breathe
Pre-judice with no belief
Senseless violence all around
Who is it that keeps us down?

Você censura o que nós respiramos
Pré-julga sem acreditar
Violência sem sentido por todo lugar
O que é isso que nos mantém submetidos?

Once all free tribes
Chained down led lives
Blood boils inside me
We're not slaves, we're free

Estando todas as tribos livres
Acorrentadas, vidas conduzidas
O sangue me queima por dentro
Não somos escravos, somos livres  

Face- the enemy
Stare - inside you
Control - your thoughts
Destroy - destroy 'em all

Encare - o inimigo
Mire – dentro de você
Controle – seus pensamentos
Destrua – destrua-os todos



Rubem L. de F. Auto

SEPULTURA E O CAOS NO ANNO DOMINI


Refuse / Resist – Sepultura

Chaos A.D.
Tanks on the streets
Confronting police
Bleeding the plebs

Caos D.C.
Tanque nas ruas
Confrontos policiais
E a plebe sangrando

Raging crowd
Burning cars
Bloodshed starts
Who'll be alive?

Multidões ensandecidas
Carros queimando
E a carnificina começa
Quem sobreviverá?

Chaos A.D.
Army in siege
Total alarm
I'm sick of this

Caos D.C.
Exército sitiando
Alarme total
Estou cansado disso

Inside the state
War is created
No man's land
What is this shit?

Dentro do Estado
A guerra é criada
Terra de ninguém
Que merda é essa?

Refuse, resist, refuse

Recuse-se, resista, recuse-se

Chaos A.D.
Disorder unleashed
Starting to burn
Starting to lynch

Caos D.C.
A desordem está lançada
Começando a queimar
Começando o linchamento

Silence means death
Stand on your feet
Inner fear
Your worst enemy

Silêncio significa morte
Fique sobre seus pés
O medo interior
É seu pior inimigo

Refuse, resist
Refuse, resist

Recuse-se, resista
Recuse-se, resista


Rubem L. de F. Auto



SEPULTURA X STABLISHMENT: GUERRA POR TERRITÓRIO


Territory - Sepultura

Unknown man
Speaks to the world
Sucking your trust
A trap in every world

Um homem desconhecido
Fala com o mundo
Sugando sua verdade
Uma armadilha em todos os lugares

War for territory
War for territory

Guerra por território
Guerra por território

Choice control
Behind propaganda
Poor information
To manage your anger

Controle dos desejos
Por trás da propaganda
Falta de informação
Tudo para manipular seu ódio

War for territory
War for territory

Guerra por território
Guerra por território

Dictators' speech
Bashing off your life
Rule to kill the urge
Dumb assholes speech

Discurso de ditadores
Arruinando sua vida
Criando leis para adestrarem pessoas
Discursos de idiotas

Years of fighting
Teaching my son
To believe in that man
Racist human being

Anos de lutas
Ensinando meu filho
A acreditar naquele cara
Um ser humano racista

Racist ground will live
Shame and regret
Of the pride
You've once possessed

A base do racismo sobreviverá
Vergonha e arrependimento
Do orgulho
Que um dia você possuiu

War for territory
War for territory

Guerra por território
Guerra por território


Rubem L. de F. Auto


JOÃO GORDO X EDIR MACEDO: IGREJA UNIVERSAL DOS RATOS DE PORÃO


Igreja Universal – Ratos de Porão

Você acredita em deus
E nos seus milagres?
Em troca de dinheiro, ele te fará feliz!
Você chorou de emoção
Em nome da verdade
Nas mãos de um charlatão, você é um imbecil!

Fanáticos, doentes de lavagem cerebral
Por trás dessa bondade existe sexo e poder
Promessas do inferno da igreja universal!
Você está curado do pecado original!

O pastor de seu Deus está enganando você!
O pastor de seu Deus está enganando você!

Aleluia irmão! Aleluia!
Aleluia irmão! Aleluia!
O câncer que corrói a sua vida está no fim
Depois de 20 anos ele voltou a andar
O demônio foi expulso com a força do amor
O cego agradecido não podia enxergar

O pastor de seu Deus está enganando você!
Você!

Histeria coletiva
Farsa pentecostal
Hipnose destrutiva
Atitude anormal!

Você acredita em deus
E nos seus milagres?
Em troca de dinheiro, ele te fará feliz!
Você chorou de emoção
Em nome da verdade
Nas mãos de um charlatão, você é um imbecil!
Imbecil!

Obs: Essa letra é de 1990.


Rubem L. de F. Auto


sexta-feira, 27 de outubro de 2017

VIRA-LATAS COMPLEXADOS: RÉQUIM PARA UM POVO!


Embora goze há muito de uma reputação celeste, Tom Jobim sofreu agruras pelas mãos de críticos habilidosos em baixar o sarrafo em qualquer tupiniquim que se atreva a fazer algo elogiável.

Qualquer coisa que o maestro fizesse era motivo para defenestrá-lo: quando Frank Sinatra, um dos maiores cantores do mundo, reverenciou-o gravando dois discos repletos de composições suas, Tom foi logo taxado de “americanizado” – quando foi o “americano” que se abrasileirou, de fato; se diziam que fundara a bossa nova, logo diziam que era uma mera importação do jazz. Um crítico golpeou mais forte: “Ele é um compositor da Broadway nascido no Brasil”.

Quando a Coca Cola comprou os direitos de Águas de Março para passar em seus comerciais, Tom passou a ser o “vendido”. Ao protagonizar um comercial da Brahma, ao lado do fantasma de Vinicius de Moraes, ao som de “Eu sei que vou te amar”... desabafou: O Brasil não é para principiantes”.
Depois, de cabeça mais fria, diria o Tom em tom mais ameno: “Viver no exterior é bom, mas é uma merda; viver no Brasil é uma merda, mas é bom”. Ele sabia bem do que falava, após morar muitos anos em Nova York.

Evidentemente invejar o sucesso alheio é uma característica humana, não brasileira, mas salta os olhos a intensidade desse fenômeno no Brasil, especialmente em se tratado de invejados tupiniquins.

Quando o Rio de Janeiro foi escolhido sede dos Jogos Olímpicos de 2016, a atriz americana Wanda Sykes, numa entrevista no programa de Jay Leno, perguntou se prostituição era agora uma modalidade olímpica. Silvester Stallone justificou assim a escolha a escolha do Brasil como locação do filme Os Mercenários: “Lá você pode atirar nas pessoas, explodir coisas e elas dizem ‘obrigado’”.

Seria ótimo supor que essa imagem depreciada do Brasil valesse apenas na cabeça dos “gringos”. Mas a verdade é que o conceito de Brasil na cabeça dos brasileiros não é nem um pouco positivo. Quando perguntados sobre qual palavra associam imediatamente à “pátria amada idolatrada”, 50% responderam “desonesto”, numa pesquisa da BrandAnalytics em 2014. Para alcançar o sucesso, apenas 13% dizem achar que podem contar com algum apoio do Estado. E se confrontados com o questionamento sobre qual seria o país ideal para viver, meros 18% responderam Brasil.

Este último questionamento, quando feito a norte-americanos, levava 52% dos entrevistados a responderem que era o seu país.

Esses resultados desanimadores são recentes, fruto dos últimos governos? Não. Nelson Rodrigues já inventava, lá em 1958, uma expressão para representar esse sentimento de inferioridade em relação às coisas pátrias: “complexo de vira-latas”. E explicou: “Por ‘complexo de vira-latas’ entendo eu a inferioridade em que o brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. Isto em todos os setores”.

Mas o sentimento opera dos dois lados: desvaloriza o que é brasileiro e supervaloriza o que é estrangeiro. Por exemplo, um holandês pedalando até o trabalho é elogiável, até mesmo lúdico; já a promessa de cenas como essa no Brasil causa furor e até revolta.

Uma pesquisa, há poucos anos, mostrou que mais da metade dos turistas que apinhavam as ruas e shoppings de Miami era de brasileiros: 424 mil, contra 345 mil canadenses comendo poeira.

Mas quando se pesquisou quantos escolhiam aquela cidade para adquirir uma imóvel, o lugar de destaque era mantido. Os brasileiros eram os que mais pesquisavam imóveis no site da associação de imobiliárias local e os imóveis pesquisados eram, em média, mais caros do que os pesquisados por canadenses.

Seria esse complexo de vira-latas o responsável por ignorarmos tão completamente os brasileiros do “andar de baixo”? Por exemplo, ninguém parece invejar o programa social do governo da Austrália voltado à população de rua. Eles receberam apartamentos mobiliados, na cidade Brisbane, de um edifício residencial construído para esse fim. São 146 apartamentos de 30 metros quadrados, incluindo uma varanda de 3 metros quadrados. Já vêm com TV LCD, fogão, forno micro-ondas, geladeira etc. O edifício conta com elevador inteligente, salão de jogos, churrasqueira no terraço. Tudo de graça, porém deve-se lembrar que esses moradores de rua recebem um subsídio de 400 dólares australianos por mês do governo.  

Outro setor do país historicamente surrado pela crítica é a culinária. Embora nascidos num país continental, de natureza rica e com costumes diversos conforme a região, o que vem de fora costuma nos causar mais fascínio.  Os hábitos alimentares denunciam: comemos mais sushi do que churrasco; os rankings de melhores restaurantes de São Paulo costumam ser preenchidos apenas por representantes da cozinha italiana; o wasabi tem amis espaço nos pratos do que quiabo.

Embora chefs como Alex Atala estejam pondo o nome da culinária brasileira na órbita dos astros da boa cozinha, relegar a meia dúzia de representantes o que há de melhor na comida mineira, baiana, goiana, carioca, paraense... Parece insignificante demais.

É uma realidade que contrasta com o passado distante: até o segundo século da descoberta, os portugueses eram fascinados pelas possibilidades gastronômicas do país: os gêneros alimentares abundantes, a terra fecunda, o clima ameno. Mas já no século XIX o que era local era considerado inferior ao que vinha da Europa.

Alex Atala tenta explicar: “Como país colonizado, nós sempre ficamos mais de olho em outras culturas. Nunca olhamos a nossa própria com orgulho. E eu às vezes fico louco com isso porque temos no Brasil tanto a cozinha refinada quanto a comida de rua. As pessoas querem colocar a alta gastronomia em uma caixa de trufas, foie grãs e pratos pequenos. E essa é uma idéia que envelheceu.” Ele criou o conceito de cozinha que mistura ingredientes como tucupi e jambu, baru, tapioca nordestina e canjiquinha mineira.

Logo que surgiu para a gastronomia, Alex Atala disse: “Falta alguém que tenha orgulho da nossa culinária como Villa-Lobos tinha orgulho da nossa música.”

Deu certo. Em 2014, a revista especializada Restaurant o pôs à frente do melhor restaurante francês no seu ranking. A brasileira Helena Rizzo, melhor chef mulher do mundo pela mesma publicação, segue esse mesmo conceito em seu Maní.

Aqui desvenda-se um fenômeno interessantíssimo: nossa baixa auto-estima para coisas locais nos faz invejosos do que vem de fora; quando o que vem de fora nos admira, passamos a admirar o que é nosso, a despeito da baixa auto-estima. Enfim, a admiração recente de estrangeiros por nossa cozinha nos fez mais orgulhosos dela. Invejinha-bumerangue básica.

Outro setor surrado à exaustão é o cinema nacional. Alguns comentários de “gringos”, inclusive, costumam causar espécie. Por exemplo, o premiadíssimo diretor de cinema Martin Scorsese apresentou a seus atores, antes das filmagens e “Gangues de NY” e “Os Infiltrados”, o filme “O Dração da Maldade contra o Santo Guerreiro”, de Glauber Rocha. Dizia o nova-iorquino que aquela obra o impressionara enquanto espectador.

O crítico de cinema irlandês Mark Cousin assim fala de “Deus e o Diabo na Terra do Sol”: “fotografado como um dos filmes de John Ford e editado a um modo eiseinsteniano” – fazendo referência a Sergei Eisenstein, considerado um revolucionário das telas no seu tempo.

Um diretor desse calibre deve ter sido bastante elogiado e louvado em casa, certo? Nada mais falso. Escrevendo sobre “Terra em Transe”, o crítico de cinema do Correio da Manhã, Antonio Moniz Vianna acusou a obra de ser uma imitação desbotada de Godard e de Fellini, disse que sua polêmica era inútil, que Glauber abusava das metáforas e acusou o quadro que pintara da política brasileira de obscuro e indecifrável.

Galuber passou boa parte de sua vida na Europa.

Anselmo Duarte, outro diretor de cinema, premiado com a Palma de Ouro em Cannes em 1962 por “O Pagador de Promessas”, quando desbancou obras clássicas de Michelangelo Antonioni e Luis Bruñuel, assim comentou sobre as críticas mordazes de que era alvo: “Quem criticava meus filmes eram alguns moleques do Rio de Janeiro, que invejavam os prêmios conquistados por mim...”

Tropa de Elite, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim em 2008, foi aqui acusado de fascista por mostrar os conflitos entre polícia de bandidos nas favelas cariocas sob o ponto de vista da polícia, crítica essa que não de repete nos filmes policiais de Hollywood.     

Ainda  no cinema, poucas coisas deixam mais patente o sentimento de vira-latas do que o desejo incontido de ver um filme brasileiro sendo premiado com o Oscar, apesar dos inúmeros prêmios recebidos até hoje, como se aquele prêmio fosse fundamental para ratificar a qualidade da obra.

A expressão “complexo de vira-latas”, como vimos, nasceu a partir do futebol e é nesse setor que se mostra mais prolífica. Quando a seleção ia para a Suécia, disputar a Copa de 1958, e quando ainda não éramos o país do futebol, poucos acreditavam no esquete canarinho.

Mas um jornalista destoava: Nelson Rodrigues. Consagrado por seus textos empolgados, apaixonados e radicias, ele não poderia compactuar com aquele sentimento desesperançosos e cabisbaixo do torcedor brasileiro. Nelson era tupiniquim: “A Europa é uma burrice aparelhada de museus!”, esbravejava no Jornal dos Sports.

Nelson identificava o momento em que o brasileiro começou a se sentir um cão abandonado: a derrota vergonhosa na final da Copa de 1950, a maior até o trágico embate contra a Alemanha na Copa de 2014, também no Brasil.

Sobre aquela derrota, Nelson escreveu: “Obdulio nos tratou a pontapés, como se vira-latas fôssemos”. Continuou: “O problema do escrete não é mais de futebol, nemd e técnica, nem de tática. Absolutamente. É um problema de fé em si mesmo.” Quanta falta fazem jornalistas como esse...

No curso para a Copa de 1958, Nelson deparou com um menino negro, de apenas 17 anos, que humilhou o bom time do América-RJ numa partida contra o Santos, quando fez 4 dos 5 gols de seu time. Nelson elegeu o menino o “personagem da semana” em sua coluna. E assim discorreu sobre o craque emergente: “O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: a de se sentir rei da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento.” De novo: quanta falta fazem jornalistas como esse...

Examinando os motivos do sentimento nacional de inferioridade, Nelson foi mais uma vez incisivo em suas críticas: “Por que perdemos, na Suíça, para a Hungria? Examinem a fotografia de um e outro time entrando em campo. Enquanto os húngaros erguem o rosto, olham duro, empinam o peito, nós baixamos a cabeça e quase babamos de humildade. Esse flagrante, por si só, antecipa e elucida a derrota. Com Pelé no time, e outros como ele, ninguém irá para a Suécia com a alma dos vira-latas. Os outros é que tremerão diante de nós.”

Pois bem, após a segunda partida da Copa de 1958, tendo conquistado um suado empate contra a Inglaterra, os jogadores se reuniram com o técnico Vicente Feola e pediram que ele escalasse dois jogadores do banco de reservas: Garrincha e Pelé. O jogo seguinte era contra a intimidante seleção da URSS, que se orgulhava de praticar um futebol científico, de jogadas precisas e com jogadores disciplinadíssimos.

Na primeira vez que pegou a bola em campo, Garrincha saiu em disparada, driblou o time soviético inteiro e carimbou a trave dos adversários com uma bomba disparada com os pés. Houve quem temesse pela raiva que esse desaforo poderia causar nos poderosos adversários. Mas a história seria outra: 2 X 0 e essa seria apenas a primeira da série invicta da dupla: a seleção nacional nunca perderia se ambos os jogadores estivessem em campo (foram 36 vitórias e 4 empates).

Na semifinal contra a França, equipe do artilheiro da competição Just Fontaine, Pelé marcou 3 dos 5 gols da vitória de 5 X 2. O placar da final contra a Suécia foi o mesmo: 5 X 2 (sendo 2 de Pelé) e o Brasil seria a única seleção de futebol a vencer fora do seu continente – fato que só seria superado por Espanha e Alemanha nas duas últimas edições.  

Pelé e Cia chutaram para escanteio o complexo que contaminou os brasileiros. Em 1962, apesar do Rei machucado e fora de campo, Garrincha tomou o comando da embarcação e manteve o sentimento nacional em alta, com mais uma Taça.

Mas então veio 1966, a seleção brasileira saiu do torneio muito cedo, a Inglaterra venceu com um futebol horrível e com árbitro comprado... E o vira-latismo voltou à cena. De novo, não éramos mais bons em nada! A seleção brasileira representava a derrota humilhante e a Copa de 1970 deixaria esse fracasso ainda mais patente.

Mas o time dos otimistas apresentaria mais um personagem marcante e inesquecível: o jornalista gaúcho João Saldanha. Técnico da máquina de fazer gols do Botafogo de Garrincha e Didi, o “João Sem Medo”, assim apelidado por Nelson Rodrigues, era conhecido por andar armado, falar o que vinha à cabeça e se enfurecia se lhe pedissem para copiar o futebol europeu. Convidado para comandar a seleção, acreditava desde o início que poderia montar um time invencível. Seu combinado ficou conhecido como “as feras do Saldanha”.

Mas Saldanha teria que deixar algumas coisas mais claras para seus jogadores. Nas eliminatórias, no segundo jogo, contra a Venezuela, a seleção brasileira relaxou em campo, jogou um primeiro tempo morno e foram para o vestiário exibindo um vergonhoso 0 X 0. Saldanha não gostou nada daquilo. Debaixo de chuva forte, ao chegarem às portas do vestiário, os jogadores depararam com um Saldanha sério, segurando a chave e terminando de trancar a porta. Disse apenas que se era para jogar aquele futebol terrível não precisavfam trocar o uniforme. Mandou que voltasse a campo e esperassem lá o reinicio da partida – Pelé, Carlos Alberto, Tostão, Gerson... Todos eles sentados no gramado debaixo de chuva.
Pois bem, parece que funcionou. Fim de jogo, 5 X 0 para o Brasil. Nas eliminatórios inteiras seriam 23 gols feitos e apenas 2 sofridos. Tostão fez 10 desses gols.  

Saldanha assim responderia quando perguntado se era otimista sobre o Brasil: “Claro, se eu não fosse já tinha me naturalizado dinamarquês”. Sua esposa era dinamquesa.

Mesmo vitorioso, Saldanha foi demitido e substituído por Zagallo. Por quê? Até hoje o episódio é mal explicado: uns dizem que ele se recusou a convocar Dadá Maravilha a pedido do ditador da época, Médici; outros dizem que ele era comunista e diretor do Partido Comunista nos piores anos de repressão da Ditadura. Nunca deixariam um país inteiro grato a um comunista.

Quem será o próximo a jogar para escanteio o nosso vira-latismo intrínseco?


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo” 


quinta-feira, 26 de outubro de 2017

COMPARTILHAR NAS REDES: A NOVA DROGA DO SÉCULO XXI


Seja no cinema, seja na fila do supermercado, na selfie que o destraiu quando seu time fez um gol, não importa onde. Tirar o celular, apontar para o seu rosto ou para algo que você quer que todos os seus contatos vejam também e postar se tornaram ações diárias, hábitos incrustados no cotidiano.

O desenvolvedor de softwares Dana Hanna tirou o celular do próprio bolso logo após o “sim” da noiva e fez o selfie no próprio casamento. Quando o juiz de paz disse que já podia beijar a noiva, postou a foto e atualizou o status para “casado”. Foi uma brincadeira mas representa bem os novos tempos.

Mas como se chegou a essa compulsão coletiva? Primeiramente é necessário dizer que toda a polêmica que gira em torno da rede social não é inédita. Televisão, telefone, rádio tudo já teve seu momento de “capeta disfarçado”, atentando o juízo da humanidade.

Em segundo lugar: dopamina. Neurotransmissor fundamental para o funcionamento do cérebro, a dopamina cria a felicidade e a tristeza. A sensação de recompensa que ela cria transforma nossos hábitos.

E nossa sobrevivência se deve a ela: sexo, comer nos causam prazer porque a dopamina assim definiu, e é por isso que repetimos essas ações. Além disso, a dopamina age com mais eficácia quando há o elemento da incerteza. A curiosidade a respeito de qual será o próximo post a surgir na timeline, ou qual foto nosso contato postará cria ainda mais sensação de prazer.

Essa compulsão aqui descrita é a mesma causada pelo uso de drogas: ao satisfazer o desejo, a satisfação se esvai – como quando você curte uma notícia, sem nem mesmo abrir o link. Aquela vontade de trocar o canal incessantemente quando tira o controle da TV da mão de outra pessoa, também denuncia a mesma compulsão: trocar o canal traz a sensação de quando se vê um novo post surgindo.

Perceba: não é o ato de ler o post que agita descarrega dopamina na corrente sanguínea; é o ato de compartilhar, opiniões ou fotos ou qualquer outra coisa.

Mas o prazer inerente ao ato de compartilhar não é novidade na nossa espécie. Um estudo de Harvard – lembrei do Jô Soares J - concluiu que 40% de tudo o que falamos tem como objetivo informar aos outros sobre nós mesmos. Cerca de 80% do que se publica nas redes sociais também tem esse mesmo fim. É o narcótico dos usuários das redes sociais.

Aliás, o jornalista Bem Dreyfuss publicou uma matéria na revista Wired comparando cada rede social com uma droga, em razão de seus efeitos: o Facebook é o álcool, a droga que todos usam; o Twitter é o cigarro, causa sensações não agradáveis no começo, mas depois o corpo se acostuma e pede mais; o Youtube é a maconha, porque é difícil até de se classificá-lo como rede social (assim como é difícil de classificar a maconha como uma droga).     

Então, fisicamente, quando compartilhamos nas redes ativamos o sistema límbico, região cerebral associada à recompensa e onde age a dopamina. Tem-se a mesma sensação de quando olhamos aquela picanha na brasa, ou quando nos deitamos com aquela pessoa desejada.

E mais: quando falamos de nós mesmos, a sensação de recompensa se torna mais intensa. Este fato demonstra o grau de narcisismo que acomete as pessoas, em geral – coisas da nossa espécie.

Mas dar conta dos eventuais interessados pode afogá-lo em comentários, sem que possa dar a devida atenção a cada um deles. Em média, cada usuário do Facebook tem 338 “amigos”. Pois bem, nosso cérebro consegue dar conta de no máximo 150 relacionamentos (pode variar um pouco de pessoa para pessoa), em razão de limitações no neocórtex cerebral. Um estudo apontou que uma empresa sofre de quedas de produtividade quando ultrapassa 150 empregados – a partir daí tem que dividir em subgrupos. Um diretor-executivo pode lidar com no máximo 150 chefes de equipe.  

Bom, então a solução é sair da rede que, conforme estudos realizados, aflige 40% dos usuários com experiências negativas freqüentemente? Não exatamente.

A Crise de 2008 afetou a Islândia como a poucos países do mundo. Eles perderam quase todos os recursos financeiros nacionais, os maiores bancos faliram e a moeda local se desvalorizou em mais de 80%. A Dívida Pública atingiu impensáveis 900% do PIB. Reformas políticas se faziam prementes e a plataforma usada para reunir sugestões e contribuições foi justamente o Facebook. A nova Constituição islandesa é considerada a primeira experiência de crowd funding do mundo.

Além do mais, o temor em relação ao desconhecido e, especialmente, ao incontrolável não é novidade. A televisão foi acusada de promover o escapismo da realidade em massa; assim como a internet é acusada de promover a alienação das pessoas de suas vidas sociais normais; o telefone foi acusado de tornar as felicitações de aniversários mais frias, como ocorre com as mensagens enviadas por meio de aplicativos de bate-papo.

Enfim: no fundo no fundo, tudo como dantes no reino de Abrantes...    


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo” 


quarta-feira, 25 de outubro de 2017

FAB FOUR – DA CASA DA TIA MIMI AO ESTRELATO POP


Em 1963, no jornal britânico The Times, o crítico musical William Mann escreveu uma coluna que marcaria um divisor de águas na história da música. Comentando sobre os compositores de uma banda de rock iniciante, declarou “são os compositores ingleses mais extraordinários de 1963”. Mais à frente: a dupla tinha dado “um sabor divertido e singular a um gênero de música que estava correndo o risco de deixar de ser música.  

Mann era um crítico erudito, conhecia música profundamente: “pensam simultaneamente em harmonia e melodia, tal a firmeza com que a sétima e a nona maiores estão construídas em suas músicas”.

Ao comentar a canção “Not a Second Time”, Mann comentou que as mudanças de escala eram “tão naturais quanto a cadência eólica ao final”. Terminou comparando aquela música a “Das Lied Von der Erde”.

Ao comentar aquele episódio, John Lennon foi bem sincero: “Não entendi nada do que ele disse”. Ele achou até que “cadência eólica” era o nome de um passarinho.

De qualquer maneira era um epíteto em tanto para uma dupla que havia começado a ensaiar suas primeiras composições anos antes, no quarto de John na casa de sua tia Mimi, responsável por sua criação após a separação dos pais.

Foi lá inclusive que John Winston Lennon e seu amigo James Paul McCartney acordaram a maneira imortal como assinariam suas composições: Lennon & McCartney, assim mesmo, com o Lennon sempre à frente.
E também foi ali que nasceu a competição entre os dois jovens, que terminaria por fazer despontar dois dos maiores nomes da música no século XX. Frank Sinatra, declaradamente antipático ao rock, gravou “Yesterday” e “Something”. Sobre esta música dizia ser “a melhor música de amor dos últimos 50 anos”, para desespero do verdadeiro compositor, George Harrison. Dave Grohl, líder do Foo Fighters, afirmou que Kurt Cobain aprendeu a tocar guitarra ouvindo e tentando repetir os acordes dos Beatles. Ozzy Osbourne era fã de Paul McCartney, que inventou o Heavy Metal quando compôs Helter Skelter. Foi o estilo informal e simples dos primeiros anos da banda que inspiraram bandas como Ramones e o estilo punk.
Foi o sucesso dos Beatles que levou o empresário de outra banda, Rolling Stones, a obrigar Mick Jagger e Keith Richards a comporem suas próprias músicas.

Após o lançamento dos álbuns mais elaborados e psicodélicos – como Rubber Soul, Revolver e Sgt Pepper`s – novos fãs surgiram, como o poeta Allen Ginsberg e outras pessoas que buscavam música que fizessem pensar.

Com a música Tomorrow Never Knows, efeitos musicais em loop inauguraram uma fase vanguardista na música pop. Efeitos musicais estes dalavra de Lennon, mas precedido de muitos anos de experimentação por Paul.  

Começaram a usar os efeitos de estúdio como elemento de suas músicas antes mesmo da banda Pink Floyd. Inventaram até o videoclipe, ao criar filminhos que pudessem ser veiculados na mídia, evitando assim que tivessem que comparecer sempre a programas de TV. A tendência seguida por diversas bandas  de gravar álbuns ópera-rock, em que as músicas contam uma história, da primeira à última, foi iniciada com o álbum Sgt. Pepper`s.

Pode-se afirmar que foram eles que iniciaram as apresentações musicais em estádios, forma que acharam para conseguirem se apresentar para as multidões de fanáticos nos EUA: o primeiro deles ocorreu no Shea Stadium, em NY, em 1965. 55 mil pessoas compareceram ao concerto.

No que se refere a comportamento, deram início ao interesse do ocidente pelo oriente e as coisas da Índia. Também puseram o cabelo comprido na moda – embora hoje o cabelo de esfregão pareça um tanto comportado.

Finalmente, imortalizaram dois profissionais da música fundamentais na história da banda: o empresário Brian Epstein e o produtor musical George Martin.

Em 9 de fevereiro de 1964, o quarteto de Liverpool estava nos EUA, aguardando para entrar ao vivo no programa The Ed Sullivan Show. Foi quando receberam uma mensagem: “Parabéns pela presença de vocês no The Ed Sullivan Show. Esperamos que o seu compromisso tenha sucesso, e que sua visita (aos EUA) seja agradável” Quem assinava era Elvis Presley. George Harrison foi quem reagiu imediatamente: “Quem é esse Elvis?”

Evidentemente Lennon e McCartney sabiam de quem se tratava: era o cara que os fez se interessarem por fazer música.

Mais de 73 milhões de pessoas acompanharam a entrevista dos rapazes. A polícia testemunhou a queda vertiginosa nos índices de violência durante a entrevista mencionada.  

Após os primeiros passos na casa da tia Mimi, John Lennon formara uma banda de rock. Na verdade nem era rock. Tocavam o que se chamava de skiffle: um rock suavizado, que chocava menos os ingleses daquela época. O rock de verdade só era feito por músicos norte-americanos, quase todos negros – e que haviam traumatizado os mais velhos: Jerry Lee Lewis, casado com sua prima de 13 anos; Little Richard, negro e homossexual; Chuck Berry, preso com uma prostituta menor de idade; Gene Vicent, veterano nos acidentes de carro.

Paul era apenas um garoto bochechudo que tentava impressionar o band leader a deixá-lo tocar com os caras “mais velhos”. E impressionou! Lennon disse que percebeu que estava dando espaço a um cara quase tão bom quanto ele. O nome da bandinha era Quarrymen.

Lennon tinha muito em comum com aquele garoto canhoto que tocava habilmente com a mão direita: ambos perderam a mãe na adolescência; ambos foram criados por tias, após a perda de suas mães; ambos perderam os pais em 1976; ambos foram incentivados musicalmente por seus pais.

Mas o lar de Paul era infinitamente mais estável e descomplicado do que o de John, que viveu uma infância trágica. Após uma gravidez indesejada, a mãe e o pai se separam, inicia-se uma briga pela guarda da criança, que termina sendo adotada pela tia.

E foi essa diferença de criação nos primeiros anos que criou o contraste entre ambas as “personas”, que acompanhou toda a criação musical do grupo. Lennon, por exemplo, mostrava-se inseguro, muitas vezes ácido nos comentários, por vezes era irônico, quando não se aproximava da violência física. São dele a letra desesperada de “Help” e a quase-suicida “I`m a Loser”.

Paul era o “beatle” diplomático: polido, charmoso, otimista. Somente ele poderia ter escrito “Good Day Sunshine” e “We Can Work It Out”.

A partir da junção da melodia hipnotizante de Paul com as letras poeticamente delirantes de John nasceu a prolífica dupla de compositores que marcou o século – segundo muitos, os melhores desde Schubert.  

O primeiro single sob o nome Beatles foi lançado em outubro de 1962 e se chamava “Love Me Do” – com a clássica “P.S. I Love You” no lado B. Ambas foram compostas quase inteiramente por Paul, que também as cantava. O grupo chegou à 17ª posição entre as mais tocadas no Reino Unido.

Para o trabalho seguinte, o produtor George Martin foi apresentado a uma nova canção de Lennon: “Please Please Me”. Aceitou gravar e... Boom! Hit número 1 nas paradas! Os tempos de Cavern Club chegavam ao fim. Dizem que estavam tocando no Cavern quando foram informados de que chegaram ao primeiro lugar nas paradas. As pessoas nas primeiras fileiras começaram a chorar: agora os garotos de Liverpool eram do mundo.

George Martin então resolveu apostar num LP. Após uma sessão que durou insanas 12 horas, saiu o álbum que ficou conhecido como Please Please Me. Iniciava-se com “I Saw Her Standin There”, composição de Paul; e terminava com Twist And Shout, cover dos Isle Brother, gravado na voz de Lennon.

O LP foi lançado em março de 1963 e ficou no primeiro lugar das paradas por 30 semanas. E se acirrava ainda mais a concorrência entre os dois compositores para saber quem era o melhor.

Da primeira fase da banda, são os álbuns: Please Please Me, With The Beatles”, “A Hard Day`s Night”, “Beatles For Sale” e “Help!” Lennon foi o principal compositor em 27 músicas. Paul se sobressaiu em 17. Excluíram-se aqui as parcerias. Em “Hard Day`s...”, Lennon criou 10 faixas, enquanto Paul só o fez em três.  
São ainda de Lennon a faixa “A Dard Day`s...”, “Help!”, “Ticket To Ride”, “I Wanna Hold Your Hand”. Dentre os clássicos da primeira fase, Paul criou “Can`t Buy Me Love”.

Destaca-se nessa fase um dos maiores hits da carreira da banda: Yesterday. Composta por Paul, foi regravada por Sinatra, Plácido Domingo, Bob Dylan, Marvin Gaye, Ray Charles, Roupa Nova... Também rendeu problemas internos. Quando era tocada nos shows, todos os outros membros saíam do palco. Paul a interpretava sozinho ou acompanhado de um quarteto. Numa dessas ocasiões, Lennon retornou ao palco com uma frase irônica: “Obrigado, Ringo. Foi maravilhoso”. Lennon chegou a ser cumprimentado como uma vez por um músico que pensava ser ele o autor de Yesterday.

Por causa dessa música, em 1996 Paul protagonizaria um triste episódio, quando tentou inverter os créditos da música – pondo McCartney & Lennon -, 16 anos após a morte de John e mediante pedido de autorização à viúva, Yoko.

No período de 1965 a 1966, a banda atingiu um novo patamar de criação musical. São desses anos os álbuns Rubber Soul e Revolver. Lennon mantém a dianteira, mas agora com menor vantagem: compôs 12 faixas, contra 10 de Paul. Lennon compôs “Nowhere Man” e “In My Life” – sem falar em “Tomowwow Never Knows”. John experimentava aqui sua produção sob efeitos de LSD.

Paul produziu a obra-prima “Eleanor Rigby” – com arranjo de cordas de George Martin. Havia ainda da lavra de Paul: “For No One” e “Here There and Everywhere”.

No quesito drogas, Paul cantou seu amor pela cannabis em “Got to Get You into My Life”.

A revolucionário álbum Sgt. Pepper`s Lonely Hearts Club Band marcou também o momento em que o workaholic Paul ultrapassa a produção musical de John. Totalmente idealizado por Paul, trazia uma obra de Lennon: “A Day in the Life”, que se tornaria emblemática. O disco ficou 15 semanas em primeiro lugar na Billboard. Lançado numa quinta-feira, já no domingo eles assistiram a um show de Hendrix, em que o lendário guitarrista fazia um cover da primeira faixa recém-lançada.

Foram oito faixas de Paul contra quatro de Lennon. O álbum seguinte, Magical Mystery Tour manteve Paul à frente: 5 x 4.

Lennon declarou na época, sobre a produção incessante de Paul: “Ele já tinha cinco ou seis músicas, então eu pensei: foda-se, não consigo acompanhar esse ritmo”.

Eram agora os gênios do pop. Se dez anos antes Paul era o gordinho querendo uma vaga no Quarrymen, agora ele tomava o comando da nave-mãe Beatles.

Dentre os motivos apontados para a decaída da produção de John Lennon, citam-se seu relacionamento com Yoko Ono e o fato de ter trocado o LSD pela heroína. Quando perguntado se Ringo era o melhor baterista do rock, o magoado Lennon respondeu: “Ringo não é nem o melhor baterista entre os Beatles”. Quanto a suas opiniões sarcásticas sobre Paul, Lennon as expressou em sua carreira solo, na faixa “How do You Sleep?”: “a única coisa que você fez foi Yesterday”, dentre outros desaforos.

O final da carreira do grupo foi marcado pelos álbuns “Álbum Branco” (na verdade sem título) e Abbey Road. Aqui, o equilíbrio entre os compositores foi retomado. Foram 24 produções de Paul contra 22 de John. Foi marcado também por desentendimentos, que de tão perturbadores levaram Ringo Starr a largar a gravação – Paul foi baterista em duas faixas.

Quanto ao conturbado relacionamento com Yoko, parece que não afetou tanto o músico: ele compôs clássicos como “Revolution”, “Across the Universe” e “Come Together”. Paul não ficou para trás, assinando “Lei It Be”, “The Long and Winding Road”, “Get Back” e “Hey Jude”.   

Terminada a banda, Paul se tornou uma espécie de hipster-milionário. Foi morar numa fazenda na Escócia, construiu um solar com um buraco no meio, passava o dia inteiro fumando maconha e produzindo faixas com os músicos que contratou. Ele e Linda tiraram as crianças da escola e passaram a educá-las em casa.

A primeira turnê da banda foi uma aventura: puseram todos os equipamentos e tralhas da família numa van e se dirigiam se cidade em cidade. Quando achavam uma universidade, perguntavam se eles queriam um “showzinho” de Paul McCartney.  

Algumas décadas após, McCartney se tornou o primeiro músico a faturar mais de 1 bilhão de dólares ao longo da carreira.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo” 

terça-feira, 24 de outubro de 2017

O ALEMÃO ARIANO COM RAIVA (THE ANGRY WHITE GERMAN)


Desde a derrubada do Império Romano até o final do Sacro Império Romano-Germânico, os judeus na região da Alemanha não souberam o que era igualdade de direitos. Tratados como “povo inferior”, estavam condenados a receber salários inferiores, não poderiam adquirir casas de alto padrão, ou jóias, ou roupas caras... Ser patrão de algum alemão? Nem pensar!

Até então, os judeus eram odiados em razão do mito bíblico de que foram eles os culpados pela morte de Jesus Cristo. No Novo Testamento, no Evangelho de João, os judeus são chamados de “filhos do Diabo”. Mateus escreveu o trecho do julgamento de Cristo em que Pilatos pergunta quem deveria libertar naquele domingo de Páscoa, ao que os judeus responderam em uníssono: Barrabás! E o criminoso foi liberto, em lugar do Salvador...

Quando, no século IV, Constantino adotou o cristianismo como religião do Império, o cristianismo descolou de vez do judaísmo e o antissemitismo atingir patamares superiores de virulência.

Ainda no século IV, o arcebispo de Constantinopla, João Crisóstomo, um dos pais fundadores da Igreja, reforçou os motivos do ódio: dizia que um sapateiro em Jerusalém, quando da procissão em que Cristo carregava cruz, teria xingado e ironizado Jesus, ao que recebeu uma maldição como resposta, segundo a qual estaria condenado a vagar pelo mundo, eternamente errante. Crisóstomo sustentava ainda que as sinagogas eram casa do demônio. Crisóstomo foi beatificado pela Igreja.

Mas nenhum antissemita superaria Martinho Lutero. Em sua obra “Dos Judeus e seus Mentiras”, Lutero chega a dizer que os judeus estariam cheios de fezes do diabo, e chafurdariam nessas fezes como porcos. Em outra passagem, escreveu: “Se Moisés fosse vivo, seria o primeiro a incendiar as escolas judaicas. Não só as escolas, suas casas também deveriam ser destruídas...”. Acrescentou: “Os judeus deveriam ser reunidos sob o mesmo teto, como numa estrebaria”.

Não à toa, Hitler considerava Lutero um dos três maiores nomes da Alemanha, na história. O redator do jornal nazista também se defendeu em Nuremberg, dizendo que nada do escrevera foi diferente do que Lutero dissera no passado. E a exemplo de Lutero, esse mesmo redator escreveu obras infantis, em que pretendia cultivar o ódio aos judeus desde a mais tenra idade.

Na Idade Média, foram considerados culpados pela Peste Negra, frequentemente eram enviados às fogueiras da Inquisição, normalmente eram desenhados com chifres e rabos, eram acusados de fazerem rituais em que sacrificavam criancinhas, eram acusados de envenenar poços d`água.

Conspirações secretas também faziam parte do rol de maldades debitadas aos judeus. Não à toa a fraude literária chamada Os Protocolos dos Sábios de Sião – traduzido para o português pelo intelectual e antissemita Gustavo Barroso - fez tanto sucesso.

Pois bem. Em 1806, no contexto das Guerras Napoleônicas, chegava ao fim, após mil anos, o Reich Romano-Germânico. Tratava-se de uma herança viva da Europa medieval: camponeses, artesãos, arraigados a uma fé inabalável. O nascimento da Alemanha moderna e vibrante viria com a adoção de leis modernas e de uma economia industrial. A emancipação dos judeus era um caminho natural – como o foi o fim da escravidão em muitas partes do mundo. Agora o Estado incentivava o empreendedorismo e a concorrência, sem distinções: todos poderiam correr atrás de seu sonho.

O tempo mostrou que ninguém aproveitaria melhor a oportunidade do que os judeus. Se os cristãos se mostraram meros camponeses ignorantes sem qualquer noção de livre iniciativa e de entendimento do funcionamento dos mercados, os judeus se saíram bem melhor.

Entre 1810 e 1870, os judeus deixaram o status de “povo inferior” e passaram a ser tratados como cidadãos de sucesso. Em 1866, a inauguração da nova Sinagoga de Berlim contou com a presença do chanceler Otto Von Bismarck.

O motor de todo esse progresso dos judeus foi a educação. Como bem testemunhou um antissemita chamado Adolf Stoecker: “Mesmo os judeus pobres sacrificam tudo o que têm para dar aos seus filhos uma boa educação”. O peso deles no ensino superior assombrava os alemães: em 1869, eram quase 15% dos alunos pré-universitários, quando os judeus representavam apenas 4% da população.

Em 1867, esses meros 4% representavam quase 30% dos pais que contratavam professores particulares para os filhos.

Os judeus eram agora jornalistas, empresários, banqueiros, advogados, engenheiros... A inveja era um sentimento, de fato, inevitável.

Em 1895, metade da força de trabalho judia era proprietária de seu negócio. Ou seja, o patrão judeu era um fantasma bastante presente. Às vésperas da I Guerra Mundial, os judeus recebiam em média 5 vezes mais do que o restante da população.

Embora os ataques antissemitas nunca tivesse desaparecido da sociedade alemã, mesmo após a emancipação dos judeus – o grande compositor Richard Wagner foi um famoso antissemita -, o tempo mostraria que o clima ficaria bem mais tenso. Muitos repetiam que os judeus estavam monopolizando a produção de cervejas para tornar o mundo alcoólatra.

Um passo em direção ao holocausto foi dado pelo inglês Francis Galton, primo de Charles Darwin. Ele defendia a idéia da seleção artificial das espécies como caminho para o aprimoramento do homem: a eugenia nascia como uma sentença de morte para quem não tivesse a sorte de nascer com as características consideradas desejáveis.

Teorias científicas (altamente questionadas na época, diga-se) em mãos e uma sociedade relativamente permeável a idéias racistas à disposição, o passo seguinte foi dado em 1927, com a fundação do Instituto Kaiser Wilhelm de Antropolgia, Hereditariedadee e Eugenia. Seu diretor foi promovido a reitor da Universidade de Berlim por Hitler, após fixar “estudos” que comprovavam a depreciação da “raça” após “cruzamentos intergenéticos”.  

Tais “estudos” embasaram a legislação que impedia a miscigenação entre “arianos” e a população em geral. Chamavam isso de eugenia negativa. Em 1934, mais de 350 mil alemães foram esterilizados – homens e mulheres. Entre 1940 e 1941, mais de 70 mil foram assassinados por serem portadores de deficiências físicas ou mentais.

Em 1941, dois estatísticos calcularam em mais de 1,6 milhão os alemães que deveriam ser alienados da sociedade. Não deveriam pôr em risco a “pureza” dos arianos.

Os alemães a serem eliminados eram chamados de “bolcheviques biológicos”. Pessoas que praticassem sexo com alguém de outra etnia, mulheres que tivessem feito aborto, ninfomaníacas, viciados em drogas, alcoólatras e prostitutas era, chamados “traidores do Estado”. Na verdade, ser portador de lábios leporianos ou de pés tortos já era requisito para a esterilização.

Mas os alvos preferenciais foram mesmo os judeus. De acordo com o próprio Eugen Fischer: “O mundo pensa que estamos combatendo os judeus só para nos livrar de uma concorrência financeira e intelectual. Ao contrário, nossa luta é para salvar a raça que criou o espírito germânico e limpá-la dos elementos estrangeiros e racialmente discrepantes, que ameaçam desviar nosso desenvolvimento espiritual para outras direções.” Ou seja, o motivo científico suplantou os motivos religiosos e políticos de sempre. Mesmo um pobre, ignorante e antissemita alemão poderia agora emanar as “razões” científicas para se sentir “superior” a um judeu mais rico ou mais bem instruído do que ele.

O passo seguinte foi exigir o protecionismo econômico contra a concorrência judia. Desde 1880 se multiplicavam associações com esse fito: proteger a maioria cristã. Quando o Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães surgiu, toda essa demanda social se tornou programa de governo.

Em 1933, a Lei para Restauração do Serviço Civil Profissional tirou os judeus do serviço público. Em 1937, outra lei permitia a expropriação de bens e propriedades de judeus, a título de indenização pelos danos que os judeus causaram ao Império Alemão. Em 1938, os judeus foram condenados coletivamente a indenizar os alemães em 1 bilhão de marcos.

Quando os judeus passaram a ser expulsos de suas casas e enviados a imóveis coletivos em bairros periféricos murados (guetos), os imóveis eram oferecidos no mercado a preços cada dia mais decrescentes (devido à oferta crescente): não foi difícil colher a simpatia de quem não corria o mesmo risco. Afinal, casas de luxo já mobiliadas a um preço atrativo...

O mesmo fenômeno ocorria com os empregos: demissão em massa de professores universitários judeus levava à contratação de “arianos” para o lugar – e ainda deixava o governo feliz. Ou seja, alemães bastante incompetentes passaram a ser agraciados com bons empregos.

Comerciantes não-judeus comemoravam quando seu concorrente judeu era expulso da atividade. Empresários ganhavam a carteira de clientes do antigo concorrente. Em 1935, dos 915 bancos alemães, 345 eram de judeus. Em 1939, eram todos propriedades de “arianos”.

Mas alguns capítulos dessa história se mostraram bem interessantes. Era comum que organizações (privadas ou públicas), após a ascensão nazista, expulsassem seus membros judeus e contratassem outros não-judeus para o lugar. Politicamente essa atitude granjeava simpatia do partido Nazista. Mas o clube de futebol Bayern de Munique protagonizou uma história bem diferente.

O clube ascendeu muito na década de 1920 e, em 1932, sagrou-se campeão alemão – com um técnico judeu. Em 1933, o ministro da educação deu uma data limite, após a qual eram proibidos judeus em clubes de futebol. Todos os clubes se anteciparam à medida – exceto o Bayern de Munique, que manteve seus judeus até que o prazo expirasse.

O presidente do clube, o judeu Kurt Landauer, não foi demitido e teve de ser preso por resistência ao regime. Foi depois enviado ao campo de concentração de Dachau. Liberado em 1939 por ter servido ao exército alemão, fugiu para a Suíça, de onde continuou a comandar o clube. O Bayern se recusou até mesmo a tirar o nome do presidente das publicações do clube.

Em 1943, em meio a uma série de amistosos na Suíça, o presidente foi assistir a uma das partidas das arquibancadas. Os jogadores do Bayern então se aproximaram das grades e aplaudiram seu presidente. O episódio renderia ameaças da Gestapo.

Em represália, o regime passou a dar todo o apoio possível ao concorrente do Bayern, o 1860 Munchen. Já o time de Landauer virou o “time judeu”. Seu status afastou até mesmo investidores. Na lona, teve de se desfazer de todos os atletas. O título de 32 esperaria quase 3 décadas para ser repetido.

Após a guerra Landauer voltou à presidência e é ainda o dirigente a mais tempo na presidência do clube. Morreu em 1961, pouco antes de voltar a ser consagrado campeão alemão de novo.

Quanto aos judeus vítimas daqueles anos terríveis, os milhares de sobreviventes ficaram residindo em Campos de Deslocados (os antigos campos de concentração) até que se pudesse saber o que fazer com aquelas pessoas destituídas de tudo o que tinham na vida. Na Polônia ocorreram massacres de judeus que tentavam recuperar suas casas à força.

Antes da II Guerra, havia mais de 500 mil judeus na Alemanha. Ao fim, calculava-se em mais de 250 mil os judeus “em trânsito”, isto é, saídos dos campos de concentração, de esconderijos.

Até 1952 ainda existiam Campos de Deslocados em funcionamento.  


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo” 


ELAS E O PÊNIS; ELES E O ÚTERO?


Em 1905, o pai da psicanálise, Sigmund Freud, publicou o seu polêmico “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”. Nele, Freud analisa o desenvolvimento psicossexual na infância.

Os estudos que Freud apresentou nessa obra chocaram multidões, como o onanismo lactante - ou masturbação no período de gravidez. Também demonstrou que crianças que se sentiam estimuladas por toques na regiões do ânus tendiam a segurar as fezes por mais tempo, para terem prazer quando da passagem pela mucosa anal.    

Também é nesse livro que Freud desenvolve o conceito de “inveja do pênis”. Ele inicia argumentando que, na infância, meninos e meninas acreditam que têm pênis. Com o tempo, quando o clitóris se torna diminuto em relação ao pênis, surge a inveja do irmãozinho – e uma vontade contida de ser menino.

Freud achava que algumas das neuroses femininas tinham essa sensação como raiz. Mas muitos contra- argumentavam, acusando-o de machismo.

As primeiras feministas conformaram o grupo de resistência contra a teoria freudiana. A alemã Karen Horney via uma inveja no sentido oposto ao apontado por Freud. Ela argumentava que todo o desejo de realização que acomete os homens tem como raiz a inveja do útero feminino: a impossibilidade de dar à luz explicaria até a depreciação do papel da mulher pelo homem.

O psicanalista holandês Hendrik Ruitenbeek foi mais longe. Disse que o homem sofre também com inveja da vagina, nutre desejo por parir, por urinar como uma mulher e até de se masturbar à maneira feminina. Essa seria a origem da misoginia. Ruitenmbeek foi o primeiro defensor da extensão de todos os direitos a homossexuais.

Bom, mas haveria uma inveja que independesse do sexo? Sim, a inveja do seio. Ao estudar o comportamento agressivo de bebês em idade de amamentação contra os seios maternos, que os alimentam, a austríaca Melanie Klein concluiu que o fato de não terem o seio no exato momento em que têm fome leva à raiva contra aquilo que as mães têm, mas que não “querem” compartilhar.

Complicado, né?


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo” 


CARLOS CHAGAS: PORQUE O SUCESSO QUE OFENDE...


Em 1908, a minúscula cidade de Lassance, a 270 quilômetros de Belo Horizonte, foi epicentro de uma descoberta com impactos internacionais. Às voltas com a construção de uma malha ferroviária que acabara de alcançar a região, chamou a atenção de um dos engenheiros a praga de um inseto conhecido como “barbeiro” que assolava a região.

O tal inseto, Triatoma infestans, é uma espécie de percevejo que se alimenta de sangue e se esconde sob os pelos do rosto da vítima – daí o nome.

Funcionário do Instituto Carlos Cruz, no Rio de Janeiro, Carlos Chagas foi enviado à região, pois havia relatos de que as pessoas estavam ficando doentes – com diversos óbitos -, apresentado sintomas como: taquicardia, insuficiência cardíaca, febre, inchaços pelo corpo e muito mais. Eram tantos os doentes que a construção da estrada de ferro norte-sul estava paralisada.

Tendo duas pistas – pessoas doentes e infestação de barbeiros -, o médico ligou os pontos e passou a investigar o inseto. Descobriu que ele defeca no local em que pica a vítima. Passou a investigar os hábitos alimentares do bichinho: apontou o microscópio para as tripas do barbeiro e percebeu em seu interior tripanossomas: um tipo de parasita inédito até então.

Chagas então enviou amostras do tal tripanossoma ao laboratório de Manguinhos. Infectaram um macaco com o parasita e o mesmo ficou doente. Passo seguinte, investigou o sangue dos contaminados e encontrou o mesmo parasita lá inoculado. Eureka!

Chagas batizou o parasita descoberto de Trypanossoma cruzi – em homenagem a seu mestre, Oswaldo Cruz. Impressionou a todos também a amplitude da descoberta: Chagas descreveu o parasita, o vetor, a síndrome, como ocorre o contágio... pacote completo! A Doença de Chagas estava agora dominada.  
E Chagas foi logo reconhecido: Uruguai e El Salvador diagnosticaram a doença em, seus territórios; na Alemanha, recebeu o prêmio Schaudinn de protozoologia. Pensou-se logo: por que não um Nobel?

Um professor da Universidade Federal da Bahia, em 1913, conseguiu incluir o nome de Chagas entre os indicados. Mas o vencedor naquele ano foi o francês Charles Richet, que fez progressos importantes estudando choques anafiláticos.

A decepção não foi muito impactante. Chagas ainda era relativamente desconhecido internacionalmente, a doença de Chaga só tinha forte repercussão no Brasil e em alguns vizinhos. Mas a carreira do médico estava apenas no início.

Após a morte de Oswaldo Cruz em 1917, Carlos Chagas foi nomeado presidente do Instituto Oswaldo Cruz. Três anos mais tarde se tornou o primeiro diretor do Departamento Nacional de Saúde Pública – um equivalente ao ministro da Saúde à época.

Em 1921, Chagas se tornou o primeiro brasileiro laureado com o título de doutor honoris causa pela Universidade de Harvard. Bom, agora o Prêmio Nobel ficava mais factível.

Seguiram-se diversas viagens à Europa, conferências, mais prêmios, firmou um intercâmbio com os EUA no âmbito das reformas sanitárias... Foi inclusive anfitrião de Albert Einstein quando este esteve no Brasil.

Em 1921 veio mais uma indicação... Mas não deu de novo. O Brasil continuava sem ser agraciado com o prêmio que fora concedido à Argentina por quatro vezes, ao Chile por duas, ao Peru e à Colômbia uma vez.
Não demorou para surgirem teorias as mais diversas e escabrosas sobre os motivos que levaram os jurados suecos a nutrirem tão profundo ódio pelo Brasil e pelas descobertas fantásticas e soberbas dos muitos gênios que aqui nasceram... Mas talvez a verdade seja mais mesquinha e decepcionante. E, claro, é bem mais crível.

Pesquisas apontam para o surgimento de um grupo de “antichagas” na comunidade médica brasileira: tamanha vitória de um compatriota deveria ser devidamente combatida pelos demais. Nada que Tom Jobim não tivesse percebido posteriormente – “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal”.

Um dos maiores invejosos chamava-se Afrânio Peixoto – médico, escritor e político. Preterido na nomeação para dirigir o Departamento de Saúde Pública, tornou-se logo um dos maiores detratores do médico.

Em 1922, Afrânio e asseclas chegaram ao cúmulo de rediscutir a descoberta de Chagas, pondo em dúvida seus feitos – questionaram até sobre a real existência dos doentes! Falaram também que a descoberta do médico afetava a imagem internacional do país...

Chagas tomou a única decisão que lhe cabia: pediu que uma comissão reavaliasse seu trabalho e investigasse 40 doentes de Lassance. Após um ano de exaustivos trabalhos, a comissão deu seu veredicto: “a descoberta dessa tripanossomíase representa um fato do mais alto alcance científico”.

Para alívio de Chagas, provavelmente ainda chocado com a atitude de alguns de seus pares, recebeu ele uma carta assinada pelo Presidente da República na época, Epitácio Pessoa, onde se lia em certo trecho: “A mediocridade não perdoa o talento, como a treva não perdoa a luz”.       

Mas os ataques dos invejosos não arrefeceram. A Doença de Chagas foi relegada ao esquecimento, foi retirada dos currículos médicos, não mais se falava ou pesquisava sobre a doença.

Segundo um historiador argentino: “Em 1921, Chagas estava indicado para o Prêmio Nobel de Medicina, mas, quando tudo sugeria que fosse outorgado, influências inconfessáveis se impuseram. O instituto sueco havia se dirigido a organismos científicos do Brasil, coletando dados sobre a sua personalidade, sua obra, mas alguns de seus próprios compatriotas o desaconselharam”.

Além de Chagas, o Brasil teve outros nomes que se incluíram na categoria dos “quase-vencedores”. Em 1935, o japonês Hideki Yukawa previu a existência de uma partícula subatômica chamada Méson Pi – recebeu o Nobel em 1949 por essa descoberta. Na década de 1940, o físico César Lattes escreveu o artigo que trazia a comprovação da existência dessa partícula. E essa descoberta, de fato, rendeu o Nobel... ao chefe da equipe da qual Lattes fazia parte: o inglês Cecil Powell.

Em 1947, um consultor do Nobel, o sueco Artur Lundkvist, ficou profundamente tocado pelas obras do poeta brasileiro Jorge de Lima. Embora houvesse uma enormidade de nomes concorrendo, conseguiu convencer seu pares na Academia Sueca a concederem o Nobel de Literatura ao brasileiro, em 1958. Mas Lima faleceu em 1953, e o Prêmio não pode ser concedido postumamente...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo” 


segunda-feira, 23 de outubro de 2017

MICHELANGELO, A INVEJA E A GLÓRIA


No início, havia uma representação singela de um céu estrelado. Após, um afresco de 1.100 metros quadrados, pintado por um só homem, dependurado em andaimes a 16 metros do chão (um prédio de 5 andares), deitado lá em cima, trabalhando com tinta pingando em seus olhos, tudo supervisionado pelo cliente, que era ninguém menos que o cara mais poderoso da época: o Papa!

Assim o gênio renascentista Michelangelo Buonarroti se desincumbiu de um de seus maiores desafios - e feitos: a pintura do teto da Capela Sistina, ao lado da Basílica de São Pedro. Sua vingança é comemorada até hoje: 5 milhões de turistas com torcicolo, todos os anos, após passarem horas a admirar aquela obra monumental.

Quando convocou o escultor para a obra, o papa Júlio II ouviu um sonoro “Nem penar!” como resposta. A resposta foi arriscada: o gênio pensou até em fugir para Constantinopla.

Foi a segunda encomenda daquele papa ao artista. Anos antes, Michelangelo havia recebido a tarefa de construir o mausoléu do papa. Michelangelo teve de fazer várias viagens a Carrara, para pesquisar o mármore mais famoso do mundo, mas a obra terminou sendo cancelada.

Por trás do cancelamento do mausoléu e da encomenda de uma obra sobre-humana, Michelangelo enxergava uma trama elaborada por Bramante, arquiteto responsável por projetar a Basílica de São Pedro.

Embora fosse escultor – já havia se notabilizado com a Pietà e a estátua de Davi -, Michelangelo topou o desafio, cumpriu-o com perfeição e foi regiamente remunerado pelo feito hercúleo.  

Quiçá tenha até matado um arquiteto de inveja...


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo” 



GAME OF THORNES X GÊNESIS – A VIOLÊNCIA CONTAGIA?


Em junho de 2014, o pastor batista John Pipe recebeu mais uma das tantas mensagens de aconselhamento espiritual que recebia diariamente: “Pastor, o que o senhor diria a um cristão que assiste ao programa de TV a cabo Game of Thrones?” Seria adequado a um cristão assistir a tantas cenas de nudez e sexo?

John Pipe recebeu um sem número de mensagens como essa. Elaborou até um manual chamado “12 perguntas para se fazer antes de assistir a Game of Thrones”. O primeiro de seus conselhos elencados na obra diz que assistir à série equivale a pôr Cristo de volta na cruz.

Seus mais de 700 mil seguidores no Twitter se sentem encantados com seu conservadorismo desvairado. Foi ele quem culpou uma Conferência sobre homossexualidade pela chegada de um tornado. Também defende veementemente que a mulher deve se submeter à liderança natural do marido; e que o lugar da mulher é na cozinha.

Pois bem. Caso algum fiel seguidor do tresloucado religioso perguntasse se seria adequado a seu filho ler o Gênesis, o que se poderia esperar do impacto das histórias lá perfiladas sobre uma personalidade ainda em formação?

O Gênesis trata da história de Ló, sobrinho de Abraão. Ao tentar espiar a destruição das cidades de Sodoma e Gomorra, sua esposa vira uma estátua de sal. Com pena do pai, que acabara de perder a esposa se que tivesse um filho homem, suas duas filhas o embebedam, fazem sexo com o pai e ficam grávidas, ambas, de meninos. À descrição do incesto, somam-se prostituição, estupro.

A masturbação é tratada na passagem de Onã: condenado a transar com a cunhada, com o fito de engravidar a viúva do irmão e assim garantir a sequência da linhagem, Onã se desvia do objetivo ao jogar sêmen no chão. Essa é a base do pecado da masturbação.

A própria entrega de Jesus aos Romanos, de certa forma, trata do pecado da inveja. Também foi a inveja quem levou Eva a provar do fruto proibido e alcançar a sabedoria divina. Caim, filho mais velho de Eva, também incorre no mesmo pecado da mãe, que terminou por amaldiçoar a todos por todo o sempre.

Caim inveja o irmão, cujas oferendas a Deus, ovelhas, agradam-no mais do que suas ofertas, frutos da terra. Por isso Caim atrai e mata Abel.

Absalão, filho do rei Davi, mata o irmão Amnom, movido pelo ódio por ter este irmão estuprado a irmã deles. Abimaleque se torna rei após matar seus 70 irmãos. Jacó obriga seu irmão Esaú a lhe vender o título de primogênito, explorando assim a fome por que passava o irmão.

E foi dessa passagem que surgiu a história mais vibrante sobre dramas e traições familiares, que se encontra logo no primeiro livro da Bíblia. José era bisneto de Abraão, mas seu nascimento foi precedido de uma tortuosa luta contra a infertilidade. Sua mãe, Raquel, somente engravidou após seu marido, Jacó, ter tido 11 filhos com outras mulheres: teve sete filhos com Lia, irmã de Raquel; teve outros dois com sua serva; e mais dois com a serva de Raquel. Até que, finalmente, Raquel engravida e dá à luz José.

Jacó, apesar dos outros 11 filhos, amava mesmo era Raquel e José, o caçula, passa a ser o filho mais amado pelo pai. Evidentemente essa situação desperta ódio em seus irmãos. Jacó presenteia-o com uma bela túnica colorida e o encarrega de vigiar os irmãos. José relata ainda que tivera um sonho, em que seus irmãos o reverenciavam. É o suficiente para que se unissem e dessem um fim na vida de José.

O filho mais velho, Ruben, não permite que José seja assassinado e alteram o plano: José seria vendido como escravo. Sujam sua túnica com sangue de cabrito, dizem ao pai que o menino havia sido atacado por feras e o vendem como escravo a negociantes a caminho do Egito.

Depois de se meter em diversas enrascadas, José. No cativeiro, interpreta sonhos de outros prisioneiros e acerta todas as previsões. Termina por ser levado à presença do faraó, que também tem seus sonhos desvendados: as imagens que atabalhoavam seus sonhos representavam sete anos de fome que se avizinhavam. Devido à antecipação, o Egito estoca alimentos e consegue passar pelo período de fome sem muitos percalços. José é premiado com o cargo de principal governante do Egito.

Como a fome atingiu a todos, exceto ao Egito, o país passa a ser destino de diversas caravanas, em busca de trigo. Uma dessas caravanas é da família de Jacó – seus irmãos deveriam buscar alimento para levar à casa.             

José reconhece os irmãos, mas não é reconhecido. Começa o diálogo pondo-lhes medo, acusando-os de serem espiões, mas ao fim manda organizar um banquete e revela sua identidade. E ainda houve tempo para mais a realização de uma outra previsão: José exige ser reverenciado por seus irmãos, encenando assim a interpretação do sonho que tivera na juventude, que encetou o ódio de seus irmãos.

E José, então, perdoa seus irmãos.

Uma outra história medonha do Livro Sagrado conta sobre um monstro marinho chamado Leviatã: ele representa o caos primitivo. É descrito no Livro de Jó. Com o tempo, passou a representar o pecado da inveja.

Já o Testamento de Salomão, obra apócrifa, conta quando o rei Davi usou um anel presenteado pelo arcanjo Gabriel para capturar Belzebu, o mais importante dos demônios. Com esse feito, Davi pôs todos os demônios do inferno para trabalharem na construção do Templo de Jerusalém, como escravos.

Em 1589, o bispo alemão Peter Binsfeld – autor de A Confissão de Warlocks e Bruxas - elabora uma relação entre demônios e cada pecado que representa: Leviatã e inveja; Asmodeus e luxúria; gula e Belzebu; ganância e Mammon; preguiça e Belphegor; ira e Azazel; orgulho e Lúcifer.
   

Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Inveja: Como ela mudou a história do mundo”