Acuado pela oposição, a cada dia mais forte e em maior
número, e ao mesmo tempo pressionado por sua base, aguerrida e desejosa de
reformas decisivas, Jango resolveu partir para a ofensiva.
Pretendendo lutar pela aprovação das reformas de base,
decidiu-se por realizar uma série de comícios em todo o país. O primeiro seria
no Rio, enquanto o último foi simbolicamente marcado para o dia 1º de maio, em
São Paulo. Decidiu-se também por fazer passar tudo o que pudesse ser veiculado
por meio de Decretos.
Daquela série de comícios, apenas o primeiro e único foi
realizado, no dia 13 de março de 1964. Reuniram-se todas as esquerdas, num
total de 350 mil pessoas. Defendiam o programa de reformas de base, celebravam
os decretos recentes que expropriavam pequenas refinarias particulares, que
delineavam os rumos da reforma agrária (no caso, por meio de desapropriações de
faixas de terra improdutivas que se estendiam ao longo de eixos
rodoferroviários).
A reação foi instantânea. Em São Paulo, no dia 19, menos de
uma semana depois, ocorreu a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. A
resposta da direita reuniu mais de 500 mil pessoas. Após, diversas outras
manifestações como essas ocorreram por todo o país.
No meio desse caldeirão em fervura, Jango aproveitou o
feriado da Semana Santa e foi pescar, numa de suas fazendas, no Rio Grande do
Sul. Certamente os apoiadores do governo e de suas reformas não aparentavam ter
noção da tempestade que se armava.
Por fim, o fósforo foi aceso. A Associação dos Marinheiro e
Fuzileiros Navais do Brasil (AMFNB) se reuniu na sede do Sindicato dos
Metalúrgicos do Rio de Janeiro, contra as ordens do Ministro da Marinha. Como
convidado de honra, foi convidado João Cândido, o “almirante negro” que
comandou a Revolta da Armada, em 1910. Uma reunião à Encouraçado Potenkim de
pessoas vistas como comunistas... era demais.
A luta política ganhou contornos dramáticos com a quebra da
hierarquia no âmbito das forças armadas.
A gota d`água ocorreu no Automóvel Cube do Rio de Janeiro.
Discursos de sublevados subalternos das Forças Armadas conseguiram fazer se
unirem contra si quase todas as forças do espectro político. Faltava agora
apenas algum “cachorro louco” puxar os demais em direção ao golpe. E esse
alguém tinha nome e era bastante conhecido desde a década de 1930, quando deu
início a uma tentativa fracassada de golpe conhecida como Plano Cohen: general
Olímpio Mourão, que respondia por Minas Gerais.
Jango, então, respondeu com um ensaio de fuga. A partir de
Brasília, partiu para Porto Alegre e, finalmente, Montevidéu. Provavelmente
antevendo uma guerra civil que de maneira alguma desejava, temeroso da
radicalização a que a direita poderia levar o cenário político, abandonado pelo
Estado armado (Forças Armadas), preferiu abandonar as trincheiras no seu país e
procurou abrigo no Uruguai. Com raríssimas
e irrelevantes exceções, as esquerdas se calaram, parvas.
Quanto às direitas, realizaram outra Marcha da Família,
agora no Rio de Janiro, na qual se reuniram centenas de milhares de pessoas, em
comemoração ao golpe recentemente desferido na democracia brasileira.
Situação essa que se manteria pelos mais de vinte anos
seguintes...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”
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