Justiniano I de Bizâncio foi provavelmente o governante que
realizou a passagem entre o mundo antigo e o período medieval na Europa. Ele
chegou ao poder em 527 d.C.
Chegando ao poder, reconquistou as terras romanas na Europa,
que haviam sido perdidas para os Vândalos e Ostrogodos. Modernizou a
administração dos novos territórios trocando aristocratas por conselheiros
independentes.
Estabilizado o novo território, Justiniano reescreveu o
corpo jurídico romano ao promulgar o Corpus Juris Civilis. Ainda no início de
seu reinado, Justiniano solicitou que Triboniano, seu especialista jurídico,
que reunisse comentários sobre os textos jurídicos e as leis do sistema legal romano
em um único texto que reuniria a força das leis. Foi escrito em latim e ainda é
base para o sistema legal de diversos países.
Mas o legado mais duradouro deixado por Justiniano não se
deve às suas inovações legais nem a seu brilhantismo militar. Deve-se sobretudo
a uma pulga, que serve de vetor a uma praga arrasadora: a peste bubônica. A
formação da Europa moderna deve muito às trágicas passagens dessa peste por seu
território. A primeira delas ocorreu sob Justiniano.
A primeira epidemia de peste bubônica devastou o
Mediterrâneo, fazendo declinar a força de trabalho. A menor oferta de
trabalhadores fez com que seus salários se elevassem e aumentasse a mobilidade
dos mesmos. Mais de 100 milhões foram vitimados.
Interessante notar que a grande epidemia de peste negra, no
século XIV, tão lembrada como limiar entre a Idade Média e o Mundo Moderno,
levou a transformações políticas e econômicas de igual relevância. A razão foi
a mesma: com a mortalidade de quase 40% da população em pouquíssimo intervalo
temporal, os trabalhadores sobreviventes puderam exigir o fim da servidão,
aumentos de salários e até mesmo escolher qual para quem desejavam trabalhar.
Esse fenômeno ocorreu tanto no campo quanto nos serviços militares.
Justiniano sobreviveu, sorte essa com que contou menos da
metade da população do império bizantino. A produção agrícola entrou em
colapso, colocando abaixo a rica economia do império, ainda instensiva em mão
de obra. Os militares debandaram com a fome. Marinheiros não mais tinham
produtos para comercializar em outras paragens. A saída encontrada está
descrita mais à frente.
A Haguia Sophia, a grande igreja de Constantinopla, é uma
das maravilhas do mundo. O caos deixado pelo declínio do império tornou-se
incumbador de nações como França e Espanha. A praga causou redução
significativa da força de trabalho e incentivou melhorias tecnológicas que
aumentaram a produtividade no campo e pôs a Europa na trilha para que se
tornasse o continente mais rico do mundo.
Justiniano também sonhava restaurar o Império Romano por
meio de campanhas militares de reconquista no Oeste da África, Itália e
Espanha.
Outra característica marcante de Justiniano era seu
inigualável olho para identificar talentos. Ele nomeou Flavius Belisarius como
general, e este conseguiu reconquistar a maior parte do Império Romano do
Ocidente já no século sexto, ainda que contasse com um exército dez vezes menor
que o dos Godos.
No entanto, Justiniano sabia que o sucesso de Flavius punha
em risco sua própria autoridade. Recebendo o general com enorme desprezo, após
seu retorno das campanhas vitoriosas, algum tempo após Flavius teve de
responder perante uma Corte por acusações de corrupção. Foi considerado culpado
e preso. Posteriormente, Justiniano o perdoou “piedosamente”. Não sem antes ordenar
que arrancassem os olhos do vitorioso general, o qual passou o resto dos seus
dias como um mendigo cambaleando pelas ruas de Roma.
Justiniano era casado com Teodora. Ela não tinha medo da
lida com o poder. Até gostava. Teodora e Justiniano, em conjunto, foram o calo
no sapato dos burocratas, haja vista os ritos e decoro dos cargos, que deveriam
ser observados com cuidado, sob pena de prisão ou exílio.
Justiniano pretendia levantar fundos para empreender
campanhas militares na Itália. Seu Ministro das Finanças, João da Capadócia,
criou um conjunto de 26 novos tributos. A maioria recaía sobre os mais ricos.
Os ânimos exaltados pelo episódio evoluíram em direção a um conflito social,
quando as duas equipes de biga (esporte praticado em charretes, no Hipódromo de
Roma). Verdes e Azuis, os dois contendores, representaram um episódio contra o
imperador e sua esposa, no próprio estádio.
Em decorrência, 532 rebeliões tomaram a cidade. As pessoas puseram
fogo em grande parte da cidade. Prédios opulentos foram cobertos em chamas. Um
deles foi a Igreja de Haguia Sophia, do século IV. Este foi o local da
cerimônia de casamento de Justiniano e Teodora.
No auge dos protestos, o povo nomeou outro imperador,
Hipátio, sobrinho do ex-imperador Anastácio I.
Justiniano, abalado, pensou em exilar-se, mas sua esposa o
convenceu a enfrentar a turba. Ao final de sua fala, Teodora pronunciou sua
famosa frase: “Quanto a mim, fico com o velho provérbio: de púrpura se faz a
mais nobre mortalha.”
Tendo recobrado suas forças, Justiniano ordenou o
contra-ataque. Seus generais mataram mais de 30 mil pessoas no Hipódromo,
incluindo Hipátio. Os mortos equivaliam a 10% da população da cidade...
Estando Constantinopla em escombros, Justiniano se lançou à
reconstrução da cidade. Planejamento urbano e patronato de arquitetos foram as
ferramentas para erigir dezenas de igrejas e prédios públicos. Foi reerguida a
igreja dos Apóstolos Sagrados. Mosaicos foram incluídos no Grande Palácio de
Constantinopla. Mandou construir também uma enorme coluna, encimada por uma
estátua de bronze de si mesmo.
Ao fim, Constantinopla estava em todo o seu esplendor,
tornando-se a cidade mais invejada do mundo medieval, por séculos. São muitos
os relatos de viajantes europeus impressionados com sua grandeza. Suas
cidades-natal eram basicamente uma Catedral, um Palácio, cercados por barracos
de madeira com teto de palha. Constantinopla era 10 vezes maior que Paris ou
Londres, em princípios da idade média.
A mais majestosa das construções era a igreja de Haguia Sophia,
finalizada em 537. Os matemáticos Isidoro de Mileto e Antêmio de Tralles foram
os arquitetos chefes da obra. Eles desenvolveram o design revolucionário da
construção, combinando uma enorme basílica retangular com um domo suspenso em
pendentes (os quais permitiam sua colocação sobre a base retangular) e apoiada
em pilastras.
Materiais foram trazidos de várias partes do mundo. Colunas
helênicas do Templo de Artêmis, em Éfeso; enormes pedras egípcias; mármore
verde de Tessália; pedras amarelas da Síria. Mais de 10 mil trabalhadores
participaram da construção.
Seu domo grandioso marcou um padrão em arquitetura,
especialmente nas construções bizantinas e islâmicas. Por quase mil anos foi a
maior igreja do mundo.
Tornou-se inesquecível a frase de Justiniano: Oh, Salomão,
eu vos superei!”
No campo militar, Justiniano fortaleceu suas fronteiras
construindo fortificações ao longo de todo o seu domínio.
No campo econômico, Justiniano teve de desenvolver uma fina
estratégia comercial para superar o fortíssimo comércio persa. As redes
comerciais mediterrâneas eram extensas e ricas. Constantinopla comerciava com a
Inglaterra, já no século sexto. No entanto, a ameaça a Constantinopla era
materializada nos comerciantes persas – seus inimigos, por sinal.
A seda que vendiam era bastante concorrida entre os ricos de
Constantinopla, mas eram absurdamente caras. A explicação era a grande
quantidade de intermediários entre a Índia país produtor, e o destino.
Justiniano tinha de reverter aquele quadro que enfraquecia a balança comercial
de seus domínios.
Em 541, concedeu o monopólio da seda às fábricas imperiais
de produtos que usavam aquela matéria prima. Em 550, dois monges bizantinos
conseguiram contrabandear ovos do bicho da seda a partir da Ásia Central. Era
agora possível produzir seda local. Os comerciantes persas foram alijados de
seu negócio muito lucrativo.
O imperador também não queria mais dividir o poder que
possuía. Eliminou o cônsul inútil, abandonou o princípio da separação estrita
de poderes entre autoridades civis e militares, e estabeleceu as linhas mestras
para que futuros imperadores aumentassem o controle imperial.
Na esfera religiosa, tomou a liderança dos assuntos
relacionados à igreja. À moda de um imperador cesaropapista, exercia autoridade
suprema sobre assuntos eclesiásticos. Por ser a mais rica das cidades cristãs,
Justiniano reunia sob si mais poderes que o papa em Roma.
Com esse poder religioso, perseguiu e exilou praticantes de
religiões pagãs. Ironicamente, esses marginalizados foram alvos fáceis para a
expansão islã.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “The most productive people in History”
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