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quinta-feira, 27 de abril de 2017

BANDITISMO – O QUE UNE TRAFICANTES CARIOCAS, MILICIANOS E LAMPIÃO?


Uma característica do banditismo praticado nos séculos XIX e XX é a fome. Na maioria das regiões clássicas de banditismo na Idade Média e no começo da era moderna (por exemplo, nas regiões banhadas pelo Mediterrâneo), os camponeses viviam constantemente sob o risco da fome.

Aliás, a história do banditismo se inicia com a descoberta por Fernand Braudel da explosão de banditismo na região mediterrânea, por volta dos séculos XVI e XVII.

A era do cangaço brasileiro se inicia com a grande seca de 1877-1878 e atinge o apogeu em 1919. Regiões pobres eram criadores de bandidos – optava-se por infringir a lei, em lugar de morrer de fome. Épocas de baixa colheita traziam consigo o aumento do roubo.

A história do banditismo traz passagens impressionantes. Muitos reis e imperadores começaram suas carreiras bem sucedidas como chefes de clãs de bandidos, quadrilhas de bandoleiros ou saqueadores. Um exemplo ainda não completamente provado é o de José Antonio Artigas, fundador do Uruguai, ao torná-lo independente da Argentina e do Brasil, tinha como atividade precedente o roubo de gado e o contrabando.

A primeira característica intrínseca ao banditismo é a busca pelo controle territorial. O controle territorial leva ao controle sobre as pessoas que vivem em tais localidades. O desafio é afastar o controle estabelecido, estatal e formal, e superá-lo localmente. Estabelecem, assim, suas próprias regras localmente.

Aliás, durante a maior parte da história da humanidade, o poder estatal dentro do território sempre esteve limitado. Não era possível a nenhum monarca, imperador ou déspota em geral pensar que dominava absolutamente seu território. As razões para tanto estão relacionadas às tecnologias de comunicação e de transporte. Um monarca que precisasse de dias para cruzar seu território dependia em grande parte da disposição dos súditos de obedecer às leis para que mantivesse a ordem interna.  

Somente após a invenção da estrada de ferro e do telégrafo os Estados poderiam saber o que ocorria em todo o seu território, ao menos com a rapidez necessária para uma resposta eficaz. Defender fronteiras somente passou a ser factível após essas ferramentas tecnológicas. Nenhum Estado nacional tinha recursos suficientes para manter uma força policial rural eficaz, que representasse localmente o poder central e fizesse serem cumpridas suas determinações.

Todos os que têm acompanhado os noticiários recentes sabem que a Odebrecht pagou às FARCs para que pudessem executar obras na Colômbia, em áreas dominadas por estas, não pelo governo colombiano. O mesmo ocorreu em regiões de favelas cariocas, onde as forças policiais não conseguem garantir o poder formal.

Em Belfast, Irlanda do Norte, bairros de alta concentração de católicos são patrulhados por milícias de “republicanos”, não pela Royal Ulster Constabulary.

Para entender melhor, nada melhor que a etimologia. A palavra “bandido” provêm do italiano “bandito”, cujo significado é “banido”, “posto fora da lei”, no mero sentido da expulsão. Inicialmente, os bandidos conformavam apenas grupos armados informais, não estatais. Apenas no século XV a palavra passou a carregar o sentido moderno, como a usamos.

Por sua vez, a palavra “bandoleros”, como são comumente chamados os bandidos do sul da Espanha, deriva seu nome do termo usado para designar membros de grupos armados que tomavam parte em agitações e conflitos civis que tomaram corpo na Catalunha, nos séculos XV e XVII.

Os bandidos, em geral, eram rebeldes, na medida em que viviam em territórios à parte (florestas, desertos, regiões de difícil acesso...), recusam-se a pagar impostos e, pelo menos no caso da China clássica, o vínculo entre banditismo e derrubada de dinastias periodicamente era muito forte.

Deve-se entender que a resistência contra o Estado era a resistência contra a coerção física. O principal mecanismo para que o Estado se apropriasse do excedente gerado pelos camponeses era a violência, ou sua ameaça. Assim eram arrecadados os recursos que sustentavam o aparelho estatal. A recusa de pagar tributos era punida com o cárcere.      

Uma medida que visa ao combate ao banditismo é a restrição do uso de armas de fogo a apenas alguns servidores estatais. Mas custou muito tempo até que os Estados tivessem condições práticas de se fazerem seguir tais determinações. As sociedades feudais tradicionais conseguiram desarmar os camponeses, mas com relação a nobres a situação era mais complicada. Muito da tradição de elites armadas, violentas e manipuladoras, característica ainda hoje associada a países como Espanha e Portugal se deve a esse passado, quando até as forças do Rei costumavam se desafiadas pelos nobres.

Apenas no século XIX tornou-se realidade o monopólio estatal efetivo das armas. No mundo ocidental, apenas os EUA e poucos outros países não procuraram desarmar a sociedade. Até a década de 1970 as sociedades estavam, em geral, desarmadas.

Outro fator a propulsionar o banditismo era a fragilidade dos homens armados do Estado. Quanto mais enfraquecidos, maior era o potencial do banditismo. Regiões afastadas eram normalmente grassadas por um nível relativamente constante de bandidos. Os romanos se referiam às pessoas que habitavam as regiões de fronteira como “marcomanos”, e de lá vieram os bárbaros que puseram fim à era dos Césares.

Em regiões onde o poder central se fazia presente, os bandidos potenciais se tornavam funcionários remunerados: soldados, policiais... a serviço do Estado ou se algum senhor.

Caso o poder central ficasse muito enfraquecido, os bandidos poderiam se tornar excessivamente independentes do poder central, pondo-o em cheque. Contudo raramente o poder formal se encontrava enfraquecido a esse ponto. Era possível, no entanto, que alcançassem um certo grau de autonomia, de modo a poder negociar seu apoio a quem pagasse melhor.

É esse raciocínio empregado quando da análise dos grupos de milicianos que tomaram conta do cenário da criminalidade carioca. Policiais, bombeiros, guardas municipais formaram grupos armados que dominaram territorialmente grandes partes da cidade, especialmente.

De posse do território e das armas, tais grupos poderiam se fortalecer a ponto de poderem negociar o poder local com o próprio estado.

Ou será que isso já ocorreu?


Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “Bandits”  


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