Uma característica do banditismo praticado nos séculos XIX e
XX é a fome. Na maioria das regiões clássicas de banditismo na Idade Média e no
começo da era moderna (por exemplo, nas regiões banhadas pelo Mediterrâneo), os
camponeses viviam constantemente sob o risco da fome.
Aliás, a história do banditismo se inicia com a descoberta
por Fernand Braudel da explosão de banditismo na região mediterrânea, por volta
dos séculos XVI e XVII.
A era do cangaço brasileiro se inicia com a grande seca de
1877-1878 e atinge o apogeu em 1919. Regiões pobres eram criadores de bandidos –
optava-se por infringir a lei, em lugar de morrer de fome. Épocas de baixa
colheita traziam consigo o aumento do roubo.
A história do banditismo traz passagens impressionantes.
Muitos reis e imperadores começaram suas carreiras bem sucedidas como chefes de
clãs de bandidos, quadrilhas de bandoleiros ou saqueadores. Um exemplo ainda
não completamente provado é o de José Antonio Artigas, fundador do Uruguai, ao
torná-lo independente da Argentina e do Brasil, tinha como atividade precedente
o roubo de gado e o contrabando.
A primeira característica intrínseca ao banditismo é a busca
pelo controle territorial. O controle territorial leva ao controle sobre as
pessoas que vivem em tais localidades. O desafio é afastar o controle estabelecido,
estatal e formal, e superá-lo localmente. Estabelecem, assim, suas próprias
regras localmente.
Aliás, durante a maior parte da história da humanidade, o
poder estatal dentro do território sempre esteve limitado. Não era possível a
nenhum monarca, imperador ou déspota em geral pensar que dominava absolutamente
seu território. As razões para tanto estão relacionadas às tecnologias de
comunicação e de transporte. Um monarca que precisasse de dias para cruzar seu
território dependia em grande parte da disposição dos súditos de obedecer às
leis para que mantivesse a ordem interna.
Somente após a invenção da estrada de ferro e do telégrafo
os Estados poderiam saber o que ocorria em todo o seu território, ao menos com
a rapidez necessária para uma resposta eficaz. Defender fronteiras somente
passou a ser factível após essas ferramentas tecnológicas. Nenhum Estado nacional
tinha recursos suficientes para manter uma força policial rural eficaz, que
representasse localmente o poder central e fizesse serem cumpridas suas
determinações.
Todos os que têm acompanhado os noticiários recentes sabem
que a Odebrecht pagou às FARCs para que pudessem executar obras na Colômbia, em
áreas dominadas por estas, não pelo governo colombiano. O mesmo ocorreu em
regiões de favelas cariocas, onde as forças policiais não conseguem garantir o
poder formal.
Em Belfast, Irlanda do Norte, bairros de alta concentração
de católicos são patrulhados por milícias de “republicanos”, não pela Royal Ulster
Constabulary.
Para entender melhor, nada melhor que a etimologia. A
palavra “bandido” provêm do italiano “bandito”, cujo significado é “banido”, “posto
fora da lei”, no mero sentido da expulsão. Inicialmente, os bandidos conformavam
apenas grupos armados informais, não estatais. Apenas no século XV a palavra
passou a carregar o sentido moderno, como a usamos.
Por sua vez, a palavra “bandoleros”, como são comumente
chamados os bandidos do sul da Espanha, deriva seu nome do termo usado para
designar membros de grupos armados que tomavam parte em agitações e conflitos
civis que tomaram corpo na Catalunha, nos séculos XV e XVII.
Os bandidos, em geral, eram rebeldes, na medida em que
viviam em territórios à parte (florestas, desertos, regiões de difícil
acesso...), recusam-se a pagar impostos e, pelo menos no caso da China clássica,
o vínculo entre banditismo e derrubada de dinastias periodicamente era muito
forte.
Deve-se entender que a resistência contra o Estado era a
resistência contra a coerção física. O principal mecanismo para que o Estado se
apropriasse do excedente gerado pelos camponeses era a violência, ou sua
ameaça. Assim eram arrecadados os recursos que sustentavam o aparelho estatal. A
recusa de pagar tributos era punida com o cárcere.
Uma medida que visa ao combate ao banditismo é a restrição
do uso de armas de fogo a apenas alguns servidores estatais. Mas custou muito
tempo até que os Estados tivessem condições práticas de se fazerem seguir tais
determinações. As sociedades feudais tradicionais conseguiram desarmar os
camponeses, mas com relação a nobres a situação era mais complicada. Muito da tradição
de elites armadas, violentas e manipuladoras, característica ainda hoje
associada a países como Espanha e Portugal se deve a esse passado, quando até
as forças do Rei costumavam se desafiadas pelos nobres.
Apenas no século XIX tornou-se realidade o monopólio estatal
efetivo das armas. No mundo ocidental, apenas os EUA e poucos outros países não
procuraram desarmar a sociedade. Até a década de 1970 as sociedades estavam, em
geral, desarmadas.
Outro fator a propulsionar o banditismo era a fragilidade
dos homens armados do Estado. Quanto mais enfraquecidos, maior era o potencial
do banditismo. Regiões afastadas eram normalmente grassadas por um nível
relativamente constante de bandidos. Os romanos se referiam às pessoas que
habitavam as regiões de fronteira como “marcomanos”, e de lá vieram os bárbaros
que puseram fim à era dos Césares.
Em regiões onde o poder central se fazia presente, os
bandidos potenciais se tornavam funcionários remunerados: soldados, policiais...
a serviço do Estado ou se algum senhor.
Caso o poder central ficasse muito enfraquecido, os bandidos
poderiam se tornar excessivamente independentes do poder central, pondo-o em
cheque. Contudo raramente o poder formal se encontrava enfraquecido a esse
ponto. Era possível, no entanto, que alcançassem um certo grau de autonomia, de
modo a poder negociar seu apoio a quem pagasse melhor.
É esse raciocínio empregado quando da análise dos grupos de milicianos
que tomaram conta do cenário da criminalidade carioca. Policiais, bombeiros,
guardas municipais formaram grupos armados que dominaram territorialmente
grandes partes da cidade, especialmente.
De posse do território e das armas, tais grupos poderiam se
fortalecer a ponto de poderem negociar o poder local com o próprio estado.
Ou será que isso já ocorreu?
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Bandits”
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