O governo do primeiro dos generais-ditadores, Castelo
Branco, iniciou-se com um programa de governo claro e bem delineado.
Um dos elementos do período que se iniciava era o internacionalismo.
Este rompia o nacional-estatismo, que se caracterizava pela busca da autonomia
nas relações externas. Pretendia-se alcançar um alinhamento com os EUA. Pretendia-se
a busca pela integração com o mundo ocidental e a abertura ao fluxo de capitais
internacionais.
O aval do FMI não demorou e o medicamento prometia debelar a
doença, no caso, a recessão que se abatia sobre a economia brasileira: em 1963
a inflação bateu nos 80% e o crescimento foi de -1,6%. Para combater essa degringolada
econômica, o velho receituário ortodoxo foi trazido à luz: corte de gastos
públicos, contenção de créditos, arrocho dos salários etc etc etc.
Para incentivar o investimento externo, o governo resolveu
as pendências que existiam com concessionárias de serviços públicos, ofereceu
amplas garantias ao capital que aqui se instalasse, promulgou uma lei de remessa
de lucros mais atraente do que aquela de Jango, além de costurar um acordo com
os credores brasileiros, internos e externos, no que se refere ao pagamento da
dívida pública.
Os players internacionais também se obrigados a render
homenagens ao novo aliado: o governo norte-americano e instituições financeiras
internacionais fizeram declarações elogiosas.
Apoio político e crédito ao país se multiplicaram
imediatamente. Contudo, as previsões do governo no que se referia ao influxo de
capitais decepcionou o presidente e sua equipe econômica.
Provavelmente essa foi a explicação para os números da
economia nos anos imediatamente seguintes. A inflação em 1964 foi de 86%, em
1965 foi de 45%, em 1966 bateu nos 40%. Apesar da queda vertiginosa, a recessão
permanecia viva.
A pressão sobre o governo não arrefecia. Comerciantes,
industriais usavam suas organizações defensoras de interesses corporativos para
criticar o crédito escasso e caro, que levava diversos empreendimentos à
falência e à quebra de cadeias produtivas.
Os salários eram sempre reajustados abaixo dos índices de
inflação. Em termos reais, o trabalhador empobrecia mais a cada dia. A insatisfação
decorrente, que em um ambiente democrático se materializaria em imensos
protestos, era reprimida à clássica maneira autoritária e os líderes, perseguidos.
Não tardou para que o coro dos descontentes passasse a
ameaçar a própria estabilidade do governo. Os resultados econômicos que não
empolgavam, os excessos autoritários que depunham contra o discurso liberal,
tudo isso levou lideranças civis importantes, aliados até há pouco, a se
afastarem do governo de então. Carlos Lacerda e demais, preocupados com os
resultados das urnas nas eleições de 1965 e 1966, iniciaram uma série de
críticas, desferidas especialmente contra a equipe econômica, justamente aquela
que era encarada como uma constelação de nomes relevantes no pensamente
econômico: Roberto Campos e Otávio Gouvea de Bulhões, Planejamento e Fazenda,
respectivamente.
A mídia ajudou a amplificar o tom das críticas, num claro
sinal de que também pretendia desembarcar do barco golpista.
Sem o manto de proteção de que os golpistas se revestiam,
abriu-se espaço para o contragolpe. Estudantes, artistas e intelectuais, ao
lado de humoristas e cartunistas, aproveitaram a maré contra para exprimir todo
o seu descontentamento com os autoritários do poder. Sobretudo após a prorrogação
do mandato de Castelo Branco, em julho de 1964.
Os novos incumbentes do Planalto, desejando calar os
oposicionistas e utilizando-se dos modos “sutis” da caserna, iniciaram centenas
dos odiosos IPMs: Inquéritos Policiais-Militares, abertos contra quem quer que
considerasse em campo oposto ao do governo. Essa atitude troglodita ajudou a
aumentar as fileiras dos descontentes. E foram estes últimos que ajudaram a rearticular
as esquerdas após serem condenadas à clandestinidade, após 1964.
Seja como for, o empobrecimentos dos trabalhadores urbanos e
rurais, somado às ameaças oriundas de uma repressão desmesurada, jogou os trabalhadores
na mais resignada das amarguras.
Capítulo à parte foi encenado pelos estudantes
universitários. À época do golpe, estavam profundamente divididos e poucos
saíram em auxílio a Jango. No entanto, após os primeiros movimentos do novo
governo, eles entenderam a profundidade das mudanças em curso, plasmadas em
IPMs e truculência policial, tornando-se assim os primeiros e articularem
movimentos relevantes de repulsa ao governo.
De certa forma, os golpes leves, mas constantes desferidos
contra o governo pareciam enfraquecê-lo, levando a crer que os gorilas do governo
em algum momento passariam a bola e o poder retornaria às mãos dos civis. Ao
fim, o país retomaria ao programa de reformas de base, único capaz de alterar
significativamente a realidade nacional.
Dentre os grupos mais radicais, nasceu a “utopia do impasse”.
Apesar considerarem o golpe recente uma verdadeira tragédia, tais grupos nunca
nutriram grande simpatia pela democracia. Para eles, o golpe serviu para
afastar da política políticos que de fato faziam mal ao país: lideranças
populistas, corruptas e excessivamente dadas a acordos e à moderação.
Tais grupos criam que as massas, lentamente desencantadas e
desiludidas se tornariam classes. Por fim, a verdadeira revolução tomaria
corpo.
Mas tudo isso seria soterrado pela única mudança que o país
realmente testemunharia: uma modernização conservadora, acompanhada de muito
chumbo e coberta do recheio dramático da desigualdade social crescente, que nos
faria superar dezenas de países africanos.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”
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