Trechos do livro “Suécia: um país sem excelências e
mordomias”, de Cláudia Wallin.
“O Reino da Suécia, formado mos idos de 1200, é um dos
reinos mais antigos do mundo. O Palácio Real domina o esplêndido panorama da
capital, Estocolmo, espalhada sobre catorze ilhas banhadas pelo Mar Báltico e o
lago Malaren.
(...)
Longe vão-se os tempos em que os lendários vikings habitavam
este território, lançando-se em mares açoitados para saquear, incendiar e
aterrorizar terras alheias. Eram louros bárbaros, no pior sentido da palavra.
Mas também foram grandes comerciantes e exploradores. E tinham um costume
incomum para a época: tomavam suas decisões em conjunto, por meio do consenso.
Reuniam-se em assembléias chamadas Ting, que existiam por todos os cantos do
que é hoje a Suécia e as demais terras escandinavas. Eram como parlamentos
embrionários.
(...)
Na Suécia da Idade Média, outra cena incomum se produzia:
camponeses do país tinham representação entre a nobreza, o clero e a burguesia
o Parlamento, um fenômeno único na Europa de então.
(...)
Até meados do século XIX, a Suécia foi um dos países mais pobres
da Europa, com uma economia agrária atrasada. Mas a face do país seria mudada:
entre os fatores decisivos que produziam a mudança, estavam investimentos
substanciais em educação, infraestrutura e tecnologia. No século XX, a antes
subdesenvolvida Suécia, praguejada pela pobreza, transformou-se em uma das mais
ricas e sofisticadas nações industrializadas do mundo.
(...)
Um país onde os deputados recebem cerca de 50% mais do que
ganha, em média, um professor primário.
(...)
Os suecos querem mais transparência e menos políticos
desconectados da realidade das ruas. E o senso de autocrítica do poder
persiste, como nas palavras do discurso feito, em 2002. Pelo então
primeiro-ministro, Goran Persson, a uma platéia de estudantes:
“Não lidero o governo mais brilhante do mundo. O gabinete de
ministros não é nenhum modelo de elite intelectual, e particularmente bonitos
nós também não somos.”
(...)
- É preciso aceitar os sacrifícios que se avizinham – murmura
para si próprio um sueco no momento revelador em que a sua real vocação para a
carreira política se manifesta como um desejo irrefreável. – Serão abomináveis
os desafios – alerta um forasteiro: os cintos apertados como os da amorfa massa
do povo, a ausência de alegres comitivas de inúteis, os apartamentos funcionais
que lembram quartos de hotéis de duas estrelas, a falta que hão de fazer os
batalhões de assessores e parasitas.
(...)
Sem direito a imunidade, políticos suecos podem ser
processados e condenados como qualquer cidadão. Sem carros oficiais e
motoristas particulares, deputados se acotovelam em ônibus e trens, como a
maioria dos cidadãos que representam.
Sem salários vitalícios, não ganham a merecida aposentadoria
após alguns anos de trabalho pelo bem do povo. Sem secretária particular na
porta, banheiro privativo ou copa com cafezinho, os gabinetes parlamentares são
espartanos e diminutos, como a sala de um funcionário de repartição pública.
Sem verbas indenizatórias para alugar escritório nas bases eleitorais,
deputados suecos usam a própria casa, a sede local do partido ou a biblioteca
pública para trabalhar quando estão em suas regiões de origem.
(...)
No âmbito municipal, o desejo de exercer a atividade
política poderia ser mal interpretado, fora da Suécia, como um caso clínico:
vereadores suecos não ganham qualquer salário, e também não têm direito a
gabinete – trabalham de casa.
(...)
Na década de 1970, o então primeiro-ministro Olof Palme
morava em sua própria casa no subúrbio de Vallinby, e costumava ir para a sede
do Governo dirigindo um velho Fiat vermelho.
(...)
O antecessor de Palme, Tage Erlander, tomava o bonde para a
sede do Governo, ou ia de carona com a mulher, que trabalhava perto dali.
Os suecos só decidiram criar uma residência oficial para o
primeiro-ministro depois de 1986, quando Olof Palme foi assassinado a tiros na
saída de um cinema quando caminhava para casa sem escolta, em um crime brutal e
nunca solucionado. Seu sucessor, o também social-democrata Ingvar Carlsson,
mudou-se aparentemente contrariado para a nova residência oficial. Diz-se que
Carlsson, que renunciaria so poder tempos depois, achava inapropriado para um
primeiro-ministro sueco morar num lugar chamado de palácio – ao construir a
casa em 1884, a abastada família Sager a batizaria de Palácio Sagerka.
(...)
Sagerska é uma bela mansão. Mas não há serviçais no
apartamento do primeiro-ministro sueco, Frederik Reinfeldt.
- A limpeza dos aposentados privativos do primeiro-ministro
deve pagar impostos e sua declaração de renda – diz Anna Dahlén, assessora de
imprensa do governo sueco.
Sem provocar reações de espanto sobrenatural entre a
população, Frederik Reinfeldt fala com naturalidade que lava, passa e cozinha como
a maioria dos cidadãos deste país. – E por que ele não faria isso, se todos nós
fazemos? – ouço de vários suecos.
Há quem vá sentir o cheiro acre da demagogia populista ao
saber que na Suécia o primeiro-ministro dá dicas de limpeza em reportagens de
jornal, e aconselha seus concidadãos a ajoelhar para raspar a sujeira.
(...)
Na Suécia, como em tantos outros países do mundo, a
instituição da empregada doméstica não existe. Entre os suecos mais radicais, o
zelo pela igualdade e o medo do ressurgimento de uma subclasse social chega a
provocar reações exaltadas. Em um debate da campanha eleitoral de 2006, flechas
voaram contra a então líder do partido de Centro (Centerpartiet), Maud Olofsson,
quando ela defendeu a introdução de abatimentos fiscais para permitir aos
suecos contratar faxineiros e aliviar assim sua dupla jornada.
- E quem limpa o banheiro da empregada? – perguntou,
irritado, o intermediador do debate na TV4, Goran Rosenberg.
- E quem pinta a casa do pintor? – retrucou Maud. – A faxineira
também pode contratar ajuda quando precisar – argumentou ela.
A inesperada proposta de Maud também foi atacada pelo
primeiro-ministro da época, o social-democrata Goran Persson.
- Cada pessoa deve cuidar das próprias tarefas domésticas, é
o que eu digo – falou o primeiro-ministro.
Persson disse mais. Contou, com orgulho indisfarçável, que
era capaz de passar sua camisa social em um minuto.
(...)
Mas naquele ano, depois de dez anos no poder, Persson perdeu
as eleições. Maud tornou-se vice-primeira-ministra, e muitos suecos passaram a
ter a ajuda ocasional de faxineiras, em sua maioria imigrantes polonesas. No entanto,
praticamente todos continuam a lavar, cozinhar e passar, como Goran Persson.
Ministros também vivem sem luxo. Eleito pelo jornal
britânico Financial Times como o melhor ministro das Finanças da Europa em
2011, o sueco Anders Borg, segundo confirma seu porta-voz, mora em Estocolmo
durante a semana, em um apartamento funcional conjugado de cerca de vinte e
cinco metros quadrados.
(...)
Nem ministros, nem prefeitos e nem o presidente do
Parlamento têm direito a residência oficial. Apenas políticos com base
eleitoral fora da capital recebem auxílio moradia para viver em apartamentos ou
mesmo quitinetes funcionais, que têm em média dezoito metros quadrados.
Parece pouco para criaturas tão excelsas, mas está muito
melhor do que já foi: até o fim dos anos 1980, apartamentos funcionais nem
sequer existiam na Suécia. Todos os parlamentares dormiam em sofás-cama, em
seus próprios gabinetes.
(...)
O apartamento funcional pode ser um direito garantido. Mas a
cama, não. Em grande parte dos imóveis parlamentares, onde um único cômodo
serve como sala e quarto de dormir, há apenas um sofá-cama.
(...)
- Carros com motorista para parlamentares? Meu Deus, não! – sobressalta-se Lena. –
Benesses deste gênero criam problemas que você não precisa ter. Como a corrupção.
Para obter um emprego desses na política, muitos não hesitariam em cometer atos
sujos – poderá Lena.
(...)
Rubem L. de F. Auto
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