Pesquisar as postagens

quinta-feira, 6 de abril de 2017

SUÉCIA: BECAUSE LESS IS MORE!


Trechos do livro “Suécia: um país sem excelências e mordomias”, de Cláudia Wallin.


“O Reino da Suécia, formado mos idos de 1200, é um dos reinos mais antigos do mundo. O Palácio Real domina o esplêndido panorama da capital, Estocolmo, espalhada sobre catorze ilhas banhadas pelo Mar Báltico e o lago Malaren.

(...)

Longe vão-se os tempos em que os lendários vikings habitavam este território, lançando-se em mares açoitados para saquear, incendiar e aterrorizar terras alheias. Eram louros bárbaros, no pior sentido da palavra. Mas também foram grandes comerciantes e exploradores. E tinham um costume incomum para a época: tomavam suas decisões em conjunto, por meio do consenso. Reuniam-se em assembléias chamadas Ting, que existiam por todos os cantos do que é hoje a Suécia e as demais terras escandinavas. Eram como parlamentos embrionários.

(...)

Na Suécia da Idade Média, outra cena incomum se produzia: camponeses do país tinham representação entre a nobreza, o clero e a burguesia o Parlamento, um fenômeno único na Europa de então.

(...)

Até meados do século XIX, a Suécia foi um dos países mais pobres da Europa, com uma economia agrária atrasada. Mas a face do país seria mudada: entre os fatores decisivos que produziam a mudança, estavam investimentos substanciais em educação, infraestrutura e tecnologia. No século XX, a antes subdesenvolvida Suécia, praguejada pela pobreza, transformou-se em uma das mais ricas e sofisticadas nações industrializadas do mundo.

(...)

Um país onde os deputados recebem cerca de 50% mais do que ganha, em média, um professor primário.
(...)
Os suecos querem mais transparência e menos políticos desconectados da realidade das ruas. E o senso de autocrítica do poder persiste, como nas palavras do discurso feito, em 2002. Pelo então primeiro-ministro, Goran Persson, a uma platéia de estudantes:
“Não lidero o governo mais brilhante do mundo. O gabinete de ministros não é nenhum modelo de elite intelectual, e particularmente bonitos nós também não somos.”

(...)

- É preciso aceitar os sacrifícios que se avizinham – murmura para si próprio um sueco no momento revelador em que a sua real vocação para a carreira política se manifesta como um desejo irrefreável. – Serão abomináveis os desafios – alerta um forasteiro: os cintos apertados como os da amorfa massa do povo, a ausência de alegres comitivas de inúteis, os apartamentos funcionais que lembram quartos de hotéis de duas estrelas, a falta que hão de fazer os batalhões de assessores e parasitas.

(...)

Sem direito a imunidade, políticos suecos podem ser processados e condenados como qualquer cidadão. Sem carros oficiais e motoristas particulares, deputados se acotovelam em ônibus e trens, como a maioria dos cidadãos que representam.
Sem salários vitalícios, não ganham a merecida aposentadoria após alguns anos de trabalho pelo bem do povo. Sem secretária particular na porta, banheiro privativo ou copa com cafezinho, os gabinetes parlamentares são espartanos e diminutos, como a sala de um funcionário de repartição pública. Sem verbas indenizatórias para alugar escritório nas bases eleitorais, deputados suecos usam a própria casa, a sede local do partido ou a biblioteca pública para trabalhar quando estão em suas regiões de origem.

(...)

No âmbito municipal, o desejo de exercer a atividade política poderia ser mal interpretado, fora da Suécia, como um caso clínico: vereadores suecos não ganham qualquer salário, e também não têm direito a gabinete – trabalham de casa.

(...)

Na década de 1970, o então primeiro-ministro Olof Palme morava em sua própria casa no subúrbio de Vallinby, e costumava ir para a sede do Governo dirigindo um velho Fiat vermelho.

(...)

O antecessor de Palme, Tage Erlander, tomava o bonde para a sede do Governo, ou ia de carona com a mulher, que trabalhava perto dali.
Os suecos só decidiram criar uma residência oficial para o primeiro-ministro depois de 1986, quando Olof Palme foi assassinado a tiros na saída de um cinema quando caminhava para casa sem escolta, em um crime brutal e nunca solucionado. Seu sucessor, o também social-democrata Ingvar Carlsson, mudou-se aparentemente contrariado para a nova residência oficial. Diz-se que Carlsson, que renunciaria so poder tempos depois, achava inapropriado para um primeiro-ministro sueco morar num lugar chamado de palácio – ao construir a casa em 1884, a abastada família Sager a batizaria de Palácio Sagerka.

(...)

Sagerska é uma bela mansão. Mas não há serviçais no apartamento do primeiro-ministro sueco, Frederik Reinfeldt.
- A limpeza dos aposentados privativos do primeiro-ministro deve pagar impostos e sua declaração de renda – diz Anna Dahlén, assessora de imprensa do governo sueco.
Sem provocar reações de espanto sobrenatural entre a população, Frederik Reinfeldt fala com naturalidade que lava, passa e cozinha como a maioria dos cidadãos deste país. – E por que ele não faria isso, se todos nós fazemos? – ouço de vários suecos.
Há quem vá sentir o cheiro acre da demagogia populista ao saber que na Suécia o primeiro-ministro dá dicas de limpeza em reportagens de jornal, e aconselha seus concidadãos a ajoelhar para raspar a sujeira.

(...)

Na Suécia, como em tantos outros países do mundo, a instituição da empregada doméstica não existe. Entre os suecos mais radicais, o zelo pela igualdade e o medo do ressurgimento de uma subclasse social chega a provocar reações exaltadas. Em um debate da campanha eleitoral de 2006, flechas voaram contra a então líder do partido de Centro (Centerpartiet), Maud Olofsson, quando ela defendeu a introdução de abatimentos fiscais para permitir aos suecos contratar faxineiros e aliviar assim sua dupla jornada.
- E quem limpa o banheiro da empregada? – perguntou, irritado, o intermediador do debate na TV4, Goran Rosenberg.
- E quem pinta a casa do pintor? – retrucou Maud. – A faxineira também pode contratar ajuda quando precisar – argumentou ela.
A inesperada proposta de Maud também foi atacada pelo primeiro-ministro da época, o social-democrata Goran Persson.
- Cada pessoa deve cuidar das próprias tarefas domésticas, é o que eu digo – falou o primeiro-ministro.
Persson disse mais. Contou, com orgulho indisfarçável, que era capaz de passar sua camisa social em um minuto.

(...)

Mas naquele ano, depois de dez anos no poder, Persson perdeu as eleições. Maud tornou-se vice-primeira-ministra, e muitos suecos passaram a ter a ajuda ocasional de faxineiras, em sua maioria imigrantes polonesas. No entanto, praticamente todos continuam a lavar, cozinhar e passar, como Goran Persson.
Ministros também vivem sem luxo. Eleito pelo jornal britânico Financial Times como o melhor ministro das Finanças da Europa em 2011, o sueco Anders Borg, segundo confirma seu porta-voz, mora em Estocolmo durante a semana, em um apartamento funcional conjugado de cerca de vinte e cinco metros quadrados.     

(...)

Nem ministros, nem prefeitos e nem o presidente do Parlamento têm direito a residência oficial. Apenas políticos com base eleitoral fora da capital recebem auxílio moradia para viver em apartamentos ou mesmo quitinetes funcionais, que têm em média dezoito metros quadrados.
Parece pouco para criaturas tão excelsas, mas está muito melhor do que já foi: até o fim dos anos 1980, apartamentos funcionais nem sequer existiam na Suécia. Todos os parlamentares dormiam em sofás-cama, em seus próprios gabinetes.

(...)

O apartamento funcional pode ser um direito garantido. Mas a cama, não. Em grande parte dos imóveis parlamentares, onde um único cômodo serve como sala e quarto de dormir, há apenas um sofá-cama.

(...)

- Carros com motorista para parlamentares?  Meu Deus, não! – sobressalta-se Lena. – Benesses deste gênero criam problemas que você não precisa ter. Como a corrupção. Para obter um emprego desses na política, muitos não hesitariam em cometer atos sujos – poderá Lena.

(...)



Rubem L. de F. Auto 

Nenhum comentário:

Postar um comentário