A regra é clara: quem ataca e rouba com violência é bandido!
Desde quem rouba o mísero salário de um proletário até aqueles que se organizam
em grupos de guerrilheiros armados, são todos igualmente criminosos aos olhos
da lei.
Os nomes pelos quais são chamados variam de acordo com o
período histórico em foco. Atualmente usa-se indiscriminadamente a denominação “terroristas”
– o que denota a total perda de prestígio da imagem do bandido, após a II
Guerra Mundial.
No entanto, historiadores têm identificado aqueles que
passaram a chamar de bandidos sociais. São proscritos rurais, vistos como criminosos
pelo Estado e pelos senhores, no entanto ainda parte da sociedade camponesa em
que se inserem. Aos olhos desta, podem ser heróis, vingadores, justiceiros e,
não raramente, lideres libertadores. Eles são tão bem vistos que a comunidade
se sente obrigada a ajudá-los e, muitas vezes, sustentá-los. Dir-se-ia
admiráveis, até.
Em momentos históricos quando o Estado avança sobre as
liberdades individuais de maneira abusiva, uma sociedade tradicional passa a se
pôr contra o governo central, contra o Estado e assim passam a prestar auxílio
a rebeldes, mormente acusados de criminosos pelo poder constituído. Não raro,
governantes locais se juntam ao bandido, contra o poder central.
Portanto o status de bandido social nasce a partir da
relação entre camponeses, rebeldes, proscritos e ladrões.
Ladrões profissionais, ou pilhadores vêem os camponeses como
vítimas potenciais. Estas, vêem os ladrões como criminosos. E essa
classificação pode ter muito pouco a ver com o que dizem as leis – é bandido
porque quebra a confiança estabelecida no seio da própria sociedade.
Já o bandido social não conseguiria sequer imaginar roubar a
colheita de um pobre camponês – mas o mesmo critério não vale para a colheita
do senhor. São esses critérios morais que rendem o adjetivo social a esses
últimos bandidos.
O banditismo social pode ocorrer em qualquer sociedade,
desde que se situe entre a fase evolucionária da organização tribal e familiar
e a fase de sociedade capitalista e industrial moderna.
No país do Robin Hood, o modelo acabado do bandido social,
os únicos bandidos sociais encontrados eram alguns salteadores de estradas. A
modernização das sociedades costuma fechar as portas para o surgimento de
bandidos sociais. A Rússia do século XVIII vivia uma epidemia de bandidos; no
fim do século XIX, eles estavam praticamente extintos.
O banditismo social é um fenômeno universal, encontrado em
sociedades agrícolas ou pastoris, e composto por camponeses e trabalhadores sem
terras, oprimidos e explorados. Os exploradores eram senhores, governos,
bancos.
Os bandidos sociais se apresentam em três formas diversas: o
ladrão nobre, no estilo Robin Hood; grupos de resistência; vingadores, que
semeiam o terror.
O percentual da população dedicada a essa atividades pode
variar entre 0,5% e 1% do total. Em 1962, após os anos mais violentos dos
conflitos políticos na Colômbia, havia 161 bandos registrados no país (com 2760
membros, estima-se). Ou seja, 1 bandido a cada mil habitantes.
O banditismo floresce em áreas remotas, de difícil acesso.
Também é atraído por rotas comerciais ou estradas importantes, especialmente
quando a locomoção é lenta e difícil. Trata-se, em geral, de países
pré-capitalistas.
A construção, portanto, de rotas comerciais modernas,
rápidas e de fácil tráfego, reduz o banditismo. Burocracia e ineficiência
favorecem o banditismo.
Após sua Revolução, a França deu origem a um Estado moderno
que foi capaz de extinguir o banditismo, que não era social, que assolava a
Renânia na década de 1790. Já a Alemanha após a Guerra dos Trinta anos restou
desagregada, desordenada de tal forma que o banditismo reinou por lá por mais
de um século após o fim daquele conflito.
O banditismo social teve protagonismo intenso na Europa,
entre os séculos XVI, XVII e XVIII. No resto do mundo, entre os séculos XIX e
XX. Contudo, ainda hoje, na região montanhosa da Sardenha, o fenômeno resiste
na Europa. Supõe-se que os efeitos deletérios de duas Guerras Mundiais e de
revoluções locais tenham lhe dado sobrevida.
Por seu turno, a história se desenvolveu de maneira distinta
no sul da Itália. Região tradicionalmente infestada por “banditis”, o
banditismo social teve seu apogeu há cerca de 150 anos, apenas. Foi no contexto
de grandes rebeliões camponesas e de guerrilhas de bandoleiros, entre 1861 e
1865.
A região da Andaluzia, sul da Espanha, estava infestada por
bandidos no século XIX. Mas tudo tem um fim. Francisco Rios, El Pernales, foi o
último dos bandoleiros lendário da região.
No Nordeste do Brasil, o fenômeno do banditismo, aqui
conhecido como cangaço, teve escalada ascendente desde 1870, atingindo o auge por
volta de 1930. Por volta de 1940 já estava em seus estertores.
A análise dos nomes relacionados a esse fenômeno demonstra
pessoas antes insubmissas, ou pessoas excluídas da trajetória de vida
tradicional, por motivos diversos, do que rebeldes políticos ou desajustados
sociais. Por algum desses motivos, ligam-se ao crime e à marginalidade.
Não se espere, contudo, que sejam pessoas com ideologia,
profetas que tragam novos conceitos sobre organização social ou reforma dos
valores tradicionais. São espíritos pragmáticos, pessoas práticas que trazem
consigo conceitos sociais próprios do campesinato de que são oriundos. Isto é,
o programa social do banditismo não passa da manutenção da ordem tradicional
das coisas.
Seriam, no máximo reformadores, nunca revolucionários.
No entanto, o banditismo pode tomar o lugar reservado aos
movimentos sociais, sendo uma espécie de alternativa a ele. Isso ocorre quando
camponeses demonstram admiração por Robin Hoods, em vez de atuarem de maneira
mais positiva em favor de seus interesses.
O banditismo somente toma proporções de movimento social,
quando o fenômeno encontra o movimento já em curso, e assim se somam. Seria um
banditismo como reação a um pseudo progresso. Isso ocorreu no reino de Nápoles,
quando o povo e os bandidos se uniram e se levantaram contra os jacobinos e os
estrangeiros. O fizeram em nome do papa, do rei e da Santa Sé. Nesse intento se
mostraram mais revolucionários do que o papa e o rei.
N`outras vezes, o motivo que leva bandidos a agirem
revolucionariamente passam pela vontade de pôr fim nos seus fantasmas:
exploração, submissão. Sonham muitas vezes com um mundo sem males, um mundo de
igualdade, fraternidade e liberdade. Esse é o sonho que embalava sociedades à
espera da salvação, do Imperador Justo, da Rainha dos Mares do Sul, todos
místicos símbolos de uma virada social, quando serão superados obstáculos e a
perfeição reinará.
Um sociólogo, estudioso do assunto, comparou os cangaceiros
nordestinos com uma irmandade, uma confraria de iguais. Impressionava a
honestidade sem paralelos no seio dos bandos de cangaceiros.
Interessante notar que o banditismo pode ser precursor e anunciador
de movimentos revolucionários. Isso ocorreu no nordeste dos cangaceiros, que
passou a ser, anos depois, infestado por beatos e líderes messiânicos, pontas
de lança do anarquismo rural.
Quanto aos códigos morais, Lampião costumava declamar:
“Jurou vingar-se contra todos,
Dizendo “Nesse mundo só respeito
O Padim Ciço e mais ninguém”
Pois bem. Padre Cícero, o Messias de Juazeiro, como bem se
sabe, foi o responsável por conseguir uma patente de oficial do Exército para o
famoso cangaceiro.
Os bandidos podem se converter em outra coisa. Por exemplo,
no sul da Itália, em 1861, tornaram-se exércitos de camponeses. Houve casos em
que abandonaram o banditismo e vestiram fardas de soldados.
E aqui temos um ponto importante a considerar. Quando o
banditismo se funde em movimentos de maiores proporções, adquire corpo
suficiente para mudar a sociedade. E em muitos casos, mudaram.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Bandits”
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