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quinta-feira, 27 de abril de 2017

BANDIDO BOM É BANDIDO... SOCIAL!


A regra é clara: quem ataca e rouba com violência é bandido! Desde quem rouba o mísero salário de um proletário até aqueles que se organizam em grupos de guerrilheiros armados, são todos igualmente criminosos aos olhos da lei.

Os nomes pelos quais são chamados variam de acordo com o período histórico em foco. Atualmente usa-se indiscriminadamente a denominação “terroristas” – o que denota a total perda de prestígio da imagem do bandido, após a II Guerra Mundial.

No entanto, historiadores têm identificado aqueles que passaram a chamar de bandidos sociais. São proscritos rurais, vistos como criminosos pelo Estado e pelos senhores, no entanto ainda parte da sociedade camponesa em que se inserem. Aos olhos desta, podem ser heróis, vingadores, justiceiros e, não raramente, lideres libertadores. Eles são tão bem vistos que a comunidade se sente obrigada a ajudá-los e, muitas vezes, sustentá-los. Dir-se-ia admiráveis, até.

Em momentos históricos quando o Estado avança sobre as liberdades individuais de maneira abusiva, uma sociedade tradicional passa a se pôr contra o governo central, contra o Estado e assim passam a prestar auxílio a rebeldes, mormente acusados de criminosos pelo poder constituído. Não raro, governantes locais se juntam ao bandido, contra o poder central.

Portanto o status de bandido social nasce a partir da relação entre camponeses, rebeldes, proscritos e ladrões.

Ladrões profissionais, ou pilhadores vêem os camponeses como vítimas potenciais. Estas, vêem os ladrões como criminosos. E essa classificação pode ter muito pouco a ver com o que dizem as leis – é bandido porque quebra a confiança estabelecida no seio da própria sociedade.

Já o bandido social não conseguiria sequer imaginar roubar a colheita de um pobre camponês – mas o mesmo critério não vale para a colheita do senhor. São esses critérios morais que rendem o adjetivo social a esses últimos bandidos.

O banditismo social pode ocorrer em qualquer sociedade, desde que se situe entre a fase evolucionária da organização tribal e familiar e a fase de sociedade capitalista e industrial moderna.

No país do Robin Hood, o modelo acabado do bandido social, os únicos bandidos sociais encontrados eram alguns salteadores de estradas. A modernização das sociedades costuma fechar as portas para o surgimento de bandidos sociais. A Rússia do século XVIII vivia uma epidemia de bandidos; no fim do século XIX, eles estavam praticamente extintos.

O banditismo social é um fenômeno universal, encontrado em sociedades agrícolas ou pastoris, e composto por camponeses e trabalhadores sem terras, oprimidos e explorados. Os exploradores eram senhores, governos, bancos.

Os bandidos sociais se apresentam em três formas diversas: o ladrão nobre, no estilo Robin Hood; grupos de resistência; vingadores, que semeiam o terror.

O percentual da população dedicada a essa atividades pode variar entre 0,5% e 1% do total. Em 1962, após os anos mais violentos dos conflitos políticos na Colômbia, havia 161 bandos registrados no país (com 2760 membros, estima-se). Ou seja, 1 bandido a cada mil habitantes.

O banditismo floresce em áreas remotas, de difícil acesso. Também é atraído por rotas comerciais ou estradas importantes, especialmente quando a locomoção é lenta e difícil. Trata-se, em geral, de países pré-capitalistas.

A construção, portanto, de rotas comerciais modernas, rápidas e de fácil tráfego, reduz o banditismo. Burocracia e ineficiência favorecem o banditismo.

Após sua Revolução, a França deu origem a um Estado moderno que foi capaz de extinguir o banditismo, que não era social, que assolava a Renânia na década de 1790. Já a Alemanha após a Guerra dos Trinta anos restou desagregada, desordenada de tal forma que o banditismo reinou por lá por mais de um século após o fim daquele conflito.

O banditismo social teve protagonismo intenso na Europa, entre os séculos XVI, XVII e XVIII. No resto do mundo, entre os séculos XIX e XX. Contudo, ainda hoje, na região montanhosa da Sardenha, o fenômeno resiste na Europa. Supõe-se que os efeitos deletérios de duas Guerras Mundiais e de revoluções locais tenham lhe dado sobrevida.

Por seu turno, a história se desenvolveu de maneira distinta no sul da Itália. Região tradicionalmente infestada por “banditis”, o banditismo social teve seu apogeu há cerca de 150 anos, apenas. Foi no contexto de grandes rebeliões camponesas e de guerrilhas de bandoleiros, entre 1861 e 1865.

A região da Andaluzia, sul da Espanha, estava infestada por bandidos no século XIX. Mas tudo tem um fim. Francisco Rios, El Pernales, foi o último dos bandoleiros lendário da região.

No Nordeste do Brasil, o fenômeno do banditismo, aqui conhecido como cangaço, teve escalada ascendente desde 1870, atingindo o auge por volta de 1930. Por volta de 1940 já estava em seus estertores.

A análise dos nomes relacionados a esse fenômeno demonstra pessoas antes insubmissas, ou pessoas excluídas da trajetória de vida tradicional, por motivos diversos, do que rebeldes políticos ou desajustados sociais. Por algum desses motivos, ligam-se ao crime e à marginalidade.

Não se espere, contudo, que sejam pessoas com ideologia, profetas que tragam novos conceitos sobre organização social ou reforma dos valores tradicionais. São espíritos pragmáticos, pessoas práticas que trazem consigo conceitos sociais próprios do campesinato de que são oriundos. Isto é, o programa social do banditismo não passa da manutenção da ordem tradicional das coisas.

Seriam, no máximo reformadores, nunca revolucionários.

No entanto, o banditismo pode tomar o lugar reservado aos movimentos sociais, sendo uma espécie de alternativa a ele. Isso ocorre quando camponeses demonstram admiração por Robin Hoods, em vez de atuarem de maneira mais positiva em favor de seus interesses.

O banditismo somente toma proporções de movimento social, quando o fenômeno encontra o movimento já em curso, e assim se somam. Seria um banditismo como reação a um pseudo progresso. Isso ocorreu no reino de Nápoles, quando o povo e os bandidos se uniram e se levantaram contra os jacobinos e os estrangeiros. O fizeram em nome do papa, do rei e da Santa Sé. Nesse intento se mostraram mais revolucionários do que o papa e o rei.

N`outras vezes, o motivo que leva bandidos a agirem revolucionariamente passam pela vontade de pôr fim nos seus fantasmas: exploração, submissão. Sonham muitas vezes com um mundo sem males, um mundo de igualdade, fraternidade e liberdade. Esse é o sonho que embalava sociedades à espera da salvação, do Imperador Justo, da Rainha dos Mares do Sul, todos místicos símbolos de uma virada social, quando serão superados obstáculos e a perfeição reinará.

Um sociólogo, estudioso do assunto, comparou os cangaceiros nordestinos com uma irmandade, uma confraria de iguais. Impressionava a honestidade sem paralelos no seio dos bandos de cangaceiros.

Interessante notar que o banditismo pode ser precursor e anunciador de movimentos revolucionários. Isso ocorreu no nordeste dos cangaceiros, que passou a ser, anos depois, infestado por beatos e líderes messiânicos, pontas de lança do anarquismo rural.  

Quanto aos códigos morais, Lampião costumava declamar:

“Jurou vingar-se contra todos,
Dizendo “Nesse mundo só respeito
O Padim Ciço e mais ninguém”

Pois bem. Padre Cícero, o Messias de Juazeiro, como bem se sabe, foi o responsável por conseguir uma patente de oficial do Exército para o famoso cangaceiro.

Os bandidos podem se converter em outra coisa. Por exemplo, no sul da Itália, em 1861, tornaram-se exércitos de camponeses. Houve casos em que abandonaram o banditismo e vestiram fardas de soldados.  

E aqui temos um ponto importante a considerar. Quando o banditismo se funde em movimentos de maiores proporções, adquire corpo suficiente para mudar a sociedade. E em muitos casos, mudaram.
  

Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “Bandits”  


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