Logo após a implantação do Estado Novo, isto é, a Ditadura
varguista, surgiram os primeiros desentendimentos no seio golpista.
Por ter apoiado o grupo político dos ocupantes do Catete, Plínio
Salgado cria ter direito a um cargo de alto escalão no governo. Via-se até
mesmo como um futuro presidente em potencial. Mas a “recompensa” que receberia
era bem diferente do que esperava.
Sua AIB – Ação Integralista Brasileira – foi fechada. Em
represália, o líder da AIB, tenente Severo Fournier, comandou uma invasão ao
Palácio Guanabara. Esse episódio ficou conhecido como o “Putsch da AIB”, em
alusão ao episódio liderado por Adolf Hitler na Alemanha, o “Putsch da
Cervejaria”, em 1923.
A resistência dentro do Palácio foi protagonizada pela
família Vargas e alguns funcionários, de pistolas em punho, tentando manter os
invasores do lado de fora, até a chegada de reforços policiais. O saldo da
aventura foi de 4 soldados do Palácio mortos, ao lado de 7 rebeldes da AIB.
Mas o episodio serviu para alertar sobre a fragilidade do
aparato de segurança na sede do governo. Tomou-se logo como medida a
instituição da “Guarda Negra”, a guarda pessoal de Vargas, comandada por
Gregório Fortunato, capanga do presidente desde os tempos de militância em São
Borja, Gregório era filho de escravos alforriados e antigo funcionário da
família Vargas. O chefe da Guarda era Benjamin Vargas, dando o caráter
absolutamente reservado do aparato de segurança do Presidente.
Em 1939, a ditadura do Estado Novo reestruturou o DPDC –
Departamento de Propaganda e Difusão Cultural – dando origem ao DIP –
Departamento de Imprensa e Propaganda. Este atuava em conjunto com a polícia
política, representada pelo DOPS – Departamento de Ordem Política e Social.
Essas eram as ferramentas de que o Estado dispunha para
calar desafetos, reprimir demonstrações públicas de insatisfação e para manter
os artistas sob cabresto curto.
Uma das primeiras medidas adotadas foi a descriminalização
do samba e da capoeira. Outro fenômeno marcante ocorrido no período foi o fomento
à produção intelectual daqueles que ficaram reconhecidos na história como intérpretes
do Brasil.
Esse momento de intensa produção cultural teve precedentes:
a Semana de Arte Moderna de 1922, a geração de 1930 (Jorge Amado, Graciliano
Ramos, José Lins do Rego), o fenômeno Carmem Miranda, a criação do personagem
Zé Carioca pela Disney, as composições imortais de Heitor Villa-Lobos foram, ao
lado das obras literárias dos intelectuais da nossa nacionalidade, a amálgama
que deu sustentação a idéias de nacionalidade e desenvolvimento, que surgiam pela
primeira vez no país.
Durante a Era Vargas foram publicados: Casa Grande e
Senzala, de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; e
Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior.
Outro ingrediente desse molho foi a Copa do Mundo de 1938, na França. Para esse
torneio foi enviado, pela primeira vez, um selecionado nacional de jogadores de
futebol sem que houvesse interferência das Federações estaduais, que costumavam
impregnar as escolhas dos nomes com a desconcertante “politicagem”, inerente às
nossas instituições.
A marcante miscigenação brasileira, até então atacada como
fator a dificultar o desenvolvimento nacional, descrita quase como uma doença
por alguns intelectuais, passou a ser celebrada, como um fator a se somar às
qualidades nacionais. Os negros Domingos da Guia e Leonidas da Silva, este
exibindo 8 gols e a artilharia do torneio, tornaram-se craques de renome mundial
e símbolos do “Brasil que dá certo”. O Brasil chegou às semifinais, terminou em
terceiro lugar e só perdeu uma partida, para a campeã e favoritíssima Itália,
bicampeã em 1934 e 1938, por um apertado 2 x 1. Como uma ansiosa testemunha
daquele embate, nas tribunas, o criador do lema “Vencer ou Morrer”, o “Il Duce”
Benito Mussolini, assistia a tudo.
Diversos intelectuais foram atraídos para as fileiras novo-estadistas
por meio do Ministro da Educação Gustavo Capanema. Carlos Drummond de Andrade,
Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia, Plínio Salgado, Rosário Fusco, Gilberto
Freyre, Almir de Andrade, Azevedo Amaral, Candido Portinari, Lúcio Costa, Oscar
Niemeyer, Alceu Amoroso Lima, Tristão de Atahyde foram alguns desses nomes. Não
se olvide outro nome indelével das artes tupiniquins, Vinícius de Morais. O
poeta e letrista bossanovista foi censor cinematográfico, laborando no
Ministério da Educação varguista.
Foi o apoio e, até certo ponto, a abertura para a
contribuição cultural de divergentes que diferenciou sensivelmente a ditadura
varguista daquela posterior, de 1964, cujo trato com a intelectualidade era
tipo como ora desdenhoso, ora conflituoso.
Outro intelectual marcante durante o período do Estado Novo
chamava-se José Bento Renato Monteiro Lobato, mais conhecido apenas por
Monteiro Lobato. Foi perseguido e preso pelo DOPS, em 1941, mas o motivo nada
tinha a ver como o Sítio do Pica Pau Amarelo. Lobato defendia a soberania
nacional por meio da defesa da prospecção do petróleo em território brasileiro
em mãos estatais e sem participação estrangeira. Lobato também via a atuação
fraca e inoperante do Conselho Nacional do Petróleo como um ataque franco ao
país. Lobato expôs seus pontos de vista em carta endereçada ao presidente, o
que motivou seu recolhimento à Prisão Tiradentes.
Grande parte dos argumentos de Lobato foram, mais à frente,
utilizados como motivo fulcral para a fundação da Petrobras, pelo próprio Vargas,
após seu retorno ao poder, em 1950.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”
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