A Lei da Anistia foi promulgada em agosto de 1979. Sua
aprovação foi precedida por longas e tortuosas discussões que, embora tratassem
de um passado bastante recente, conseguiram criar versões as mais fictícias
possíveis.
Em um desses episódios, os demandantes da Anistia
apresentaram as esquerdas revolucionárias como braço armado do grupo que exigia
a manutenção da democracia, contra ao Golpe desferido em 1964. Agindo assim, enterraram
o período no qual abandonaram as lutas democráticas e agiram no sentido de
promover revoluções igualmente autoritárias, porém no extremo oposto do
espectro político.
Já os apoiadores da ditadura responderam com o velho
discurso, que repetiam há mais de uma década: diante das ações armadas
provocada por guerrilheiros revolucionários, o regime respondeu como julgava
adequado. A conclusão era óbvia: se havia um conflito, os dois lados eram
igualmente culpados. Daí conseguiu-se introduzir dispositivos na Lei da Anistia
que anistiavam os dois lados, torturados e torturadores. Chamaram essa obscenidade
de “anistia recíproca”.
Até as esquerdas engoliram esse discurso, não sem demonstrar
uma pontinha de orgulho diante do perigo que elas representavam, ao menos nos
discursos interessados do regime.
Uma outra tentativa, bem sucedida até certo ponto, de
reescrever a história pode ser bem observada, conforme o regime chagava ao fim.
Os episódios do início dos anos 1960, como a eleição de Jânio, as Marchas pela
Família, os políticos reacionários eleitos aos montes, os governadores eleitos
com discursos anti-Vargas, anti-Jango, as centenas de jornalistas e suas
matérias que insuflavam o povo contra os “comunistas”, o ódio contra políticas
distributivas de renda, as denúncias contra pessoas que se opunham à ditadura, jogando-os
os calabouços fétidos, o silêncio complacente diante dos eventuais bons
números da economia, tudo, tudo foi esquecido. Ao fim, a ditadura era um corpo
indesejado que se apoderou da sociedade, a contragosto desta.
Ninguém mais era responsável por aquilo. O bom brasileiro,
ser de bom coração, pacífico e honesto havia sido violentamente atacado por
militares autoritários, decididos a por dezenas de milhões de pessoas no cabresto.
Ninguém queria assumia qualquer responsabilidade pelos fatos, velhos de
décadas. Ninguém queria ser visto como apoiador de torturadores, especialmente
quando empregos sumiam, salários eram achatavam e a crise da dívida externa
atormentava o país.
Literalmente, os brasileiros comeram e agora queriam defecar
a ditadura.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”
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