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quarta-feira, 5 de abril de 2017

GOLPE DE 1964: ANISTIA QUE DÁ EM ZÉ, DÁ EM JOSÉ?


A Lei da Anistia foi promulgada em agosto de 1979. Sua aprovação foi precedida por longas e tortuosas discussões que, embora tratassem de um passado bastante recente, conseguiram criar versões as mais fictícias possíveis.

Em um desses episódios, os demandantes da Anistia apresentaram as esquerdas revolucionárias como braço armado do grupo que exigia a manutenção da democracia, contra ao Golpe desferido em 1964. Agindo assim, enterraram o período no qual abandonaram as lutas democráticas e agiram no sentido de promover revoluções igualmente autoritárias, porém no extremo oposto do espectro político.

Já os apoiadores da ditadura responderam com o velho discurso, que repetiam há mais de uma década: diante das ações armadas provocada por guerrilheiros revolucionários, o regime respondeu como julgava adequado. A conclusão era óbvia: se havia um conflito, os dois lados eram igualmente culpados. Daí conseguiu-se introduzir dispositivos na Lei da Anistia que anistiavam os dois lados, torturados e torturadores. Chamaram essa obscenidade de “anistia recíproca”.

Até as esquerdas engoliram esse discurso, não sem demonstrar uma pontinha de orgulho diante do perigo que elas representavam, ao menos nos discursos interessados do regime.

Uma outra tentativa, bem sucedida até certo ponto, de reescrever a história pode ser bem observada, conforme o regime chagava ao fim. Os episódios do início dos anos 1960, como a eleição de Jânio, as Marchas pela Família, os políticos reacionários eleitos aos montes, os governadores eleitos com discursos anti-Vargas, anti-Jango, as centenas de jornalistas e suas matérias que insuflavam o povo contra os “comunistas”, o ódio contra políticas distributivas de renda, as denúncias contra pessoas que se opunham à ditadura, jogando-os os calabouços fétidos, o silêncio complacente diante dos eventuais bons números da economia, tudo, tudo foi esquecido. Ao fim, a ditadura era um corpo indesejado que se apoderou da sociedade, a contragosto desta.

Ninguém mais era responsável por aquilo. O bom brasileiro, ser de bom coração, pacífico e honesto havia sido violentamente atacado por militares autoritários, decididos a por dezenas de milhões de pessoas no cabresto. Ninguém queria assumia qualquer responsabilidade pelos fatos, velhos de décadas. Ninguém queria ser visto como apoiador de torturadores, especialmente quando empregos sumiam, salários eram achatavam e a crise da dívida externa atormentava o país.       

Literalmente, os brasileiros comeram e agora queriam defecar a ditadura.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”

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