Assim que se iniciou o governo do presidente-general Ernesto
Geisel, em 1974, tornou-se claro que a nova realidade internacional não
auxiliaria a repetição dos números brilhantes dos anos anteriores.
Em 1971, os EUA deram adeus à ordem monetária baseada em
Bretton Woods. Em 1973, ocorreu o primeiro choque do petróleo: o produto ficou
10 vezes mais caro no mercado internacional. Poucos anos após viria um segundo.
As conseqüências para o Brasil foram dramáticas, posto ser o país um grande
importador do ouro negro.
O mercado internacional degringolou, as principais nações
adotaram medidas protecionistas, revertendo os anos de aumento dos intercâmbios
comerciais entre 1967 e 1973.
No entanto, a medida tomada pelo governo brasileiro foi uma
quase negação da realidade. Lançou-se o II Plano Nacional de Desenvolvimento –
PND, cuja meta era: autonomia para conquistar o desenvolvimento segundo os
interesses nacionais.
Na vertente educacional e intelectual, o governo enveredou
pelos currículos dos cursos de pós-graduação, buscando direcioná-lo às
necessidades nacionais. Criaram-se as agências de incentivo cultural:
Embrafilme, Funarte, Serviço Nacional de Teatro/SNT.
A oitava maior economia do mundo não poderia ter seu
crescimento arrefecido. Embora Geisel fosse identificado com o grupo mais
moderado, da linhagem de Castelo Branco, o caminho do crescimento não retomou a
ideologia internacionalista-liberal.
O objetivo de alcançar a autonomia do país nas suas decisões
perpassou a política externa, também. Reconheceu-se a independência de Angola
tão logo este país se livrou de Portugal; estabeleceram-se relações comerciais
com a China; por meio de visitas de Geisel à Inglaterra e à França, o Brasil se
aproximou substantivamente da Comunidade Européia – destes acordos surgiu o programa
nuclear brasileiro, firmado com a Alemanha, apesar dos protestos yankees.
Com relação aos EUA, o governo brasileiro denunciou o acordo
militar firmado em 1952, deixando um sabor amargo, devido à maneira brusca como
se deu o episódio.
Impossível não comparar a nova política externa, de
não-alinhamento automático, com aquela desenhada por Jânio, Jango e Vargas, tão
defenestrada décadas antes pela direita empedernida de outrora.
No plano político, a estratégia era semelhante a uma
retirada de tropas durante uma batalha: abertura lenta, gradual e segura.
Embora a sociedade já não demonstrasse tanta empolgação com o governo dos generais,
houve resistências, especialmente oriundas da chamada “comunidade das
informações”, isto é, a polícia política. Eram oficiais que forneciam as
informações de que o aparelho repressor necessitava para empreender suas torturas,
assassinatos, prisões e desbaratamento de organizações clandestinas.
Esses oficiais não punham a “mão na massa”, ou seja, não
praticavam o mal diretamente, mas forneciam tudo o que era necessário para que
este se realizasse, por outras mãos. Sobre eles pode-se ler “A banalidade do
mal”, de Hannah Arendt. Estes e outros “homens do sistema” tinham consciência
que apenas os “anos de chumbo” os manteriam impunes e imunes. O fim do regime
significava o fim dos seus doces anos de salários polpudos e autorização para
fazer o que bem quisessem.
E eles se opuseram à abertura como puderam, explodindo
bombas, matando pessoas e pondo a culpa nos “comunistas”.
Do outro lado da cerca, havia o que um dia foi chamado de “esquerdistas
revolucionários”. Presos, no exílio ou alienados das militâncias políticas,
eles ainda incomodavam quando abriam a boca e recebiam o foco das câmeras. E o
incômodo maior se dava quando as denúncias partiam do exterior, chamando
atenção de outros países, consternados pelas histórias brutais do submundo da
repressão brasileira.
Os grupos acima evoluíram até a campanha pela anistia –
ampla, geral e irrestrita.
Como ocorre em toda parte, entre os extremos havia a maioria, moderada. Esses foram os grandes
vencedores nas eleições de 1974, sob a legenda do MDB. O poder quase hegemônico
da ARENA foi derrotado.
Inicialmente, Geisel deu ainda mais poder à polícia
política. O resultado trágico foram os assassinatos do jornalista Vladimir
Herzog e do operário Manoel Fiel Filho. O governo respondeu com a demissão do
general Ednardo D`Ávila, comandante do II Exército.
O recado foi claro: a polícia política já não mais podia
fazer o que quisesse.
Com a demissão seguinte, do Ministro do Exército Sylvio
Frota, a perspectiva do fim do regime se avizinhava.
Mas, como bem dissera o presidente-general, a abertura era
lenta, segura e gradual. Para conter a onda emedebista, fez passar a Lei
Falcão, que silenciava os programas eleitorais, não deixando ressoar os
discursos oposicionistas.
Na sequência, veio o Pacote de Abril, de 1977, que
reformulou todo o sistema eleitoral do país. Mandatos foram cassados, surgiram senadores
biônicos (eleitos indiretamente), alteraram-se os coeficientes eleitorais,
fortalecendo os estados federados dominados pela ARENA etc.
Com tudo isso, Geisel conseguiu eleger seu sucessor: o general
João Baptista Figueiredo, o último general-presidente. Não sem antes estender em
um ano seu mandato.
Com a perspectiva de devolução do poder aos civis e tendo
garantido a retaguarda necessária para conter a oposição, Geisel suspendei a
censura aos jornais em 1978. E ainda garantiu a eleição de seus apoiadores nas
grandes cidades, nas eleições de 1978.
A atmosfera mais leve fez ressurgirem as manifestações
públicas, após mais de 10 anos. Movimentos estudantis e pela anistia tomaram a
frente, pouco antes das greves anunciadas pelo movimento operário de São
Bernardo.
Embora significativas, tais manifestações ainda se deram em
ambiente de repressão, com respostas duríssimas vindas do Estado.
O AI-5 expirou seus efeitos junto com o ano de 1978. 1979 se
iniciava com um arremedo de Estado de Direito: a Constituição era aquela
autoritária, de 1967, emendada por diversas restrições de direitos, dando fulcro
a uma miríade de leis repugnantes, conjuntamente conhecidas como “entulho
autoritário”.
Mas as baionetas estavam caladas... Ao menos
temporariamente.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”
Nenhum comentário:
Postar um comentário