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quarta-feira, 5 de abril de 2017

GOLPE DE 1964: GEISEL E A NEGAÇÃO DA REALIDADE


Assim que se iniciou o governo do presidente-general Ernesto Geisel, em 1974, tornou-se claro que a nova realidade internacional não auxiliaria a repetição dos números brilhantes dos anos anteriores.

Em 1971, os EUA deram adeus à ordem monetária baseada em Bretton Woods. Em 1973, ocorreu o primeiro choque do petróleo: o produto ficou 10 vezes mais caro no mercado internacional. Poucos anos após viria um segundo. As conseqüências para o Brasil foram dramáticas, posto ser o país um grande importador do ouro negro.

O mercado internacional degringolou, as principais nações adotaram medidas protecionistas, revertendo os anos de aumento dos intercâmbios comerciais entre 1967 e 1973.

No entanto, a medida tomada pelo governo brasileiro foi uma quase negação da realidade. Lançou-se o II Plano Nacional de Desenvolvimento – PND, cuja meta era: autonomia para conquistar o desenvolvimento segundo os interesses nacionais.

Na vertente educacional e intelectual, o governo enveredou pelos currículos dos cursos de pós-graduação, buscando direcioná-lo às necessidades nacionais. Criaram-se as agências de incentivo cultural: Embrafilme, Funarte, Serviço Nacional de Teatro/SNT.

A oitava maior economia do mundo não poderia ter seu crescimento arrefecido. Embora Geisel fosse identificado com o grupo mais moderado, da linhagem de Castelo Branco, o caminho do crescimento não retomou a ideologia internacionalista-liberal.

O objetivo de alcançar a autonomia do país nas suas decisões perpassou a política externa, também. Reconheceu-se a independência de Angola tão logo este país se livrou de Portugal; estabeleceram-se relações comerciais com a China; por meio de visitas de Geisel à Inglaterra e à França, o Brasil se aproximou substantivamente da Comunidade Européia – destes acordos surgiu o programa nuclear brasileiro, firmado com a Alemanha, apesar dos protestos yankees.

Com relação aos EUA, o governo brasileiro denunciou o acordo militar firmado em 1952, deixando um sabor amargo, devido à maneira brusca como se deu o episódio.   

Impossível não comparar a nova política externa, de não-alinhamento automático, com aquela desenhada por Jânio, Jango e Vargas, tão defenestrada décadas antes pela direita empedernida de outrora.

No plano político, a estratégia era semelhante a uma retirada de tropas durante uma batalha: abertura lenta, gradual e segura. Embora a sociedade já não demonstrasse tanta empolgação com o governo dos generais, houve resistências, especialmente oriundas da chamada “comunidade das informações”, isto é, a polícia política. Eram oficiais que forneciam as informações de que o aparelho repressor necessitava para empreender suas torturas, assassinatos, prisões e desbaratamento de organizações clandestinas.

Esses oficiais não punham a “mão na massa”, ou seja, não praticavam o mal diretamente, mas forneciam tudo o que era necessário para que este se realizasse, por outras mãos. Sobre eles pode-se ler “A banalidade do mal”, de Hannah Arendt. Estes e outros “homens do sistema” tinham consciência que apenas os “anos de chumbo” os manteriam impunes e imunes. O fim do regime significava o fim dos seus doces anos de salários polpudos e autorização para fazer o que bem quisessem.  

E eles se opuseram à abertura como puderam, explodindo bombas, matando pessoas e pondo a culpa nos “comunistas”.

Do outro lado da cerca, havia o que um dia foi chamado de “esquerdistas revolucionários”. Presos, no exílio ou alienados das militâncias políticas, eles ainda incomodavam quando abriam a boca e recebiam o foco das câmeras. E o incômodo maior se dava quando as denúncias partiam do exterior, chamando atenção de outros países, consternados pelas histórias brutais do submundo da repressão brasileira.

Os grupos acima evoluíram até a campanha pela anistia – ampla, geral e irrestrita.

Como ocorre em toda parte, entre os extremos havia  a maioria, moderada. Esses foram os grandes vencedores nas eleições de 1974, sob a legenda do MDB. O poder quase hegemônico da ARENA foi derrotado.

Inicialmente, Geisel deu ainda mais poder à polícia política. O resultado trágico foram os assassinatos do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho. O governo respondeu com a demissão do general Ednardo D`Ávila, comandante do II Exército.

O recado foi claro: a polícia política já não mais podia fazer o que quisesse.

Com a demissão seguinte, do Ministro do Exército Sylvio Frota, a perspectiva do fim do regime se avizinhava.

Mas, como bem dissera o presidente-general, a abertura era lenta, segura e gradual. Para conter a onda emedebista, fez passar a Lei Falcão, que silenciava os programas eleitorais, não deixando ressoar os discursos oposicionistas.

Na sequência, veio o Pacote de Abril, de 1977, que reformulou todo o sistema eleitoral do país. Mandatos foram cassados, surgiram senadores biônicos (eleitos indiretamente), alteraram-se os coeficientes eleitorais, fortalecendo os estados federados dominados pela ARENA etc.

Com tudo isso, Geisel conseguiu eleger seu sucessor: o general João Baptista Figueiredo, o último general-presidente. Não sem antes estender em um ano seu mandato.  

Com a perspectiva de devolução do poder aos civis e tendo garantido a retaguarda necessária para conter a oposição, Geisel suspendei a censura aos jornais em 1978. E ainda garantiu a eleição de seus apoiadores nas grandes cidades, nas eleições de 1978.

A atmosfera mais leve fez ressurgirem as manifestações públicas, após mais de 10 anos. Movimentos estudantis e pela anistia tomaram a frente, pouco antes das greves anunciadas pelo movimento operário de São Bernardo.

Embora significativas, tais manifestações ainda se deram em ambiente de repressão, com respostas duríssimas vindas do Estado.

O AI-5 expirou seus efeitos junto com o ano de 1978. 1979 se iniciava com um arremedo de Estado de Direito: a Constituição era aquela autoritária, de 1967, emendada por diversas restrições de direitos, dando fulcro a uma miríade de leis repugnantes, conjuntamente conhecidas como “entulho autoritário”.

Mas as baionetas estavam caladas... Ao menos temporariamente.   


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”

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