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quarta-feira, 19 de abril de 2017

REFAVELA – GILBERTO GIL REVELA A FAVELA


A refavela 
Revela aquela 
Que desce o morro e vem transar 
O ambiente 
Efervescente 
De uma cidade a cintilar 

Nada mais natural que começar a letra descrevendo aquilo que se deseja analisar. Infelizmente o Gil cita uam constatação triste: da favela saem grande parte das garotas de programa das nossas cidades. Pobreza e preconceitos mil relegam as negras e mulatas à triste realidade da prostituição.
Mas existem os contrapontos, citados ao longo da letra. As favelas também foram berço de diversos estilos musicais e de diversões: samba, bailes dos anos 1970, funk carioca, rap paulista etc.

A refavela 
Revela o salto 
Que o preto pobre tenta dar 
Quando se arranca 
Do seu barraco 
Prum bloco do BNH 

As construções voltadas para as pessoas de baixa renda, como os conjuntos financiados pelo Banco Nacional da Habitação, ou BNH, nos anos 1970 e 1980, antepassado do “Minha Casa, Minha Vida” e abortado pela escalada incontrolada da inflação, dava oportunidade de moradores de zonas irregulares adquirirem seu sonhado lar. Certamente apenas os mais bem empregados teriam essa oportunidade, revelando assim os casos de sucesso locais.
Deixar a favela para trás é, certamente, o sonho de muitos.
E não se pense que isso é traição: morar num barraco dependurado numa encosta é necessidade, não projeto de vida.

A refavela, a refavela, ó 
Como é tão bela, como é tão bela, ó 

Mas é impossível desconectar o ambiente das pessoas lá inserida. Sim, o lugar pode ser asqueroso, mas as pessoas, não.  

A refavela 
Revela a escola 
De samba paradoxal 
Brasileirinho 
Pelo sotaque 
Mas de língua internacional 

Aqui nessa estrofe, Gil se refere a um dos produtos mais celebrados das favelas: o samba. O sucesso internacional e as dimensões que esse estilo musical, somado à festa anual que comemora, é, ao lado de grandes jogadores de futebol, uma prova viva da capacidade criativa de pessoas nascidas nas condições mais adversas imagináveis.

A refavela 
Revela o passo 
Com que caminha a geração 
Do black jovem 
Do black-Rio 
Da nova dança no salão 

Nessa estrofe, Gil fala da juventude, em geral mais permeável a novidades. São os jovens que disseminam as criações culturais saídas das favelas.
Decadas atrás ocorreu com sambistas como Bezerra da Silva, que cantava o samba-marginal, cujas letras descreviam crimes e contravenções com bastante humor. Moradores de bairros afluentes, em geral jovens, passaram a ter contato com aquela cultura marginalizada, e isso abriu portas e mudou o modo como aquela geração encarava o samba e, consequentemente, as favelas.
As gerações mais recentes viveram o mesmo com o funk.

Iaiá, kiriê 
Kiriê, iaiá 

É música, né... J

A refavela 
Revela o choque 
Entre a favela-inferno e o céu 
Baby-blue-rock 
Sobre a cabeça 
De um povo-chocolate-e-mel 

A letra fala de oposições, paradoxos. Novamente o tema retorna nos três primeiros versos.
Não custa lembrar, como se faz referência, que blues e rock são subprodutos do jazz, estilo musical norte-americano e originalmente negra.  

A refavela 
Revela o sonho 
De minha alma, meu coração 
De minha gente 
Minha semente 
Preta Maria, Zé, João 

Como já havia sido falado anteriormente nessa música, a favela revela pessoas, com seus sonhos, paixões, amores. Pessoas comuns, brasileirinhos como a Maria, o Zé, o João etc.

A refavela, a refavela, ó 
Como é tão bela, como é tão bela, ó 

De novo, é uma música... J

A refavela 
Alegoria 
Elegia, alegria e dor 
Rico brinquedo 
De samba-enredo 
Sobre medo, segredo e amor 

Nessa estrofe Gil se concentra sobre o samba-enredo, mote dos desfiles de escolas de samba. São muitos os sambas-enredo que falam das favelas, da escravidão, de navios negreiros etc. Citações claras a um passado terrível que ainda aflige pessoas de pele negra, ampla maioria nas favelas.

A refavela 
Batuque puro 
De samba duro de marfim 
Marfim da costa 
De uma Nigéria 
Miséria, roupa de cetim 

Bom, os dois primeiros versos se referem ao batuque nascido nas favelas. O terceiro mistura referências ao samba e à África. Na sequência, a referência fica mais clara: Costa do Marfim, região próxima à Fortaleza de onde saiam os escravos.

Iaiá, kiriê 
Kiriê, iáiá.


Fim.


RUBEM L. DE F. AUTO

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