No seu discurso de posse, Costa e Silva prometeu quase tudo que
sabia ser impossível cumprir – democracia, estabilidade jurídica e reformas – e
finalizou com uma frase a um só tempo abstrata e de cunho fascista: “A meta do
meu governo é o homem”. Quase uma referência implícita ao “homem soviético” ou
ao “homem ariano”.
O novo Ministro da Fazenda, Delfim Neto, enfatizava aquilo
que considerava relevante para a retomada da economia: queda dos juros, redução
de tarifas, ampliação do crédito, incentivo aos investimentos e Às exportações.
O resultado positivo começou a despontar em 1967:
crescimento de 4,8%. Em 1968, o dobro: 9,3%., assim distribuídos: indústrias
15,5%, construção civil 17%.
Essa retomada teve alguns fatores impulsionadores. A ociosidade
do parque industrial, a demanda reprimida e contas públicas menos endividadas, resultantes
dos anos anteriores de medidas recessivas, ajudaram; assim como um cenário
externo, que viveu anos de bonança entre 1967 e 1973 (crescimento médio de 18%
ao ano), que garantiram a demanda externa alentadora.
Mas essa recuperação não garantiu dias menos conturbados ao
novo governo. Dissidentes do movimento golpista passaram a protagonizar
movimentos de oposição. Formou-se a Frente Ampla, composta por Carlos Lacerda,
João Goulart e Juscelino Kubitscheck, ainda em 1967.
Havia também uma oposição liberal, composta por grandes
jornais (Jornal do Brasil e Estado de SP). Ao seu lado, setores da Igreja
Católica igualmente dissidentes, que denunciavam a política econômica
concentradora de renda e protegiam perseguidos políticos.
Foram os anos em que floresceram as músicas de protesto:
Geral Vandré, Chico Buarque, Caetano Veloso e muitos outros. Dentro dos círculos
intelectualizados, também vicejavam manifestações em oposição.
Mas não uma única posição. Havia também a Jovem Guarda
(Roberto e Erasmo Carlos, dentre outros), que fazia grande sucesso e
demonstrava qualquer posicionamento político, nem a favor nem contra.
No cinema, filmes “politizados”, como os de Glauber Rocha e
Rui Guerra, empolgavam o público mais “engajado”, embora os filmes mais que
mais populares fosse os de Roberto Farias e José Mojica, o Zé do Caixão.
Mas para as massas, o grande público, sem dinheiro para freqüentar
cinemas, teatros ou comprar bons livros, o programa diários eram as novelas, programas
de humor, todos devidamente domados pela censura prévia.
Inicialmente, a oposição a Costa e Silva era encarnada pelos
movimentos estudantis. Culminaram com a Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro.
A repressão policial desmesurada e desproporcional se fez presente, mas não
impediu que estudantes secundaristas, escritores, cineastas e outros se unissem
a eles.
O capítulo da lutas democráticas viria o surgimento das
lutas armadas. Ainda em 1965, o ten. cel. Jeferson Cardim tentou constituir uma
coluna saindo do Sul do país. Em 1966, a Serra do Caparaó sofreu uma invasão
militar que desmantelou o grupo guerrilheiro que lá se abrigava.
A sociedade assistia espantada ao desenrolar dessas ações.
A reação do governo Costa e Silva foi explosiva. Ainda no
segundo semestre de 1968, os movimentos estudantis perderam força. A repressão dava
sinais de que vaia tudo, vida ou morte estavam em jogo, e a grande maioria não
estava disposta a atuar nesses extremos.
O capítulo final das lutas estudantis se deu quando as
principais lideranças foram presas em Ibiúna, por ocasião do XXX Congresso da
UNE.
Em abril de 1968, a tal Frente Ampla foi tornada ilegal. As
principais lideranças liberais ficaram sem um grupo político que os
representassem. Restava apenas o MDB, que se tornava um balaio de gato, um
partido que abrigava um espectro exageradamente amplo de posições políticas.
No meio de todo esse redemoinho, um fato que poderia ser considerado
insignificante a princípio elevou o regime ditatorial a um novo patamar, frente
ao qual o ambiente de 1964 seria uma quase-democracia. Após um discurso
veemente contra as Forças Armadas, proferido pelo deputado Márcio Moreira
Alves, a base do governo exigiu a abertura de uma CPI que punisse o parlamentar
rebelde. O Congresso se recusou a processá-lo. Em retaliação, Costa e Silva
decretou o AI-5, em dezembro de 1968.
A partir de então o Congresso foi fechado e o presidente
passou a deter em suas mãos todo o poder da nação.
Na opinião de muitos analistas, ocorreu então o golpe dentro
do golpe.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”
Nenhum comentário:
Postar um comentário