Trechos do livro “Suécia: um país sem excelências e
mordomias”, de Cláudia Wallin.
“Na Suécia do século XVIII e início do século XIX, não eram
poucos os cidadãos que caminhavam na contramão da moralidade. Mas a partir de
1840, havia sido posto em marcha um processo que lançaria as bases de uma
sólida e duradoura cultura de honestidade no país.
(...)
A tarefa pela frente era ciclópica: no Reino da Suécia
daquela época, subornos eram abundantes, as relações e contatos privilegiados
com a corte do rei eram mais importantes do que as leis, a nobreza tinha
precedência no loteamento de cargos nos tribunais e no setor público, oficiais
militares e servidores públicos compravam e vendiam posições.
Nem a escancarada incompetência para o exercício de um cargo
era argumento válido para afastar uma autoridade. Também era comum, entre os
servidores públicos, receber renda de terras e propriedades associadas à
posição que ocupavam. Além disso, o acesso às universidades era em grande parte
baseado em contatos pessoais privilegiados. A situação nas faculdades de
Direito nesse período é descrita por historiadores como “um verdadeiro lamaçal
intelectual e organizacional”, que durou até as primeiras décadas do século
XIX.
A primeira providência foi reformar o setor público para a
criação de uma estrutura weberiana, em que os servidores públicos passaram a
ser recrutados com base em critérios de mérito e competência técnica, em
concursos abertos e regulamentados por um conjunto de regras universais. Esta
reforma foi implementada entre 1860 e 1875, e foi dramática.
A nova moral exigida dos funcionários públicos, no trato com
os cidadãos, o critério da imparcialidade. Agir de forma imparcial demandava
tratar todos de forma igualitária, sem distinções, e com respeito e atenção.
Sem privilegiar, como na velha ordem, relações e interesses pessoais.
(...)
“A velha noção de que o cargo público era uma espécie de
propriedade começava a desaparecer”, escreveu em 1896 o historiador Emil
Hildbrand, chefe do Arquivo Nacional Sueco à época.
(...)
Em 1842, a reforma do sistema escolar criou o ensino
obrigatório e gratuito para todos. Em 1845, o direito do governo de confiscar
jornais foi abolido, dando origem a um vívido debate na mídia sobre os atos do
poder. No mesmo ano, foi abolida a supremacia da aristocracia na ocupação de
altos postos da burocracia estatal. Em 1862, um revitalizado código criminal
estabeleceu uma nova lei para punir a má conduta no exercício de cargos
públicos. Em 1863, foi aprovada a reforma do ensino universitário. Em 1866,
teve início uma ampla reforma parlamentar. Em 1876, uma abrangente
reorganização da burocracia nacional foi conduzida. A lista de reformas era
extensa.
Foi uma metamorfose de valores. A Suécia construía, assim,
uma sociedade caracterizada pela qualidade do governo e a confiança nas
instituições democráticas. Todos podiam constatar que o velho e corrupto
sistema de antes estava moribundo: tinha os dias contados.
(...)
No fim do século XIX, segundo estudiosos suecos e
estrangeiros, a corrupção política havia sido praticamente erradicada na Suécia
em nível nacional.
(...)
Como dia Rothstein, sabe-se que ser o único honesto no “jogo
podre” de um sistema corrupto não resolve a questão da corrupção. Em um sistema
profundamente corrupto, cita o estudo, a necessidade de oferecer e exigir
suborno torna-se de tal forma impregnada no “mapa mental” das pessoas que acaba
tornando-se uma instituição informal na sociedade. Quando se é parado pela
polícia, quando se pede um alvará para abrir um restaurante ou quando se busca
um emprego no setor público, pagar suborno ou agir de forma ilegal é o
procedimento padrão em um sistema corrupto.
(...)
Rothstein diz que um fator importante deve ser realçado:
embora a corrupção tenha características culturais, ela não é culturalmente
determinada. Como exemplo, ele cita os casos de Hong Kong e Cingapura. Um
estudo conduzido pelo cientista Hilton Root demonstra, segundo ele, que o
extraordinário crescimento econômico alcançado por estas sociedade teve como pré-requisito
uma bem sucedida luta contra a corrupção iniciada na década de 1970.
(...)
- A corrupção endêmica não é uma falha que pode ser
corrigida com um ajuste técnico ou um empurrão político. Ela é a forma como um
sistema funciona, e está profundamente entranhada nas regras e expectativas da
vida social e política. Para reduzir a corrupção a níveis menos destrutivos
- e mantê-lo em tal patamar – é necessária
uma reforma revolucionária das instituição.”
Rubem L. de F. Auto
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