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quarta-feira, 26 de abril de 2017

AGOSTO, UM MÊS SEM ROSTO, TRAZ COMO FIM, O DESGOSTO


Vargas desabafava: “Carlos Lacerda levou um tiro no pé. Eu levei dois tiros nas costa!”. Assim o presidente recebeu a notícia do atentado da Rua Tonelero, ocorrido em 5 de agosto de 1954, que vitimou o major da Aeronáutica Rubem Vaz e deixou seu principal desafeto ferido no pé.

Lacerda, jornalista virulento que era, usou o episódio para defenestrar o governo daquele que supunha ser o mandante do imbróglio. Embora mantivesse sua popularidade em excelentes patamares, seu inimigos cativos – imprensa, militares, udenistas, classe média e empresários etc – não hesitavam atacá-lo de todas as formas possíveis. Argumentavam que o “velho” representava atraso e autoritarismo, sem falar no rótulo do “populismo” com que tentavam identificá-lo.

Em outros tempos, Vargas contava com o apoio das Forças Armadas para conter movimentos golpistas contra si. Agora, isso não era mais possível. Góis Monteiro se encontrava isolado por conta dos grupos de milicos liberais e anti-nacionalistas. Dutra era agora seu inimigo político.

Quando a pressão sobre o governo atingiu o ápice, o fim trágico parecia inevitável. Na noite de 4 de agosto de 1954, homens da Guarda Negra de Getúlio cercaram Carlos Lacerda e Rubem Vaz na rua Tonelero, localizada no bairro de Copacabana. Lá, residia Lacerda. Alcino João do Nascimento disparou sua pistola Smith & Welson – estranhamente de uso reservado às Forças Armadas.

Após socorridos no hospital, o major não resistiu aos ferimentos e faleceu. Lacerda, não. Seu editorial seguinte ao episódio bradava:

“Mas, perante Deus,acuso um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões, cuja impunidade lhes dá audácia para atos como os desta noite. Este homem chama-se Getulio Vargas.”

Em 9 de agosto, Afonso Arinos de Melo Franco, líder da UDN, pediu a renúncia de Vargas. Consequência previsível, logo a classe média aderiu ao “Fora Getúlio!”.

Vargas procurou amenizar as críticas, tomando medidas cosméticas, como dissolver sua Guarda Negra. Tanto a polícia civil quanto a Aeronáutica investigavam o incidente. O uso político da se fazia do crime levou a Aeronáutica a ser apelidada de “República do Galeão”.

Após uma reunião de emergência com seus ministros, ao final da qual nada havia sido definido, Getúlio anotou em seu diário:

“Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou decidir: determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se a ordem for mantida, entrarei com pedido de licença. Em caso contrário, os revoltosos encontrarão aqui o meu cadáver.”

Getúlio deixou o gabinete em direção a seus aposentos. No caminho, presentei seu Ministro da Justiça, Tancredo Neves, com uma caneta Parker.

Na manhã de 24 de agosto, escutou-se o tiro derradeiro. O “velho” se suicidou.

Não sem antes, contudo, deixar um presente explosivo: sua “carta-testamento”. Nela, Getúlio expunha suas angústias e citava, ainda que superficialmente, o jogo dura da política que se fazia, expondo-a como deletéria aos interesses nacionais, cuja defesa procurou sempre encarnar. A leitura desse documento, por meio da Rádio Nacional, fez os ânimos populares explodirem em fúria incontida. O “pai dos pobres” precisava ser vingado. E quem faria isso eram os pobre.

As sedes dos jornais Tribuna da Imprensa e O Globo foram atacadas. Carlos Lacerda se escondeu do populacho: se achado, não tomaria apenas um tiro no pé... A Embaixada dos EUA e o prédio da Standard Oil foram invadidos e suas instalações, destruídas.

Embora espontâneas, essas demonstrações de fúria tiveram uma singela coordenação do PCB: o partidão, que havia se distanciado de Vargas, agora usava o suicídio do velho para atacar o imperialismo yankee e tudo o mais que odiavam.

O caixão de Getúlio foi cortejado em todo o trajeto até o aeroporto Santos Dumont. Seu corpo seguia para a terra natal, São Borja, RS. O sepultamento no mausoléu da família foi precedido por discursos de colaboradores próximos, como Osvaldo Aranha, João Goulart e Tancredo Neves.

Embora deixasse a vida, de fato, o velho era agora imortalizado na história.         

Quanto aos autores do homicídio na Tonelero, cinco foram os condenados. Gregório Fortunato, sentenciado a 25 anos de prisão como mandante e autor intelectual do crime, foi recolhido à Penitenciária Lemos de Brito.

Mas o povo parecia indiferente a essas sentenças: para eles, tratou-se claramente de um complô udenista para matar o presidente. Os presos seriam apenas bodes-expiatórios.

Fortunato foi assassinado em 1962. O motivo teria sido uma briga entre presos. Outro condenado, Climério, morreu igualmente preso, em 1975, há poucos meses de deixar a cadeia.

Alcino, outro dos condenados, sobreviveu a duas tentativas de assassinato. Em 2004, já contando 82 anos, Alcino retornou à cena do crime. Lá, contou sua versão, a mesma que declarou quando de sua prisão: o tiro fatal no major foi dado por Carlos Lacerda! Aproveitou para culpar a Aeronáutica pelo desenrolar, bastante suspeito, das “investigações”.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”   

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