Vargas desabafava: “Carlos Lacerda levou um tiro no pé. Eu
levei dois tiros nas costa!”. Assim o presidente recebeu a notícia do atentado
da Rua Tonelero, ocorrido em 5 de agosto de 1954, que vitimou o major da
Aeronáutica Rubem Vaz e deixou seu principal desafeto ferido no pé.
Lacerda, jornalista virulento que era, usou o episódio para
defenestrar o governo daquele que supunha ser o mandante do imbróglio. Embora
mantivesse sua popularidade em excelentes patamares, seu inimigos cativos –
imprensa, militares, udenistas, classe média e empresários etc – não hesitavam
atacá-lo de todas as formas possíveis. Argumentavam que o “velho” representava atraso
e autoritarismo, sem falar no rótulo do “populismo” com que tentavam identificá-lo.
Em outros tempos, Vargas contava com o apoio das Forças
Armadas para conter movimentos golpistas contra si. Agora, isso não era mais
possível. Góis Monteiro se encontrava isolado por conta dos grupos de milicos
liberais e anti-nacionalistas. Dutra era agora seu inimigo político.
Quando a pressão sobre o governo atingiu o ápice, o fim
trágico parecia inevitável. Na noite de 4 de agosto de 1954, homens da Guarda
Negra de Getúlio cercaram Carlos Lacerda e Rubem Vaz na rua Tonelero,
localizada no bairro de Copacabana. Lá, residia Lacerda. Alcino João do
Nascimento disparou sua pistola Smith & Welson – estranhamente de uso
reservado às Forças Armadas.
Após socorridos no hospital, o major não resistiu aos
ferimentos e faleceu. Lacerda, não. Seu editorial seguinte ao episódio bradava:
“Mas, perante Deus,acuso um só homem como responsável por
esse crime. É o protetor dos ladrões, cuja impunidade lhes dá audácia para atos
como os desta noite. Este homem chama-se Getulio Vargas.”
Em 9 de agosto, Afonso Arinos de Melo Franco, líder da UDN,
pediu a renúncia de Vargas. Consequência previsível, logo a classe média aderiu
ao “Fora Getúlio!”.
Vargas procurou amenizar as críticas, tomando medidas
cosméticas, como dissolver sua Guarda Negra. Tanto a polícia civil quanto a
Aeronáutica investigavam o incidente. O uso político da se fazia do crime levou
a Aeronáutica a ser apelidada de “República do Galeão”.
Após uma reunião de emergência com seus ministros, ao final
da qual nada havia sido definido, Getúlio anotou em seu diário:
“Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou
decidir: determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se a
ordem for mantida, entrarei com pedido de licença. Em caso contrário, os
revoltosos encontrarão aqui o meu cadáver.”
Getúlio deixou o gabinete em direção a seus aposentos. No
caminho, presentei seu Ministro da Justiça, Tancredo Neves, com uma caneta
Parker.
Na manhã de 24 de agosto, escutou-se o tiro derradeiro. O “velho”
se suicidou.
Não sem antes, contudo, deixar um presente explosivo: sua “carta-testamento”.
Nela, Getúlio expunha suas angústias e citava, ainda que superficialmente, o
jogo dura da política que se fazia, expondo-a como deletéria aos interesses
nacionais, cuja defesa procurou sempre encarnar. A leitura desse documento, por
meio da Rádio Nacional, fez os ânimos populares explodirem em fúria incontida.
O “pai dos pobres” precisava ser vingado. E quem faria isso eram os pobre.
As sedes dos jornais Tribuna da Imprensa e O Globo foram
atacadas. Carlos Lacerda se escondeu do populacho: se achado, não tomaria
apenas um tiro no pé... A Embaixada dos EUA e o prédio da Standard Oil foram
invadidos e suas instalações, destruídas.
Embora espontâneas, essas demonstrações de fúria tiveram uma
singela coordenação do PCB: o partidão, que havia se distanciado de Vargas,
agora usava o suicídio do velho para atacar o imperialismo yankee e tudo o mais
que odiavam.
O caixão de Getúlio foi cortejado em todo o trajeto até o
aeroporto Santos Dumont. Seu corpo seguia para a terra natal, São Borja, RS. O
sepultamento no mausoléu da família foi precedido por discursos de
colaboradores próximos, como Osvaldo Aranha, João Goulart e Tancredo Neves.
Embora deixasse a vida, de fato, o velho era agora imortalizado
na história.
Quanto aos autores do homicídio na Tonelero, cinco foram os
condenados. Gregório Fortunato, sentenciado a 25 anos de prisão como mandante e
autor intelectual do crime, foi recolhido à Penitenciária Lemos de Brito.
Mas o povo parecia indiferente a essas sentenças: para eles,
tratou-se claramente de um complô udenista para matar o presidente. Os presos
seriam apenas bodes-expiatórios.
Fortunato foi assassinado em 1962. O motivo teria sido uma
briga entre presos. Outro condenado, Climério, morreu igualmente preso, em
1975, há poucos meses de deixar a cadeia.
Alcino, outro dos condenados, sobreviveu a duas tentativas
de assassinato. Em 2004, já contando 82 anos, Alcino retornou à cena do crime.
Lá, contou sua versão, a mesma que declarou quando de sua prisão: o tiro fatal
no major foi dado por Carlos Lacerda! Aproveitou para culpar a Aeronáutica pelo
desenrolar, bastante suspeito, das “investigações”.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”
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