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quarta-feira, 5 de abril de 2017

GOLPE DE 1964: POR QUEM OS SINOS DOBRAM


Os grupos mais radicais, desiludidos sobre a possibilidade de qualquer ação moderada trazer o país de volta à normalidade democrática, lançaram-se à luta armada. Esta pode ser dividida em guerrilhas urbanas e rurais.

As guerrilhas urbanas existiram especialmente entre 1969 e 1972. Praticaram-se expropriações de armas, arrecadação ilegal de fundos para usar em atentados, ataques a quartéis, seqüestros de embaixadores e muito mais. Apesar dessas ações inusitadas, que renderam a libertação de 15 prisioneiros políticos foram desmantelados tão logo o regime jogou o foco sobre eles.

Entre 1972 e 1975, houve o desmantelamento do grupo guerrilheiro que se concentrava na região do Araguaia, no norte do país. Foi a maior ameaça que o regime sofreu desse tipo.

Esse período de maior violência, quando se multiplicaram as denúncias de tortura nos porões da repressão, coincidiu com os doces números do PIB, que fazia crer num sucesso econômico espetacular. Esse fator, somado à naturalidade com que a sociedade encara episódios de violência policial, levou a um silêncio complacente por parte da mesma com relação ao regime autoritário de então.   

Aqueles que se beneficiavam do crescimento da economia se encantavam com as notícias: em 1970 o PIB saltou 9,5%; em 1971, 11,3%; em 1972, 10,4%; em 1973, 11,4%. A indústria exibia tacas de 14% anuais, tendo as indústrias automobilística e de eletroeletrônicos à frente. As exportações cresceram 32% ao ano, nesse período.

O Brasil também mudava qualitativamente, com pesados investimentos em infraestrutura e telecomunicações, sistema financeiro, agricultura. Bens de maior valor agregado tomaram maior proporção na pauta de exportações.

O período que se seguiu à saída de Castelo Branco do poder viu também o fim do projeto internacionalista-liberal. Agora o Estado, além de incentivador de investimentos, regula, financia e protege o mercado. Para tanto, foram criadas, ou agigantadas, diversas empresas estatais: Petrobras, Vale do Rio Doce, CSN, herdadas da era Vargas; ou Eletrobras e Siderbras, debruçadas sobre outros setores estratégicos nacionais.   
Medidas que estimulavam fusões e associações entre capitais públicos e privados foram tomadas.
No campo moral, lemas ufanistas tomavam conta do país. Buscava-se o otimismo no brasileiro ressoando mensagens positivas: Pra frente, Brasil!; Ninguém mais segura este país; Brasil, terra de oportunidades; Brasil, potência emergente.

A punição a quem não compartilhasse desse espírito, vinha com o infame: Brasil, ame-o ou deixe-o.
A soberba e o isolamento dos homens de verde-oliva no Planalto ficaram bastante evidentes quando da sucessão de Costa e Silva, em 1969. Adoentada, o presidente se afastou do cargo. Seu vice, Pedro Aleixo, foi impedido de assumir o cargo. Assumiu uma junta militar, nos moldes do Comando da Revolução de anos anteriores. Os próprios generais escolheram o sucessor: general Garrastazu Médici.

Tentou-se disfarçar a limpidez com que se apresentava a ditadura por meio da reconvocação do Congresso Nacional. Mas este concedeu apenas uma irrelevante unção à escolha oficial.

No período de finais dos anos 1960 e início da década de 1970, os únicos golpes desferidos no regime vinha do exterior, de fato único ambiente incontrolável para os gorilas do governo. Organismos internacionais propagavam a dramaticidade da concentração de renda, fazendo explodir a desigualdade social. Como bem disse o presidente Médici, a economia ia bem, mas o povo ia mal... Para um regime que se iniciou pondo o homem como meta, soava desconcertante.

Outro capítulo tratava das iniciativas mal sucedidas, atoladas em burocracia, corrupção ou má vontade. Por exemplo, o Programa de Integração Nacional, PIN, cuja meta máxima era a construção da incompreensível Transamazônica. Os problemas se multiplicavam, como a pretensa instalação de centenas de milhares de camponeses sem-terra nordestinos em agrovilas, substituídos por empreendimentos agropecuários de grande porte.

O programa foi descontinuado em 1974, tendo instalado cerca de 6 mil famílias, bem longe da meta inicial de 1 milhão.

Outro programa governamental foi o Mobral, movimento brasileiro de alfabetização, que prometia erradicar o analfabetismo do país alfabetizando 8 milhões de adultos entre 1971 e 1974, foi abandonado sem ter cumprido seu objetivo. Dentre os atendidos pelo programa, eram muitos os que não sabiam ler, escrever ou assinar o próprio nome.

Existiram muitos outros exemplos como esses.

O cansaço com a sequência de anúncios retumbantes e execução pífia levaram a novo recorde de votos brancos e nulos: 30% em 1970.

Mas o chamado Milagre Econômico dos anos Médici beneficiaram alguns grupos sociais: as classes médias adquiriram imóvel e automóvel próprios, os funcionários das estatais viveram anos dourados, assim como funcionários qualificados das multinacionais.

Tragédia social das mais dramáticas e menos lembradas ocorreu no campo. Pequenos posseiros e proprietários de terra perderam suas poucas glebas ao longo do processo de concentração fundiária em curso no país. Tornaram-se os boias-frias, cuja saída do campo em direção às cidades criou um dos maiores movimentos migratórios do mundo e gerou problemas urbanos diversos.

Os excluídos se multiplicavam.

Para reconfortá-los, diverti-los e desviar sua atenção estava o grande agente integrador nacional: a Rede Globo. O mundo das novelas, programas de humor e de auditório, ao lado de um telejornal desavergonhadamente apoiador do regime instalado se tornou o grande interlocutor junto à sociedade.

A década de 1970, que se iniciou exibindo promessas de riqueza, de repressão dura, embalada por músicas de protesto, terminou com anistia, recessão e Disco Music.

Mas quem daria o tom seria outro general...


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”

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