Os grupos mais radicais, desiludidos sobre a possibilidade
de qualquer ação moderada trazer o país de volta à normalidade democrática,
lançaram-se à luta armada. Esta pode ser dividida em guerrilhas urbanas e
rurais.
As guerrilhas urbanas existiram especialmente entre 1969 e
1972. Praticaram-se expropriações de armas, arrecadação ilegal de fundos para
usar em atentados, ataques a quartéis, seqüestros de embaixadores e muito mais.
Apesar dessas ações inusitadas, que renderam a libertação de 15 prisioneiros
políticos foram desmantelados tão logo o regime jogou o foco sobre eles.
Entre 1972 e 1975, houve o desmantelamento do grupo
guerrilheiro que se concentrava na região do Araguaia, no norte do país. Foi a
maior ameaça que o regime sofreu desse tipo.
Esse período de maior violência, quando se multiplicaram as
denúncias de tortura nos porões da repressão, coincidiu com os doces números do
PIB, que fazia crer num sucesso econômico espetacular. Esse fator, somado à
naturalidade com que a sociedade encara episódios de violência policial, levou
a um silêncio complacente por parte da mesma com relação ao regime autoritário
de então.
Aqueles que se beneficiavam do crescimento da economia se
encantavam com as notícias: em 1970 o PIB saltou 9,5%; em 1971, 11,3%; em 1972,
10,4%; em 1973, 11,4%. A indústria exibia tacas de 14% anuais, tendo as
indústrias automobilística e de eletroeletrônicos à frente. As exportações
cresceram 32% ao ano, nesse período.
O Brasil também mudava qualitativamente, com pesados
investimentos em infraestrutura e telecomunicações, sistema financeiro,
agricultura. Bens de maior valor agregado tomaram maior proporção na pauta de
exportações.
O período que se seguiu à saída de Castelo Branco do poder viu
também o fim do projeto internacionalista-liberal. Agora o Estado, além de
incentivador de investimentos, regula, financia e protege o mercado. Para tanto,
foram criadas, ou agigantadas, diversas empresas estatais: Petrobras, Vale do
Rio Doce, CSN, herdadas da era Vargas; ou Eletrobras e Siderbras, debruçadas
sobre outros setores estratégicos nacionais.
Medidas que estimulavam fusões e associações entre capitais
públicos e privados foram tomadas.
No campo moral, lemas ufanistas tomavam conta do país. Buscava-se
o otimismo no brasileiro ressoando mensagens positivas: Pra frente, Brasil!; Ninguém
mais segura este país; Brasil, terra de oportunidades; Brasil, potência
emergente.
A punição a quem não compartilhasse desse espírito, vinha
com o infame: Brasil, ame-o ou deixe-o.
A soberba e o isolamento dos homens de verde-oliva no
Planalto ficaram bastante evidentes quando da sucessão de Costa e Silva, em
1969. Adoentada, o presidente se afastou do cargo. Seu vice, Pedro Aleixo, foi
impedido de assumir o cargo. Assumiu uma junta militar, nos moldes do Comando
da Revolução de anos anteriores. Os próprios generais escolheram o sucessor:
general Garrastazu Médici.
Tentou-se disfarçar a limpidez com que se apresentava a
ditadura por meio da reconvocação do Congresso Nacional. Mas este concedeu
apenas uma irrelevante unção à escolha oficial.
No período de finais dos anos 1960 e início da década de 1970,
os únicos golpes desferidos no regime vinha do exterior, de fato único ambiente
incontrolável para os gorilas do governo. Organismos internacionais propagavam
a dramaticidade da concentração de renda, fazendo explodir a desigualdade
social. Como bem disse o presidente Médici, a economia ia bem, mas o povo ia
mal... Para um regime que se iniciou pondo o homem como meta, soava
desconcertante.
Outro capítulo tratava das iniciativas mal sucedidas,
atoladas em burocracia, corrupção ou má vontade. Por exemplo, o Programa de
Integração Nacional, PIN, cuja meta máxima era a construção da incompreensível
Transamazônica. Os problemas se multiplicavam, como a pretensa instalação de
centenas de milhares de camponeses sem-terra nordestinos em agrovilas, substituídos
por empreendimentos agropecuários de grande porte.
O programa foi descontinuado em 1974, tendo instalado cerca
de 6 mil famílias, bem longe da meta inicial de 1 milhão.
Outro programa governamental foi o Mobral, movimento
brasileiro de alfabetização, que prometia erradicar o analfabetismo do país
alfabetizando 8 milhões de adultos entre 1971 e 1974, foi abandonado sem ter
cumprido seu objetivo. Dentre os atendidos pelo programa, eram muitos os que
não sabiam ler, escrever ou assinar o próprio nome.
Existiram muitos outros exemplos como esses.
O cansaço com a sequência de anúncios retumbantes e execução
pífia levaram a novo recorde de votos brancos e nulos: 30% em 1970.
Mas o chamado Milagre Econômico dos anos Médici beneficiaram
alguns grupos sociais: as classes médias adquiriram imóvel e automóvel
próprios, os funcionários das estatais viveram anos dourados, assim como funcionários
qualificados das multinacionais.
Tragédia social das mais dramáticas e menos lembradas ocorreu
no campo. Pequenos posseiros e proprietários de terra perderam suas poucas
glebas ao longo do processo de concentração fundiária em curso no país.
Tornaram-se os boias-frias, cuja saída do campo em direção às cidades criou um
dos maiores movimentos migratórios do mundo e gerou problemas urbanos diversos.
Os excluídos se multiplicavam.
Para reconfortá-los, diverti-los e desviar sua atenção
estava o grande agente integrador nacional: a Rede Globo. O mundo das novelas,
programas de humor e de auditório, ao lado de um telejornal desavergonhadamente
apoiador do regime instalado se tornou o grande interlocutor junto à sociedade.
A década de 1970, que se iniciou exibindo promessas de
riqueza, de repressão dura, embalada por músicas de protesto, terminou com
anistia, recessão e Disco Music.
Mas quem daria o tom seria outro general...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Ditadura Militar, Esquerdas e Sociedades”
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