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sexta-feira, 28 de abril de 2017

VOCÊ CONSEGUE IDENTIFICAR O MELIANTE?


Em uma sociedade camponesa, poucos são livres. As pessoas estão presas à terra, que pertence ao senhor. Suas raízes estão fincadas na terra. Em geral, apenas os afiliados ao banditismo podem dizer orgulhosamente que são livres.

No momento em que o homem se casa e passa a laborar no campo, torna-se preso à sua realidade. A partir de então deve se dedicar a semear os campos, colher a produção, consertar cercas danificadas. Por diversas vezes rebeliões e guerras eram interrompidos em favor das colheitas.

De fato, até o ciclo de banditismo segue a lógica do trabalho no campo. O auge dos roubos ocorria na primavera e no verão, tendo seus vales nos meses de outono e inverno.

O estoque de bandidos em potencial era mais repleto nos locais onde havia mais excedentes de mão de obra. Caso a demanda por trabalhadores fosse incapaz de manter empregados todos os trabalhadores disponíveis, os excedentes tendiam a procurar meio de sobrevivência no banditismo.

A mesma lógica valia para os locais em que a produtividade da terra era baixa, o solo era pobre ou a região, muito montanhosa. Algumas sociedades criaram maneiras de lidar com esse excedente, de forma a evitar que se filiem ao banditismo. A Suíça e outras sociedades criaram o alistamento militar, para controlar esse excedente.

Seja como for, o alvo do banditismo sempre foi o jovem, saído da puberdade e antes que se casasse. Poucos naquelas sociedades eram mais livres do que essas pessoas. Após a assunção das responsabilidades familiares e no trato da terra, jamais teriam a autonomia necessária para exercer a atividade de bandido. Após os 30 anos, em geral eram instados a abandonar o banditismo e procurar um ofício tradicional.

Em diversas sociedades, o excedente masculino também inflava as fileiras do banditismo. O infanticídio feminino poderia elevar o excedente masculino a 20% acima do número de homens. Os homens não casados tinham mais autonomia para se filiar a bandos.

O perfil descrito do bandido tradicional, jovens e solteiros, é o mesmo dos guerrilheiros colombianos atuais, em geral, contado entre 15 e 30 anos de idade.

A região da Andaluzia tinha um bandido-herói muito famoso, Diego Corrientes, morto aos 24 anos. Lampião iniciou sua carreira no cangaço entre os 17 e os 20 anos. Don José, bandido que inspirou a peça Carmen, começou aos 18 anos.

Pode-se citar também os bandidos que se lançaram a tais empreitadas em busca de uma maneira de se integrarem à sociedade rural e deixarem a marginalidade a que estavam condenados. Foi o caso dos rasboiniki, que infestavam a velha Rússia. Eles buscavam as áreas ao sul e ao leste. Buscavam aquilo que chamavam de Zemlya i Volya (Terra e Liberdade).      

Outra fonte de braços a serviço do banditismo eram as forças militares. Diversos líderes de salteadores do sul da Itália, por volta de 1860, eram descritos como ex-soldados do exército dos Bourbons; trabalhadores sem terra, ex-soldados.

No entanto, a categoria mais importante de bandido, cuja participação era individual e voluntária. São os homens insubmissos, não dispostos a aceitar o papel dócil e passivo do camponês vilipendiado e extorquido. Eram rebeldes ou, no dizer clássico, “homens que se fazem respeitar.” Não eram tão numerosos quanto se poderia esperar pois, para cada ladrão “nobre” que resiste, dezenas e dezenas aceitam as injustiças contra eles praticadas.

Os bandidos da categoria acima citada eram os “durões”, que faziam ressoar sua fama de valentes, portavam armas ou bastões mesmo quando não tinham o direito de usá-las, vestiam-se maneira própria, de forma a intimidar as pessoas – como que se dissessem “Este homem não é dócil!”.

São exemplos a roupa dos “vaqueros” mexicanos, adotadas pelos cowboys do faroeste. Seus equivalentes sulamericanos eram os gaúchos dos pampas argentinos e sul riograndenses, que usavam trajes mais ou menos parecidos.

Aqueles homens que se encaixavam na categoria acima, mas que não desejavam se lançar ao banditismo poderiam traçar rumos alternativos, servindo como guardas, soldados etc. Foi o caso dos “mafiosi” da Sicília, que formaram um nova burguesia rural.

As categorias mais importantes foram previamente citadas, mas ainda existe uma que, talvez, seja a mais interessante: os robber barons – ou barões ladrões.

Esses eram fidalgos empobrecidos, porém se tornaram em dado momento uma fonte enorme de bandidos. As armas eram privilégios daquela categoria social, enquanto permaneciam vedadas aos camponeses. Lutar, empunhar espada sou rifles, era um elemento que os representava; cresciam cercados por esse mundo de violência e uso da força em seu proveito. Tornavam-se afeitos à violência por meio de esportes como a caça, aprendiam a matar em nome da honra pessoal e familiar, duelos eram freqüentes. O serviço militar e a administração colonial eram a atividades onde extravasavam seus instintos mais sanguinários.

Esse tipo é bem representado na peça Os Mosqueteiros, de Alexandre Dumas. Oriundos da Gasconha, tradicional berço de cavalheiros despossuídos, eram valentões e tinham licença oficial para matar. Assim eram os conquistadores espanhóis, por exemplo.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Bandits”   

quinta-feira, 27 de abril de 2017

BANDIDO BOM É BANDIDO... SOCIAL!


A regra é clara: quem ataca e rouba com violência é bandido! Desde quem rouba o mísero salário de um proletário até aqueles que se organizam em grupos de guerrilheiros armados, são todos igualmente criminosos aos olhos da lei.

Os nomes pelos quais são chamados variam de acordo com o período histórico em foco. Atualmente usa-se indiscriminadamente a denominação “terroristas” – o que denota a total perda de prestígio da imagem do bandido, após a II Guerra Mundial.

No entanto, historiadores têm identificado aqueles que passaram a chamar de bandidos sociais. São proscritos rurais, vistos como criminosos pelo Estado e pelos senhores, no entanto ainda parte da sociedade camponesa em que se inserem. Aos olhos desta, podem ser heróis, vingadores, justiceiros e, não raramente, lideres libertadores. Eles são tão bem vistos que a comunidade se sente obrigada a ajudá-los e, muitas vezes, sustentá-los. Dir-se-ia admiráveis, até.

Em momentos históricos quando o Estado avança sobre as liberdades individuais de maneira abusiva, uma sociedade tradicional passa a se pôr contra o governo central, contra o Estado e assim passam a prestar auxílio a rebeldes, mormente acusados de criminosos pelo poder constituído. Não raro, governantes locais se juntam ao bandido, contra o poder central.

Portanto o status de bandido social nasce a partir da relação entre camponeses, rebeldes, proscritos e ladrões.

Ladrões profissionais, ou pilhadores vêem os camponeses como vítimas potenciais. Estas, vêem os ladrões como criminosos. E essa classificação pode ter muito pouco a ver com o que dizem as leis – é bandido porque quebra a confiança estabelecida no seio da própria sociedade.

Já o bandido social não conseguiria sequer imaginar roubar a colheita de um pobre camponês – mas o mesmo critério não vale para a colheita do senhor. São esses critérios morais que rendem o adjetivo social a esses últimos bandidos.

O banditismo social pode ocorrer em qualquer sociedade, desde que se situe entre a fase evolucionária da organização tribal e familiar e a fase de sociedade capitalista e industrial moderna.

No país do Robin Hood, o modelo acabado do bandido social, os únicos bandidos sociais encontrados eram alguns salteadores de estradas. A modernização das sociedades costuma fechar as portas para o surgimento de bandidos sociais. A Rússia do século XVIII vivia uma epidemia de bandidos; no fim do século XIX, eles estavam praticamente extintos.

O banditismo social é um fenômeno universal, encontrado em sociedades agrícolas ou pastoris, e composto por camponeses e trabalhadores sem terras, oprimidos e explorados. Os exploradores eram senhores, governos, bancos.

Os bandidos sociais se apresentam em três formas diversas: o ladrão nobre, no estilo Robin Hood; grupos de resistência; vingadores, que semeiam o terror.

O percentual da população dedicada a essa atividades pode variar entre 0,5% e 1% do total. Em 1962, após os anos mais violentos dos conflitos políticos na Colômbia, havia 161 bandos registrados no país (com 2760 membros, estima-se). Ou seja, 1 bandido a cada mil habitantes.

O banditismo floresce em áreas remotas, de difícil acesso. Também é atraído por rotas comerciais ou estradas importantes, especialmente quando a locomoção é lenta e difícil. Trata-se, em geral, de países pré-capitalistas.

A construção, portanto, de rotas comerciais modernas, rápidas e de fácil tráfego, reduz o banditismo. Burocracia e ineficiência favorecem o banditismo.

Após sua Revolução, a França deu origem a um Estado moderno que foi capaz de extinguir o banditismo, que não era social, que assolava a Renânia na década de 1790. Já a Alemanha após a Guerra dos Trinta anos restou desagregada, desordenada de tal forma que o banditismo reinou por lá por mais de um século após o fim daquele conflito.

O banditismo social teve protagonismo intenso na Europa, entre os séculos XVI, XVII e XVIII. No resto do mundo, entre os séculos XIX e XX. Contudo, ainda hoje, na região montanhosa da Sardenha, o fenômeno resiste na Europa. Supõe-se que os efeitos deletérios de duas Guerras Mundiais e de revoluções locais tenham lhe dado sobrevida.

Por seu turno, a história se desenvolveu de maneira distinta no sul da Itália. Região tradicionalmente infestada por “banditis”, o banditismo social teve seu apogeu há cerca de 150 anos, apenas. Foi no contexto de grandes rebeliões camponesas e de guerrilhas de bandoleiros, entre 1861 e 1865.

A região da Andaluzia, sul da Espanha, estava infestada por bandidos no século XIX. Mas tudo tem um fim. Francisco Rios, El Pernales, foi o último dos bandoleiros lendário da região.

No Nordeste do Brasil, o fenômeno do banditismo, aqui conhecido como cangaço, teve escalada ascendente desde 1870, atingindo o auge por volta de 1930. Por volta de 1940 já estava em seus estertores.

A análise dos nomes relacionados a esse fenômeno demonstra pessoas antes insubmissas, ou pessoas excluídas da trajetória de vida tradicional, por motivos diversos, do que rebeldes políticos ou desajustados sociais. Por algum desses motivos, ligam-se ao crime e à marginalidade.

Não se espere, contudo, que sejam pessoas com ideologia, profetas que tragam novos conceitos sobre organização social ou reforma dos valores tradicionais. São espíritos pragmáticos, pessoas práticas que trazem consigo conceitos sociais próprios do campesinato de que são oriundos. Isto é, o programa social do banditismo não passa da manutenção da ordem tradicional das coisas.

Seriam, no máximo reformadores, nunca revolucionários.

No entanto, o banditismo pode tomar o lugar reservado aos movimentos sociais, sendo uma espécie de alternativa a ele. Isso ocorre quando camponeses demonstram admiração por Robin Hoods, em vez de atuarem de maneira mais positiva em favor de seus interesses.

O banditismo somente toma proporções de movimento social, quando o fenômeno encontra o movimento já em curso, e assim se somam. Seria um banditismo como reação a um pseudo progresso. Isso ocorreu no reino de Nápoles, quando o povo e os bandidos se uniram e se levantaram contra os jacobinos e os estrangeiros. O fizeram em nome do papa, do rei e da Santa Sé. Nesse intento se mostraram mais revolucionários do que o papa e o rei.

N`outras vezes, o motivo que leva bandidos a agirem revolucionariamente passam pela vontade de pôr fim nos seus fantasmas: exploração, submissão. Sonham muitas vezes com um mundo sem males, um mundo de igualdade, fraternidade e liberdade. Esse é o sonho que embalava sociedades à espera da salvação, do Imperador Justo, da Rainha dos Mares do Sul, todos místicos símbolos de uma virada social, quando serão superados obstáculos e a perfeição reinará.

Um sociólogo, estudioso do assunto, comparou os cangaceiros nordestinos com uma irmandade, uma confraria de iguais. Impressionava a honestidade sem paralelos no seio dos bandos de cangaceiros.

Interessante notar que o banditismo pode ser precursor e anunciador de movimentos revolucionários. Isso ocorreu no nordeste dos cangaceiros, que passou a ser, anos depois, infestado por beatos e líderes messiânicos, pontas de lança do anarquismo rural.  

Quanto aos códigos morais, Lampião costumava declamar:

“Jurou vingar-se contra todos,
Dizendo “Nesse mundo só respeito
O Padim Ciço e mais ninguém”

Pois bem. Padre Cícero, o Messias de Juazeiro, como bem se sabe, foi o responsável por conseguir uma patente de oficial do Exército para o famoso cangaceiro.

Os bandidos podem se converter em outra coisa. Por exemplo, no sul da Itália, em 1861, tornaram-se exércitos de camponeses. Houve casos em que abandonaram o banditismo e vestiram fardas de soldados.  

E aqui temos um ponto importante a considerar. Quando o banditismo se funde em movimentos de maiores proporções, adquire corpo suficiente para mudar a sociedade. E em muitos casos, mudaram.
  

Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “Bandits”  


BANDITISMO – O QUE UNE TRAFICANTES CARIOCAS, MILICIANOS E LAMPIÃO?


Uma característica do banditismo praticado nos séculos XIX e XX é a fome. Na maioria das regiões clássicas de banditismo na Idade Média e no começo da era moderna (por exemplo, nas regiões banhadas pelo Mediterrâneo), os camponeses viviam constantemente sob o risco da fome.

Aliás, a história do banditismo se inicia com a descoberta por Fernand Braudel da explosão de banditismo na região mediterrânea, por volta dos séculos XVI e XVII.

A era do cangaço brasileiro se inicia com a grande seca de 1877-1878 e atinge o apogeu em 1919. Regiões pobres eram criadores de bandidos – optava-se por infringir a lei, em lugar de morrer de fome. Épocas de baixa colheita traziam consigo o aumento do roubo.

A história do banditismo traz passagens impressionantes. Muitos reis e imperadores começaram suas carreiras bem sucedidas como chefes de clãs de bandidos, quadrilhas de bandoleiros ou saqueadores. Um exemplo ainda não completamente provado é o de José Antonio Artigas, fundador do Uruguai, ao torná-lo independente da Argentina e do Brasil, tinha como atividade precedente o roubo de gado e o contrabando.

A primeira característica intrínseca ao banditismo é a busca pelo controle territorial. O controle territorial leva ao controle sobre as pessoas que vivem em tais localidades. O desafio é afastar o controle estabelecido, estatal e formal, e superá-lo localmente. Estabelecem, assim, suas próprias regras localmente.

Aliás, durante a maior parte da história da humanidade, o poder estatal dentro do território sempre esteve limitado. Não era possível a nenhum monarca, imperador ou déspota em geral pensar que dominava absolutamente seu território. As razões para tanto estão relacionadas às tecnologias de comunicação e de transporte. Um monarca que precisasse de dias para cruzar seu território dependia em grande parte da disposição dos súditos de obedecer às leis para que mantivesse a ordem interna.  

Somente após a invenção da estrada de ferro e do telégrafo os Estados poderiam saber o que ocorria em todo o seu território, ao menos com a rapidez necessária para uma resposta eficaz. Defender fronteiras somente passou a ser factível após essas ferramentas tecnológicas. Nenhum Estado nacional tinha recursos suficientes para manter uma força policial rural eficaz, que representasse localmente o poder central e fizesse serem cumpridas suas determinações.

Todos os que têm acompanhado os noticiários recentes sabem que a Odebrecht pagou às FARCs para que pudessem executar obras na Colômbia, em áreas dominadas por estas, não pelo governo colombiano. O mesmo ocorreu em regiões de favelas cariocas, onde as forças policiais não conseguem garantir o poder formal.

Em Belfast, Irlanda do Norte, bairros de alta concentração de católicos são patrulhados por milícias de “republicanos”, não pela Royal Ulster Constabulary.

Para entender melhor, nada melhor que a etimologia. A palavra “bandido” provêm do italiano “bandito”, cujo significado é “banido”, “posto fora da lei”, no mero sentido da expulsão. Inicialmente, os bandidos conformavam apenas grupos armados informais, não estatais. Apenas no século XV a palavra passou a carregar o sentido moderno, como a usamos.

Por sua vez, a palavra “bandoleros”, como são comumente chamados os bandidos do sul da Espanha, deriva seu nome do termo usado para designar membros de grupos armados que tomavam parte em agitações e conflitos civis que tomaram corpo na Catalunha, nos séculos XV e XVII.

Os bandidos, em geral, eram rebeldes, na medida em que viviam em territórios à parte (florestas, desertos, regiões de difícil acesso...), recusam-se a pagar impostos e, pelo menos no caso da China clássica, o vínculo entre banditismo e derrubada de dinastias periodicamente era muito forte.

Deve-se entender que a resistência contra o Estado era a resistência contra a coerção física. O principal mecanismo para que o Estado se apropriasse do excedente gerado pelos camponeses era a violência, ou sua ameaça. Assim eram arrecadados os recursos que sustentavam o aparelho estatal. A recusa de pagar tributos era punida com o cárcere.      

Uma medida que visa ao combate ao banditismo é a restrição do uso de armas de fogo a apenas alguns servidores estatais. Mas custou muito tempo até que os Estados tivessem condições práticas de se fazerem seguir tais determinações. As sociedades feudais tradicionais conseguiram desarmar os camponeses, mas com relação a nobres a situação era mais complicada. Muito da tradição de elites armadas, violentas e manipuladoras, característica ainda hoje associada a países como Espanha e Portugal se deve a esse passado, quando até as forças do Rei costumavam se desafiadas pelos nobres.

Apenas no século XIX tornou-se realidade o monopólio estatal efetivo das armas. No mundo ocidental, apenas os EUA e poucos outros países não procuraram desarmar a sociedade. Até a década de 1970 as sociedades estavam, em geral, desarmadas.

Outro fator a propulsionar o banditismo era a fragilidade dos homens armados do Estado. Quanto mais enfraquecidos, maior era o potencial do banditismo. Regiões afastadas eram normalmente grassadas por um nível relativamente constante de bandidos. Os romanos se referiam às pessoas que habitavam as regiões de fronteira como “marcomanos”, e de lá vieram os bárbaros que puseram fim à era dos Césares.

Em regiões onde o poder central se fazia presente, os bandidos potenciais se tornavam funcionários remunerados: soldados, policiais... a serviço do Estado ou se algum senhor.

Caso o poder central ficasse muito enfraquecido, os bandidos poderiam se tornar excessivamente independentes do poder central, pondo-o em cheque. Contudo raramente o poder formal se encontrava enfraquecido a esse ponto. Era possível, no entanto, que alcançassem um certo grau de autonomia, de modo a poder negociar seu apoio a quem pagasse melhor.

É esse raciocínio empregado quando da análise dos grupos de milicianos que tomaram conta do cenário da criminalidade carioca. Policiais, bombeiros, guardas municipais formaram grupos armados que dominaram territorialmente grandes partes da cidade, especialmente.

De posse do território e das armas, tais grupos poderiam se fortalecer a ponto de poderem negociar o poder local com o próprio estado.

Ou será que isso já ocorreu?


Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “Bandits”  


quarta-feira, 26 de abril de 2017

AGOSTO, UM MÊS SEM ROSTO, TRAZ COMO FIM, O DESGOSTO


Vargas desabafava: “Carlos Lacerda levou um tiro no pé. Eu levei dois tiros nas costa!”. Assim o presidente recebeu a notícia do atentado da Rua Tonelero, ocorrido em 5 de agosto de 1954, que vitimou o major da Aeronáutica Rubem Vaz e deixou seu principal desafeto ferido no pé.

Lacerda, jornalista virulento que era, usou o episódio para defenestrar o governo daquele que supunha ser o mandante do imbróglio. Embora mantivesse sua popularidade em excelentes patamares, seu inimigos cativos – imprensa, militares, udenistas, classe média e empresários etc – não hesitavam atacá-lo de todas as formas possíveis. Argumentavam que o “velho” representava atraso e autoritarismo, sem falar no rótulo do “populismo” com que tentavam identificá-lo.

Em outros tempos, Vargas contava com o apoio das Forças Armadas para conter movimentos golpistas contra si. Agora, isso não era mais possível. Góis Monteiro se encontrava isolado por conta dos grupos de milicos liberais e anti-nacionalistas. Dutra era agora seu inimigo político.

Quando a pressão sobre o governo atingiu o ápice, o fim trágico parecia inevitável. Na noite de 4 de agosto de 1954, homens da Guarda Negra de Getúlio cercaram Carlos Lacerda e Rubem Vaz na rua Tonelero, localizada no bairro de Copacabana. Lá, residia Lacerda. Alcino João do Nascimento disparou sua pistola Smith & Welson – estranhamente de uso reservado às Forças Armadas.

Após socorridos no hospital, o major não resistiu aos ferimentos e faleceu. Lacerda, não. Seu editorial seguinte ao episódio bradava:

“Mas, perante Deus,acuso um só homem como responsável por esse crime. É o protetor dos ladrões, cuja impunidade lhes dá audácia para atos como os desta noite. Este homem chama-se Getulio Vargas.”

Em 9 de agosto, Afonso Arinos de Melo Franco, líder da UDN, pediu a renúncia de Vargas. Consequência previsível, logo a classe média aderiu ao “Fora Getúlio!”.

Vargas procurou amenizar as críticas, tomando medidas cosméticas, como dissolver sua Guarda Negra. Tanto a polícia civil quanto a Aeronáutica investigavam o incidente. O uso político da se fazia do crime levou a Aeronáutica a ser apelidada de “República do Galeão”.

Após uma reunião de emergência com seus ministros, ao final da qual nada havia sido definido, Getúlio anotou em seu diário:

“Já que o ministério não chegou a uma conclusão, eu vou decidir: determino que os ministros militares mantenham a ordem pública. Se a ordem for mantida, entrarei com pedido de licença. Em caso contrário, os revoltosos encontrarão aqui o meu cadáver.”

Getúlio deixou o gabinete em direção a seus aposentos. No caminho, presentei seu Ministro da Justiça, Tancredo Neves, com uma caneta Parker.

Na manhã de 24 de agosto, escutou-se o tiro derradeiro. O “velho” se suicidou.

Não sem antes, contudo, deixar um presente explosivo: sua “carta-testamento”. Nela, Getúlio expunha suas angústias e citava, ainda que superficialmente, o jogo dura da política que se fazia, expondo-a como deletéria aos interesses nacionais, cuja defesa procurou sempre encarnar. A leitura desse documento, por meio da Rádio Nacional, fez os ânimos populares explodirem em fúria incontida. O “pai dos pobres” precisava ser vingado. E quem faria isso eram os pobre.

As sedes dos jornais Tribuna da Imprensa e O Globo foram atacadas. Carlos Lacerda se escondeu do populacho: se achado, não tomaria apenas um tiro no pé... A Embaixada dos EUA e o prédio da Standard Oil foram invadidos e suas instalações, destruídas.

Embora espontâneas, essas demonstrações de fúria tiveram uma singela coordenação do PCB: o partidão, que havia se distanciado de Vargas, agora usava o suicídio do velho para atacar o imperialismo yankee e tudo o mais que odiavam.

O caixão de Getúlio foi cortejado em todo o trajeto até o aeroporto Santos Dumont. Seu corpo seguia para a terra natal, São Borja, RS. O sepultamento no mausoléu da família foi precedido por discursos de colaboradores próximos, como Osvaldo Aranha, João Goulart e Tancredo Neves.

Embora deixasse a vida, de fato, o velho era agora imortalizado na história.         

Quanto aos autores do homicídio na Tonelero, cinco foram os condenados. Gregório Fortunato, sentenciado a 25 anos de prisão como mandante e autor intelectual do crime, foi recolhido à Penitenciária Lemos de Brito.

Mas o povo parecia indiferente a essas sentenças: para eles, tratou-se claramente de um complô udenista para matar o presidente. Os presos seriam apenas bodes-expiatórios.

Fortunato foi assassinado em 1962. O motivo teria sido uma briga entre presos. Outro condenado, Climério, morreu igualmente preso, em 1975, há poucos meses de deixar a cadeia.

Alcino, outro dos condenados, sobreviveu a duas tentativas de assassinato. Em 2004, já contando 82 anos, Alcino retornou à cena do crime. Lá, contou sua versão, a mesma que declarou quando de sua prisão: o tiro fatal no major foi dado por Carlos Lacerda! Aproveitou para culpar a Aeronáutica pelo desenrolar, bastante suspeito, das “investigações”.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”   

DITADOR OU PRESIDENTE ? O CATETE TEM UM NOVO VELHO RESIDENTE


O ano de 1950 é marcado por uma triste memória: o Maracanazzo. A derrota do selecionado brasileiro para o uruguaio em pleno Maracanã, inaugurado apenas três meses antes, por 2 X 1 de virada, deixou o país em clima fúnebre.

Mas aquele ano também marcou uma das eleições mais importantes da história do país. Getúlio Vargas disputava com o brigadeiro Eduardo Gomes sua chance de retornar ao Catete, agora pela via democrática do voto. Vargas venceu de goleada, reafirmando o poder que exercia sobre as massas. Era o candidato do povo: havia eleito Dutra nas eleições anteriores, fora eleito para o Senado e agora recebia uma chuva de votos para presidente.

Na reta final, a vantagem do candidato do PTB era de tal monta avassaladora que o PSD, cujo candidato era Cristiano Machado, abandonou seu candidato e fechou coligação com o PTB, levando assim ainda mais votos para Vargas.

A derrotada UDN não conseguia engolir o resultado apurado nas urnas. Não criam ser possível que o velho ditador, afastado do poder há cinco anos, pudesse nadas de braçada na democracia daquela forma. Parecia imbatível. Um verdadeiro símbolo que pairava acima dos demais mortais. Uma pessoa que enfeitiçava as pessoas de tal forma que arrastava multidões, embalava o trabalhador a caminho do trabalho, fazia pessoas pobres e sofridas sorrirem.

Mas a UDN queria reverter o resultado, e a via possível era a Judicial. A Legislação Eleitoral do período era dúbia no que tocava à quantidade de votos necessária para a vitória. A UDN fez um requerimento ao TSE, mas este foi indeferido. De qualquer maneira, em meio a tais debates surgia um novo nome na política nacional: Carlos Frederico Werneck de Lacerda, ou Carlos Lacerda, o Corvo. Jornalista e proprietário do jornal Tribuna da Imprensa, deputado federal pela UDN, Lacerda se notabilizou pelos textos raivosos, quase insandecidos, fazendo uso de expressões que chamaríamos e “linguagem do ódio”. Fazia uso freqüente de “denúncias” de corrupção, nunca provadas, e de expressões como “mar de lama”, por meio das quais tentava prejudicar desafetos e beneficiar aliados.   

Foi dele uma famosa declaração dada em 1º de junho de 1950, quando ainda tentava barrar a candidatura de Vargas:

“O senhor Getúlio Vargas não deve ser candidato à presidência. Se candidato, não deve ser eleito. Se eleito, não deve tomar posse. Empossado, devemos recorrer À revolução para impedi-lo de governar.”

Essas forças golpistas marcariam o retorno de Vargas com instabilidade política e crises numerosas, do primeiro ao último dia do “velho” no Catete. Desejava-se, literalmente, impedi-lo de governar, tirá-lo do cargo e substituí-lo. As forças ocultas não descansariam.

O PIB brasileiro passou a ser medido desde 1947, durante o governo Dutra. De fato, foi registrado crescimento significativo até 1950, mas esse resultado foi acompanhado pela inflação crescente (já batia nos 60%).

Para o cargo de vice, foi eleito (eram eleições à parte) João Café Filho.

O gabinete Vargas trazia nomes da década de 1930. O general Pedro Aurélio de Góis Monteiro para chefiar as Forças Armadas; João Neves da Fontoura para Relações Exteriores; Francisco Negrão de Lima para a Justiça; Horácio Lafer para a Fazenda e Danton Coelho, defensor do sindicalismo, para o Trabalho.
A primeira crise surgiu com a nomeação do Ministro da Guerra, cuja escolha inicial recaiu sobre o general-de-divisão Newton Estillac Leal, representante da ala nacionalista das Forças Armadas. Os milicos de posição contrária iniciaram uma crise nos quartéis, que levaria à troca do nome do Ministro por três vezes, em curto espaço de tempo.

No campo econômico, Vargas publicou leis acerca dos crimes contra a economia popular, regulamentou a remessa de lucros ao exterior. Após, foi criado o BNDE, o Banco do Nordeste e o Instituto Brasileiro do Café.

Mas a polêmica mais importante surgiria no âmbito do debate que havia se iniciado no governo anterior. Naqueles anos, ficou famosa a “Questão do Petróleo”. O lema “O petróleo é nosso” estava relacionado à eventual criação da Petrobras.

O projeto de criação da estatal foi encaminhado ao Congresso Nacional em 6 de dezembro de 1951. Após inúmeros ataques e defesas ao polêmico projeto, em outubro de 1953 o governo editou a Lei n. 2.004, de criação da Petrobras. A fiscalização da companhia era exercida pelo Conselho Nacional do Petróleo.

O monopólio da exploração, pesquisa, refino e comercialização de petróleo, gás natural e seus derivados estavam nas mãos da nova estatal. Essa situação somente seria alterada em meados da década de 1990, no governo FHC. Distribuição e revenda permaneciam atividades abertas à concorrência.

Pouco a pouco, Vargas instaurava uma democracia quase direta com o povo. Entretanto, ao passo que sua popularidade aumentava, somada às suas medidas para tributar remessas de lucros e aumentar o valor do salário-mínimo, que sofria com a inflação acumulada, os ataques vindos da oposição ficavam mais violentos.
Em junho de 1953, Vargas substituiu seu Ministro do Trabalho, Indústria e Comércio. O novo ocupante do cargo era conterrâneo de São Borja, partidário do PTB, bacharel em direito e deputado federal: João Belchior Marques Goulart, o Jango.

Era evidente que Jango era o favorito de Vargas para sucedê-lo na vida pública. Mas a medida tomada por Jango inviabilizaria quase totalmente os planos da dupla. Em fevereiro de 1954, Jango autorizou o reajuste do salário mínimo em astronômicos 100%. Esse foi o estopim para uma crise política de tirar o fôlego.

Os primeiros a manifestarem descontentamento foram os militares. Setenta e nove coronéis assinaram o “Manifesto dos Coronéis”. Um dos nomes a aderirem a esse documento foi o de Golbery do Couto e Silva, um dos arquitetos do Golpe de 1964.

Jango pediu exoneração do cargo em 23 de fevereiro.

Quanto à mídia, todos eram oposição a Vargas, exceto o jornal Última Hora, de Samuel Weiner, que era acusado de chapa branca e de ser sustentado com dinheiro do Banco do Brasil.   

Enfim, apesar da popularidade, Vargas retornou ao poder para ver um Brasil bastante diferente daquele que governara até 1945.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”   

terça-feira, 25 de abril de 2017

O ESTADO NOVO MORREU DE VELHO?


Finalizado o conflito na Europa, todas as atenções se voltaram para o cenário interno do país. Após tantos tiros e tanto sangue com o fito de exterminar governos de raízes fascistas, restou a contradição de o Brasil continuar a ser governado por uma ditadura de evidentes cores antidemocráticas e pouco afeita a políticas liberais.

Apesar dos acordos pré-conflito, que garantiram grandes e relevantes investimentos no país, o bolso dos brasileiros começava a reclamar cada vez mais alto. Havia inflação (a média anual de 6,6%, registrada entre 1934 e 1940, saltou para 27,3% em 1944), aumento da dívida pública e o Brasil passou a registrar elevados déficits na balança comercial.

O Brasil também passou a conviver com a possibilidade de sofrer uma crise financeira, devido aos valores astronômicos sacados do Banco do Brasil, desde outubro de 1942. Foi decretada uma semana de feriado bancário.

Somando-se a tudo isso, surgiam notícias de medidas revoltantes tomadas pelo governo, como a do grupo de oito estudantes de Direito do Largo do São Francisco que, após participarem de uma passeata contrária ao Estado Novo, foram convocados para desarmar bombas na Itália, pela FEB.

Pelo lado dos intelectuais também se avolumavam demonstrações de descontentamento. Juristas mineiros lançaram o “Manifesto dos Mineiros”, documento que daria nascimento à UDN – União Democrática Nacional.

Mesmo a censura inaugurada pelo Estado Novo não mais se mostrava capaz de manter as manchetes domesticadas. Matérias diárias atacavam o governo. A deposição do “velho” aguardava apenas um estopim, que não tardou.

Vargas nomeou Benjamin Vargas, o Bejo, para a chefia de polícia do Rio de Janeiro. Em face da insatisfação provocada, em 29 de outubro de 1945, Getúlio foi deposto por uma junta militar composta por pessoas que eram, até então, de sua confiança.

Getúlio ainda contava com apoio popular, o suficiente para se iniciar um movimento em seu apoio: o Queremismo, “Queremos Getúlio”. Os partidários desse movimento pediam a instauração de uma Assembléia Constituinte e uma eleição posterior, com a participação de Getúlio entre os candidatos. Não foram bem sucedidos.

Logo após deixar o Palácio da Guanabara, Getúlio foi substituído pelo presidente do STF, José Linhares. Este se incumbiu da tarefa de organizar as eleições presidenciais de 2 de dezembro de 1945.

O resultado daquele pleito trouxe os seguintes números:
1º Eurico Gaspar Dutra (PSD/PTB)
2º Eduardo Gomes (UDN)
3º Iedo Fiúza (PCB)
4º Mariano Rolim Teles (Partido Agrário)

Dutra, ex-Ministro de Getúlio e repudiado pelo “velho” por causa da traição que protagonizou, era o novo presidente da República.

Em paralelo, as eleições para a Assembléia Nacional Constituinte (Congresso reunido como se fosse apenas uma Casa), o PSD foi agraciado com 177 votos, enquanto os trabalhistas obtiveram 24.
Luis Carlos Prestes foi eleito senador pelo PCB.      


Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”  


PRACINHAS NA II GUERRA MUNDIAL: QUANDO SOLDADOS BRASILEIROS GUERREAVAM EM CAMPOS DE BATALHA, NÃO EM FAVELAS


O período conhecido como Estado Novo coincidiu, quase integralmente, com os anos da II Guerra Mundial.

Internamente, a valorização da cultura nacional empreendida pelo Estado passava pela restrição do exercício de outras formas culturais estrangeiras. Em 1937 foi promulgada uma legislação de proteção à língua e à cultura brasileiras. O alvo principal eram as comunidades de alemães, italianos e japoneses instaladas especialmente na região Sul do país, antes mesmo que . Tais comunidades possuíam escolas próprias e vivam de maneira a praticar a língua e o folclore praticados na terra natal. A partir das leis citadas, tais práticas estavam vedadas.

Seguiram-se protestos de embaixadores, ameaças de rompimento diplomático com o Brasil, mas o governo brasileiro conseguiu contornar tais crises. Uma das táticas usadas foi a manutenção da posição de neutralidade nos anos iniciais do conflito, até 1941.

Outra característica de Vargas que o protegeu contra as animosidades dos países do Eixo foi sua clara simpatia por valores nazifascistas. O que era suspeita, tornou-se certeza a bordo do encouraçado Minas Gerais, em discurso pronunciado a 11 de junho de 1940. Comemorava-se o aniversário da batalha do Riachuelo, uma das contendas da Guerra do Paraguai. Nesse dia, Vargas foi agraciado com uma missiva enviado por Benito Mussolini, na qual Il Duce deixava transparecer toda sua simpatia pelo líder brasileiro.  
Mas o ataque japonês à base naval de Pearl Harbor, em 7 de dezembro de 1941, não deixou opção ao Brasil que não se juntar às tropas Aliadas contra os países do Eixo. Em janeiro de 1942, o Brasil sediou a III Conferência de Chanceleres das Repúblicas Americanas.

Presidiram a Conferência, Oswaldo Aranha, representante brasileiro, e Sumner Welles, representante yankee. Pela declaração final, os países signatários se comprometiam a romper relações com o Eixo. Recusaram-se a firmar tal declaração, Argentina, à época governada por Perón, e o Chile. A 27 de janeiro, o Brasil cumpria formalmente o compromisso assumido, mas ainda não era uma Declaração de Guerra.
Insuflado por manifestações diversas, como as lideradas pela UNE, em favor da democracia e contra valores fascistas, o Brasil iniciou uma aproximação irresistível com os EUA. Após vistoriarem as regiões e torno de Belém, Recife, Natal e Fernando de Noronha decidiram-se pro construir uma base militar que servisse de apoio para as operações aéreas na Europa.

Em troca da cessão da área, o Brasil receberia o financiamento externo necessário para a construção da Companhia Siderúrgica de Volta Redonda, a CSN. Outra vantagem econômica negociada pelo governo incluía as exportações de borracha, matéria-prima essencial para a fabricação de armamentos e insumos de guerra. Essa atividade levou a um intenso influxo de trabalhadores em direção à Amazônia: eram os soldados da borracha.

Em agosto, noticiou-se o ataque de submarinos alemães contra embarcações brasileiras. Os brasileiros, já relativamente preparados para entrar em guerra, cobraram ações do governo contra os alemães. Em 31 de agosto de 1942, o governo brasileiro comunicava oficialmente à Itália e à Alemanha sua decisão de entrar em estado de guerra.

A partir de então, quaisquer símbolos ou alusão à Itália ou à Alemanha estavam vedados. Os clubes de futebol Palestra Itália de Minas Gerais e de São Paulo tiveram de mudar seus nomes: Cruzeiro Esporte Clube e Sociedade Esportiva Palmeiras.

Em Conferência realizada em Natal, em 28 de janeiro de 1943, acordou-se o enviou de tropas brasileiras aos campos de batalha da II Guerra Mundial. Criava-se, assim, a FEB – Força Expedicionária Brasileira. 25 mil soldados brasileiros, comandados pelo general João Batista Mascarenhas de Morais, combateram na Itália, a partir de julho de 1944: Nápoles, Monte Castelo e Fornovo di Taro viram os pracinhas brasileiros empunhando armas.

A mais significativa vitória brasileira ocorreu durante a retomada de Monte Castelo. Lá, ocorreram a maioria das baixas brasileiras. No total, o conflito vitimou 460 soldados tupiniquins, cujos corpos descansam no Cemitério de Pistóia, na Toscana.         


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”   

segunda-feira, 24 de abril de 2017

TRABALHISMO: LEGADO VARGUISTA OU ENTULHO FASCISTA?


A ditadura do Estado Novo tinha um tripé, sobre o qual sustentava suas políticas: ordem-nacionalismo-trabalhismo (este último, a valorização do trabalho). O valor do trabalho era cantado e celebrado pelos propagandistas estatais.

Mas Getúlio também contou com o auxílio de sambistas e de compositores de marchinhas de carnaval. Eram tempos de concursos para escolha dos sambas que seriam cantados em desfiles, cordões, blocos etc.

Os compositores deveriam observar a portaria publicada pelo DIP, que trazia “recomendações” que deveriam ser seguidas na elaboração e na escolha das canções carnavalescas. Por exemplo, a romântica malandragem, sempre associada à boemia e à vadiagem, estava descartada como mote das composições. Agora, o “bom malandro” era trabalhador. Num dos episódios mais famosos desse período, o samba “O Bonde de São Januário”, de Wilson Batista e Ataulfo Alves, sofreu alterações para que pudesse ser gravado: a palavra “otário”, usada para se referir ao trabalhador que pegava o bonde para ir trabalhar foi substituída por “operário”. Mas os populares sabiam dessas interferências e não hesitavam em cantar o samba na sua forma original.

Por falar em São Januário, o estádio lá localizado foi palco de diversos eventos protagonizados por Vargas. Dentre eles, a assinatura do Decreto-Lei n. 5.452, que dava efeitos à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), em 1º de maio de 1943, isto é, no Dia Internacional do Trabalho.

Pela expressão Consolidação, entenda-se que a Código posto em execução trazia diversas leis que já existiam e produziam efeitos, porém promulgadas em separado. A CLT as reunia num só Codex.     
A ideologia do trabalhismo era muito presente nos regimes autoritários de matizes fascistas. Mussolini, Hitler, Franco, Salazar todos empregavam grandes esforços na comunicação com os trabalhadores. É famosa a frase “Arbei macht frei”, ou “O trabalho liberta”, inscrita sobre o portão de entrada do campo de concentração de Auschwitz.

Ciente da tradição que inaugurava em solo brasileiro e desejando se apropriar integralmente da ideologia a que se associava, em 15 de maio de 1945, o Ministro do Trabalho Alexandre Marcondes Filho inaugurava o PTB – Partido Trabalhista Brasileiro -, partido do qual Vargas seria líder e por meio do qual retornaria à política, após o fim de sua ditadura, ainda naquele ano.  


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”   

DITADURA E ARTE – ONDE HÁ DÉSPOTAS ESCLARECIDOS E MECENAS INTERESSADOS, HÁ POESIA?


Logo após a implantação do Estado Novo, isto é, a Ditadura varguista, surgiram os primeiros desentendimentos no seio golpista.

Por ter apoiado o grupo político dos ocupantes do Catete, Plínio Salgado cria ter direito a um cargo de alto escalão no governo. Via-se até mesmo como um futuro presidente em potencial. Mas a “recompensa” que receberia era bem diferente do que esperava.

Sua AIB – Ação Integralista Brasileira – foi fechada. Em represália, o líder da AIB, tenente Severo Fournier, comandou uma invasão ao Palácio Guanabara. Esse episódio ficou conhecido como o “Putsch da AIB”, em alusão ao episódio liderado por Adolf Hitler na Alemanha, o “Putsch da Cervejaria”, em 1923.
A resistência dentro do Palácio foi protagonizada pela família Vargas e alguns funcionários, de pistolas em punho, tentando manter os invasores do lado de fora, até a chegada de reforços policiais. O saldo da aventura foi de 4 soldados do Palácio mortos, ao lado de 7 rebeldes da AIB.

Mas o episodio serviu para alertar sobre a fragilidade do aparato de segurança na sede do governo. Tomou-se logo como medida a instituição da “Guarda Negra”, a guarda pessoal de Vargas, comandada por Gregório Fortunato, capanga do presidente desde os tempos de militância em São Borja, Gregório era filho de escravos alforriados e antigo funcionário da família Vargas. O chefe da Guarda era Benjamin Vargas, dando o caráter absolutamente reservado do aparato de segurança do Presidente.  

Em 1939, a ditadura do Estado Novo reestruturou o DPDC – Departamento de Propaganda e Difusão Cultural – dando origem ao DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda. Este atuava em conjunto com a polícia política, representada pelo DOPS – Departamento de Ordem Política e Social.

Essas eram as ferramentas de que o Estado dispunha para calar desafetos, reprimir demonstrações públicas de insatisfação e para manter os artistas sob cabresto curto.

Uma das primeiras medidas adotadas foi a descriminalização do samba e da capoeira. Outro fenômeno marcante ocorrido no período foi o fomento à produção intelectual daqueles que ficaram reconhecidos na história como intérpretes do Brasil.

Esse momento de intensa produção cultural teve precedentes: a Semana de Arte Moderna de 1922, a geração de 1930 (Jorge Amado, Graciliano Ramos, José Lins do Rego), o fenômeno Carmem Miranda, a criação do personagem Zé Carioca pela Disney, as composições imortais de Heitor Villa-Lobos foram, ao lado das obras literárias dos intelectuais da nossa nacionalidade, a amálgama que deu sustentação a idéias de nacionalidade e desenvolvimento, que surgiam pela primeira vez no país.

Durante a Era Vargas foram publicados: Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freyre; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; e Formação do Brasil Contemporâneo, de Caio Prado Júnior.

Outro ingrediente desse molho foi  a Copa do Mundo de 1938, na França. Para esse torneio foi enviado, pela primeira vez, um selecionado nacional de jogadores de futebol sem que houvesse interferência das Federações estaduais, que costumavam impregnar as escolhas dos nomes com a desconcertante “politicagem”, inerente às nossas instituições.   

A marcante miscigenação brasileira, até então atacada como fator a dificultar o desenvolvimento nacional, descrita quase como uma doença por alguns intelectuais, passou a ser celebrada, como um fator a se somar às qualidades nacionais. Os negros Domingos da Guia e Leonidas da Silva, este exibindo 8 gols e a artilharia do torneio, tornaram-se craques de renome mundial e símbolos do “Brasil que dá certo”. O Brasil chegou às semifinais, terminou em terceiro lugar e só perdeu uma partida, para a campeã e favoritíssima Itália, bicampeã em 1934 e 1938, por um apertado 2 x 1. Como uma ansiosa testemunha daquele embate, nas tribunas, o criador do lema “Vencer ou Morrer”, o “Il Duce” Benito Mussolini, assistia a tudo.

Diversos intelectuais foram atraídos para as fileiras novo-estadistas por meio do Ministro da Educação Gustavo Capanema. Carlos Drummond de Andrade, Cassiano Ricardo, Menotti Del Picchia, Plínio Salgado, Rosário Fusco, Gilberto Freyre, Almir de Andrade, Azevedo Amaral, Candido Portinari, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Alceu Amoroso Lima, Tristão de Atahyde foram alguns desses nomes. Não se olvide outro nome indelével das artes tupiniquins, Vinícius de Morais. O poeta e letrista bossanovista foi censor cinematográfico, laborando no Ministério da Educação varguista.

Foi o apoio e, até certo ponto, a abertura para a contribuição cultural de divergentes que diferenciou sensivelmente a ditadura varguista daquela posterior, de 1964, cujo trato com a intelectualidade era tipo como ora desdenhoso, ora conflituoso.

Outro intelectual marcante durante o período do Estado Novo chamava-se José Bento Renato Monteiro Lobato, mais conhecido apenas por Monteiro Lobato. Foi perseguido e preso pelo DOPS, em 1941, mas o motivo nada tinha a ver como o Sítio do Pica Pau Amarelo. Lobato defendia a soberania nacional por meio da defesa da prospecção do petróleo em território brasileiro em mãos estatais e sem participação estrangeira. Lobato também via a atuação fraca e inoperante do Conselho Nacional do Petróleo como um ataque franco ao país. Lobato expôs seus pontos de vista em carta endereçada ao presidente, o que motivou seu recolhimento à Prisão Tiradentes.

Grande parte dos argumentos de Lobato foram, mais à frente, utilizados como motivo fulcral para a fundação da Petrobras, pelo próprio Vargas, após seu retorno ao poder, em 1950.    


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”   

quinta-feira, 20 de abril de 2017

PLANO COHEN E O AI-5 DO ESTADO NOVO


A Constituição de 1934 trouxe alguma esperança de que anos sob uma verdadeira democracia estavam por vir. A Lei Eleitoral de 1932, por exemplo, introduzia o voto feminino e o direito de votar a partir dos 18 anos. Além disso, a nova Carta adotava o voto secreto; houve a criação da Justiça Eleitoral e da Justiça do Trabalho; determinou a nacionalização dos recursos naturais e de instituições financeiras; restringia o mercado de trabalho de estrangeiros no país; proibia o trabalho infantil e discriminações salariais; regulamentava o trabalho em fábricas e no campo. É patente a inspiração liberal lado a lado com medidas bastante autoritárias, de cunho claramente fascista – note-se que na década de 1930 a democracia se encontrava desacreditada em quase todo o mundo.

A Constituição de 1934 abriu caminho também para anos de centralização do poder nas mãos do chefe do Executivo. Por exemplo, a Carta não previa o cargo de vice-presidente. As ausências do presidente eram supridas pelo Presidente da Câmara dos Deputados.

O ambiente político estava agitado e caminhando para uma polarização perigosa. A direita era representada pelos fascistas da AIB – Ação Integralista Brasileira, liderados por Plínio Salgado. A esquerda era representada pelos comunistas da ANL – Aliança Nacional Libertadora, cujo líder era Luis Carlos Prestes, com patrocínio soviético. No curto prazo, estes últimos eram de longe a maior ameaça.

A medida perseguida pelo governo Vargas foi buscar o controle dos meios de comunicação estatal. Em 4 de abril de 1935 entrava em cena a Lei de Segurança Nacional. Em 13 de julho, a ANL foi fechada e alguns de seus membros foram presos. Em 22 de julho, entrava no o programa de rádio “A Hora do Brasil” (só anos depois foi rebatizado para “A Voz do Brasil”). Foi o mais poderoso instrumento de propaganda estatal até a chegada da TV, nos anos 1950.

A ANL reagiu. Cria-se até então que seria possível uma revolução comunista no Brasil. No ano de 1935, em datas e cidades diversas, estourou a Intentona, ou Levante, Vermelho, com a inesperada adesão de diversos Regimentos de Infantaria, de agrupamentos da Vila Militar e da Escola de Aviação. Surpreendentemente, até o Prefeito do Rio de Janeiro, Pedro Ernesto, foi preso, acusado de colaborar com os comunistas.

Após a decretação do Estado de Sítio, aprovado pelo Congresso por 172 votos a 32, o Levante foi contido e debelado. A lista de presos, acusados de comunistas, durante este breve “McCartismo tupiniquim” incluía Graciliano Ramos, jornalista e escritor de obras memoráveis, como São Bernardo.   

Também de triste memória foi a deportação de Olga Benário Prestes à Alemanha. Grávida e procurada pela temida Gestapo, acusada de participar de agitações comunistas em Munique, Olga foi encontrada num imóvel no bairro do Meier, Rio de Janeiro. Após dar à luz Anita, na prisão feminina para a qual foi encaminhada, morreu no campo de extermínio de Bernburg. Todos os presos durante a Intentona foram condenados pelo Tribunal de Segurança Nacional.

Getúlio pretendia também reduzir a força que os estados ainda tinham na Federação. Para tanto, conseguiu fazer passar uma medida que restringia o potencial bélico permitido às forças estaduais e sua subordinação irrestrita ao Exército.

A primeira eleição direta após a nova Carta foi marcada para ocorrer 1938 e, creia-se, sem o nome de Vargas dentre os candidatos. Era inevitável a sensação de que havia algo estranho no ar...

No dia 30 de setembro de 1937, anunciava-se que Getúlio e seu Ministro da Guerra, o futuro presidente Eurico Gaspar Dutra, haviam “descoberto” uma carta que “comprovava” o planejamento de ações que visavam a uma revolução comunista no país: chamaram de Plano Cohen. Após “investigações”, declarou-se que os autores da tal carta eram membros da Internacional Comunista. Assinava o documento Bela Cohen, ou Kun. Endereçava-se a seus agentes infiltrados no Brasil.

Getúlio usou seu aparelho de propaganda a seu favor. Leu trechos da tal carta para as massas, por meio de “A Hora do Brasil”. No mesmo dia o Congresso suspendeu garantias constitucionais e decretou estado de guerra. Forças Armadas entraram em estado de alerta, os integralistas foram prestar apoio ao governo no Palácio do Catete. Em 10 de novembro de 1937, foi revogada a Carta de 1934.

Em seu lugar, foi promulgada a Constituição de 1937, que estava pronta desde 1936, de autoria de Francisco Campos, intelectual de cores autoritárias e fascistas.

Apelidada de Polaca, fazendo referência à Constituição polonesa do ditador Josef Pilsudski, a nova Carta inaugurava a ditadura descarada do Estado Novo.  


Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”  


MOVIMENTO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 –A SECESSÃO PAULISTA


A data de 9 de julho de 1932 marca uma pequena guerra civil pela qual passou o Brasil. O lema mais famoso, inscrito no brasão da cidade, Non Ducor Duco – Não sou conduzido, conduzo -, indica a altivez marcante daquele povo, engasgado pela não posse de seu candidato, Júlio Prestes.

Para completar o quadro desfavorável que se desenhava pós-Revolução de 1930, Getúlio nomeou interventores federal para administrarem o estado, todos de fora do estado. Em 1932, quando os ânimos se acirravam, Getúlio nomeou o paulista Pedro Manuel de Toledo, mas isso não foi suficiente para conter a revolta.

Os paulistas exigiam uma nova Constituição e o fim do Governo Provisório. Do lado revoltoso, os maiores expoentes eram os empobrecidos cafeicultores, que sofriam com a crise de 1929 e seus efeitos sobre as exportações brasileiras, a nova e crescente classe média urbana e os novos poderosos industriais – em geral, descendentes de famílias tradicionalmente oligarcas e rurais, mas que surfavam na nova onda de industrialização do país.

Mas não se pense que algum dos lados nutria preocupação genuína com a democracia e planejava uma Constituição de viés claramente republicano. Tratava-se de uma “guerrilha intra-elites” e, no caso dos paulistas, preocupada com os excessos centralizados de Getúlio e de seus aliados, como Juarez Távora que, de tão poderoso no eixo Norte-Nordeste foi apelidado de “Vice Rei do Norte”.

Para de opor à ditadura varguista, os eternos inimigos PRR – Partido Republicano Paulista – e o Partido Democrático foram capazes de se aliarem momentaneamente: havia agora um inimigo comum a ser enfrentado.

Para que os tiros fossem disparados, falta apenas um estopim. E ele ocorreu em 23 de maio, quando 5 jovens foram assassinados no centro de São Paulo. Os acusados eram partidários da Legião Revolucionária, grupo pró-Vargas. As vítimas, cujos sobrenomes eram Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo deram origem à sigla exibida pelas forças paramilitares da capital paulista: MMDC. Havia ainda Orlando de Oliveira Alvarenga, por algum motivo raramente lembrado.

O interventor do estado, Pedro de Toledo, rompeu relações com o governo federal. Iniciava-se uma guerra civil, que se estendia pela capital, litoral e interior. Ainda que Getúlio tivesse convocado uma Assembléia Constituinte na última hora, o conflito era inevitável.

A Junta Revolucionária foi capaz de reunir 60 mil combatentes e 200 mil voluntários.

Embora o planejamento inicial previsse um enfrentamento de largas proporções, não foi o que ocorreu. Tropas mineiras e gaúchas não se juntaram aos revolucionários. A aguardada marcha do Vale do Paraíba ao Catete terminou por se desarticular em minúsculas frentes isoladas.

As tropas federais cercaram o estado, impedindo que adquirissem armas. Engenheiros da Escola Politécnica foram arregimentados, para que desenvolvessem novos armamentos usando apenas recursos locais, mas isso era insuficiente.

Em meio a esse tumultuado conflito, mais uma vítima marcante. O agricultor Paulo Virgílio, após ser apreendido pelas tropas federais, foi interrogado acerca da localização de trincheiras paulistas. Recusou-se a dar a informação e foi morto. Seu corpo se encontra no mesmo Mausoléu do Ibirapuera, ao lado dos jovens do MMDC.

Pouco a pouco o conflito arrefecia. Após a captura do Porto de Santos, os recursos disponíveis do governo local se reduziram abruptamente.

Em 2 de outubro de 1932, ocorreu a inevitável rendição. O saldo final era de mil mortos. Embora as estatísticas fossem pouco confiáveis, foi o maior conflito do século XX, no Brasil.

Agraciado com os louros da vitória, Getúlio optou por, mais uma vez, conciliar os ânimos mais exaltados. Nomeou novo interventor para o estado, porém dessa feita a escolha recaiu sobre o engenheiro civil Armando Salles de Oliveira, típico membro da elite paulista, casado com a filha de Júlio de Mesquita, fundador do jornal O Estado de SP.

Quanto ao estado, entrou em um processo de industrialização intensa, contando com a formação de excelentes quadros técnicos, em razão da criação da USP, em 1934.

Quanto à nova Constituição, promulgada em 1934, getulistas dizem que era a mesma pronta desde 1932. Por seu turno, os paulistas do pólo oposto dizem ter sofrido alterações importantes, em decorrência da Revolução... Vá saber.         


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Dossiê Getúlio Vargas”   

quarta-feira, 19 de abril de 2017

“BACK IN BAHIA” E “LONDON, LONDON” – COMO OS TROPICALISTAS VIAM LONDRES


Para saber mais sobre como Caetano e Gil foram exilados: https://noticias.terra.com.br/brasil/politica/presos-ha-45-anos-gil-e-caetano-foram-vitimas-do-ai-5-e-tiveram-que-se-exilar,9b62d3a863c03410VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html

BACK IN BAHIA
Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui
Vez em quando, quando me sentia longe, dava por mim
Puxando o cabelo
Nervoso, querendo ouvir Celly Campelo pra não cair
Naquela fossa
Em que vi um camarada meu de Portobello cair
Naquela falta
De juízo que eu não tinha nem uma razão pra curtir
Naquela ausência
De calor, de cor, de sal,de sol, de coração pra sentir
Tanta saudade
Preservada num velho baú de prata dentro de mim

Digo num baú de prata porque prata é a luz do luar
Do luar que tanta falta me fazia junto do mar
Mar da Bahia
Cujo verde vez em quando me fazia bem relembrar
Tão diferente
Do verde também tão lindo dos gramados campos de lá
Ilha do norte
Onde não sei se por sorte ou por castigo dei deparar
Por algum tempo
De afinal passou depressa, como tudo tem de passar
Hoje eu me sinto
Como se ter ido fosse necessário para voltar
Tanto mais vivo
De vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá

Lá em Londres, vez em quando me sentia longe daqui
Vez em quando, quando me sentia longe, dava por mim
Puxando o cabelo
Nervoso, querendo ouvir Celly Campelo pra não cair

Naquela fossa
Em que vi um camarada meu de Portobello cair
Naquela falta de juízo que eu não tinha nem uma razão pra curtir
Naquela ausência
De calor, de cor, de sal, de sol, de coração pra sentir
Tanta saudade
Preservada num velho baú de prata dentro de mim

Digo num baú de prata porque prata é a luz do luar
Do luar que tanta falta me fazia junto do mar
Mar da Bahia
Cujo verde vez em quando me fazia bem relembrar
Tão diferente
Do verde também tão lindo dos gramados campos de lá
Ilha do norte
Onde não sei se por sorte ou por castigo dei deparar
Por algum tempo
Que afinal passou depressa, como tudo tem de passar
Hoje eu me sinto
Como se ter ido fosse necessário para voltar
Tanto mais vivo
De vida mais vivida, dividida pra lá e pra cá


LONDON, LONDON
I'm wandering round and round, nowhere to go
I'm lonely in London, London is lovely so
I cross the streets without fear
Everybody keeps the way clear

Olho ao redor, nenhum lugar aonde ir
Estou sozinho em Londres, Londres é tão amável
Cruzo ruas sem medo
Todos deixam o caminho livre

I know, I know no one here to say hello
I know they keep the way clear
I am lonely in London without fear
I'm wandering round and round here, nowhere to go

Eu sei, eu sei ninguém aqui para dizer olá
Eu sei que eles deixam meu caminho livre
Estou sozinho em Londres sem medo
Procuro ao redor, nenhum lugar aonde ir

While my eyes go looking for flying saucers in the sky
While my eyes go looking for flying saucers in the sky

Enquanto meus olhos procuram por discos voadores no céu
Enquanto meus olhos procuram por discos voadores no céu

Oh Sunday, Monday, Autumn pass by me
And people hurry on so peacefully
A group approaches a policeman
He seems so pleased to please them

Oh domingo, segunda, outono passam
E as pessoas se apressam tão tranquilamente
Um grupo se aproxima de um policial
Ele parece tão satisfeito por ajudá-los

It's good at least, to live and I agree
He seems so pleased, at least
And it's so good to live in peace
And Sunday, Monday, years, and I agree

Pelo menos é bom, viver e eu concorso
Ele parece tão satisfeito, ao menos
E é tão bom viver em paz
E domingo, segundo, anos, e eu concordo

While my eyes go looking for flying saucers in the sky
While my eyes go looking for flying saucers in the sky

Enquanto meus olhos procuram discos voadores no céu
Enquanto meus olhos procuram discos voadores no céu

I choose no face to look at, choose no way
I just happened to be here, and it's ok
Green grass, blue eyes, grey sky
God bless silent pain and happiness
I came around to say yes, and I say
Green grass, blue eyes, grey sky
God bless silent pain and happiness
I came around to say yes, and I say

Não escolho um rosto para olhar, não escolho um caminho
Eu apenas fico aqui, e é bom
Gramados verdes, olhos azuis, céu cinza
Deus abençoa a dor e a felicidade em silêncio
E eu retorno para dizer sim, e digo sim
Gramados verdes, olhos azuis, céu cinza
Deus abençoa a dor e a felicidade em silêncio
E eu retorno para dizer sim, e digo sim
   
But my eyes go looking for flying saucers in the sky
Yes, my eyes go looking for flying saucers in the sky
While my eyes go looking for flying saucers in the sky
Oh, my eyes go looking for flying saucers in the sky
Yes, my eyes go looking for flying saucers in the sky
While my eyes go looking for flying saucers in the sky
Oh, my eyes go looking for flying saucers in the sky
While my eyes go looking for flying saucers in the sky
Yes, my eyes go looking for flying saucers in the Sky

E se repete... lindamente, claro.



RUBEM L. DE F. AUTO

REFAVELA – GILBERTO GIL REVELA A FAVELA


A refavela 
Revela aquela 
Que desce o morro e vem transar 
O ambiente 
Efervescente 
De uma cidade a cintilar 

Nada mais natural que começar a letra descrevendo aquilo que se deseja analisar. Infelizmente o Gil cita uam constatação triste: da favela saem grande parte das garotas de programa das nossas cidades. Pobreza e preconceitos mil relegam as negras e mulatas à triste realidade da prostituição.
Mas existem os contrapontos, citados ao longo da letra. As favelas também foram berço de diversos estilos musicais e de diversões: samba, bailes dos anos 1970, funk carioca, rap paulista etc.

A refavela 
Revela o salto 
Que o preto pobre tenta dar 
Quando se arranca 
Do seu barraco 
Prum bloco do BNH 

As construções voltadas para as pessoas de baixa renda, como os conjuntos financiados pelo Banco Nacional da Habitação, ou BNH, nos anos 1970 e 1980, antepassado do “Minha Casa, Minha Vida” e abortado pela escalada incontrolada da inflação, dava oportunidade de moradores de zonas irregulares adquirirem seu sonhado lar. Certamente apenas os mais bem empregados teriam essa oportunidade, revelando assim os casos de sucesso locais.
Deixar a favela para trás é, certamente, o sonho de muitos.
E não se pense que isso é traição: morar num barraco dependurado numa encosta é necessidade, não projeto de vida.

A refavela, a refavela, ó 
Como é tão bela, como é tão bela, ó 

Mas é impossível desconectar o ambiente das pessoas lá inserida. Sim, o lugar pode ser asqueroso, mas as pessoas, não.  

A refavela 
Revela a escola 
De samba paradoxal 
Brasileirinho 
Pelo sotaque 
Mas de língua internacional 

Aqui nessa estrofe, Gil se refere a um dos produtos mais celebrados das favelas: o samba. O sucesso internacional e as dimensões que esse estilo musical, somado à festa anual que comemora, é, ao lado de grandes jogadores de futebol, uma prova viva da capacidade criativa de pessoas nascidas nas condições mais adversas imagináveis.

A refavela 
Revela o passo 
Com que caminha a geração 
Do black jovem 
Do black-Rio 
Da nova dança no salão 

Nessa estrofe, Gil fala da juventude, em geral mais permeável a novidades. São os jovens que disseminam as criações culturais saídas das favelas.
Decadas atrás ocorreu com sambistas como Bezerra da Silva, que cantava o samba-marginal, cujas letras descreviam crimes e contravenções com bastante humor. Moradores de bairros afluentes, em geral jovens, passaram a ter contato com aquela cultura marginalizada, e isso abriu portas e mudou o modo como aquela geração encarava o samba e, consequentemente, as favelas.
As gerações mais recentes viveram o mesmo com o funk.

Iaiá, kiriê 
Kiriê, iaiá 

É música, né... J

A refavela 
Revela o choque 
Entre a favela-inferno e o céu 
Baby-blue-rock 
Sobre a cabeça 
De um povo-chocolate-e-mel 

A letra fala de oposições, paradoxos. Novamente o tema retorna nos três primeiros versos.
Não custa lembrar, como se faz referência, que blues e rock são subprodutos do jazz, estilo musical norte-americano e originalmente negra.  

A refavela 
Revela o sonho 
De minha alma, meu coração 
De minha gente 
Minha semente 
Preta Maria, Zé, João 

Como já havia sido falado anteriormente nessa música, a favela revela pessoas, com seus sonhos, paixões, amores. Pessoas comuns, brasileirinhos como a Maria, o Zé, o João etc.

A refavela, a refavela, ó 
Como é tão bela, como é tão bela, ó 

De novo, é uma música... J

A refavela 
Alegoria 
Elegia, alegria e dor 
Rico brinquedo 
De samba-enredo 
Sobre medo, segredo e amor 

Nessa estrofe Gil se concentra sobre o samba-enredo, mote dos desfiles de escolas de samba. São muitos os sambas-enredo que falam das favelas, da escravidão, de navios negreiros etc. Citações claras a um passado terrível que ainda aflige pessoas de pele negra, ampla maioria nas favelas.

A refavela 
Batuque puro 
De samba duro de marfim 
Marfim da costa 
De uma Nigéria 
Miséria, roupa de cetim 

Bom, os dois primeiros versos se referem ao batuque nascido nas favelas. O terceiro mistura referências ao samba e à África. Na sequência, a referência fica mais clara: Costa do Marfim, região próxima à Fortaleza de onde saiam os escravos.

Iaiá, kiriê 
Kiriê, iáiá.


Fim.


RUBEM L. DE F. AUTO