Mateus Reinaldo Colombo costumava se vangloriar por ter
descoberto “a sede do deleite das mulheres”. O que ele julgou ter descoberto,
chamou de “amor ou doçura de Vênus”, mas é hoje conhecido como clitóris.
Era 1559 e Colombo certamente estava desatualizado. Esse órgão
do prazer feminino estava presente na literatura médica há milênios: gregos,
persas e árabes, além das próprias interessadas, ou seja, mulheres curiosas e
que gostavam de se acariciar.
Mas é certo que um milênio de monges, bispos e padres
recriminando e criminalizando atos sexuais davam certa razão à alegria de
Colombo – sim, pode-se dizer que esse Colombo descobriu uma América do sexo, ao
menos para os Europeus, quase que com a mesma exatidão de quando se fala da
descoberta do outro Colombo.
O enriquecimento de algumas cidades-Estados localizadas na
península Itálica no final da Idade Média levaram ao renascimento de ideais
artísticos e culturais que remetiam ao período clássico anterior, ocorridos na
Grécia e em Roma. Chamam a isso de Renascimento. Tudo isso valia também quando
o assunto era sexo!
Em 1353, Giovanni Bocaccio publicou Decameron, reunião de
contos, muitos deles eróticos. Matteo Bandello foi outro a publicar histórias
como essas. Numa passagem, um moribundo está se confessando com um padre e diz “Divertir-me
com rapazinhos era em mim tão natural como beber e comer, e ainda me perguntas
se eu pecava contra a natureza! Vai-te, vai-te, que não sabes o que é bom”.
Também se publicavam muitos livros de poemas eróticos,
acompanhados de muitas gravuras igualmente eróticas. Afinal, muita gente não
sabia ler, mas gostava de sacanagem. O pintor Giulio Romano se notabilizou como
ilustrador erótico na época.
Aliás, a pintura alcançou as técnicas da tridimensionalidade
na Renascença, tornando-se capazes de representar o corpo humano nu com
perfeição – o que despertou muitas críticas dos mais conservadores e
moralistas. A luxúria saía dos pensamentos pecaminosos e tomava as telas e
murais.
Multiplicavam-se as pinturas de Vênus envolvida apenas em vestidos
transparentes, ninfas nuas atraíam sátiros sedentos. Não sobravam críticas à
nova decoração das igrejas, bela e rica, mas que chegava a lembrar templos dedicados
a deuses “pagãos”.
Chama a atenção a modificação do padrão de beleza naquele
período. Até então, a mulher bela que se costumava retratar era pálida, magra,
tinha seios pequenos e trazia a gravidade de quem se guiava por estritos
padrões morais. Agora, a bela do Renascimento era uma mulher que não escondia
seus desejos, tinha quadris largos, seios proeminentes e tinham muitas gordurinhas.
Agora, a mulher magra representava a feiúra, a doença, a pobreza. Talvez fosse conseqüência
daqueles tempos em que a abundância somente chegara às mesas aristocráticas.
A vestimenta sofreu transformação semelhante. Os vestidos
compridos e de cintura estreita deram lugar a vestidos decotados. Os novos
cosméticos apareceram nas pinturas, com mulheres de lábios pintados, maças do
rosto rosadas e sobrancelhas bem marcadas.
O cenário de “renascimento da luxúria” era completado por
artistas afamados que desdenhavam da monogamia desfilando com belas e muitas
mulheres, aristocratas se lançando vorazmente às suas concubinas. E, como se
não bastasse, com o assalto de luxúria que tomou os religiosos, especialmente a
Cúria da Igreja romana.
Em 1434, o papa Eugênio IV, durante o concílio da Basileia,
declarou: “Das solas dos pés ao cocoruto da cabeça, não há no corpo da Igreja
uma única parte sã.” A vida monástica e casta dos monastérios havia ficado no
passado. Sobrevam hiostórias de padres que se envolviam frequentemente em
brigas, que tinham concubinas e que freqüentavam prostíbulos. Alguns não iam
rezar as missas, outros cobravam pela realização dos sacramentos (batismo,
confissão...). Alguns clérigos não tinha vocação sacerdotal alguma, mas não demonstravam
inclinação para o casamento: suas famílias os levavam compulsoriamente para a
vida religiosa.
Conforme se escalava na hierarquia da Igreja, piores se
tornavam as histórias de luxúria. Erasmo de Roterdã chegou a declarar: “os
papas fazem com que Cristo seja esquecido, acorrentam-no a leis de traficância,
desnaturam-lhe os ensinamentos com interpretações manipuladas e matam-no com o
seu vergonhoso comportamento.”
O papa era, além de líder religioso, chefe dos Estados
Papais. Isso levou famílias poderosas a ambicionarem o cargo, de olho nas
possibilidades políticas e na relação entre as diversas cidades-Estados
italianas. Os Médici, os Sforza, os Orsini, os della Rovere, os Savelli, todas colocaram
filhos na carreira religiosa, conquistaram vagas no Colégio de Cardeiais e,
assim, compraram os votos necessários para a escolha do novo papa que mais lhes
agradassem.
O papa Sisto IV, famoso por ter encomendado a Capela
Sistina, tinha seis sobrinhos entre os 34 cardeais. Fez tantos inimigos que foi
acusado de sodomita (homossexual) por um secretário do Senado romano.
Conforme assumia o papel de príncipe de um Estado, o papa se
tornava mais corrupto. O papa Inocêncio VIII assumiu o papado tendo já dois
filhos ilegítimos – e após isso os reconheceu. Para fechar uma aliança com
Florença, nomeou um membro da família Médici cardeal, quando o menino tinha
apenas 13 anos de idade. Chagou a hipotecar bens da Igreja para pagar o
casamento da filha. Foi só o começo de uma longa história de leilões da fé.
O sucessor de Inocência fazia-o parecer um pecador comedido.
O cardeal espanhol Rodrigo Bórgia, após coroado papa Alexandre VI, obviamente
subornando o máximo de cardeais do Colégio, alcançou o cume da libertinagem. Teve
quatro filhos com a cortesã, Vanozza dei Cattanei. Morava no palácio mais
elegante da Itália, próximo à casa de sua cortesã favorita. Também tinha uma
segunda cortesão do seu agravo, Giulia Farnese, cujo irmão seria nomeado
cardeal, Alessandro Farnese, ou papa Paulo III.
Suas festas eram um capítulo à parte. No “Balé das Castanhas”,
ocorrida em 30 de outubro de 1501, após o jantar, Alexandre pôs 50 cortesãs
para dançarem, inicialmente vestidas, depois nuas. Depois ele mandou que se
pusessem os candelabros no chão e espalhou castanhas por todo o piso. As moças
tinham que apanhar as castanhas engatinhando entre as velas, divertindo os
homens em posições bastante sensuais. Fazia campeonatos em que distribuía
prêmios a quem ejaculassem o maior número de vezes com prostitutas. Além disso,
boatos davam conta de que tanto Alexandre VI quanto seu filho mantinham
relações incestuosas com Lucrécia, sua filha.
Rodrigo Bórgia tinha uma mente tão luxuriosa quanto
estratégica: casou seus filhos com as nobrezas da Itália, da Espanha e da
França. Era um dos clãs mais poderosos da Europa.
Júlio II, sucessor de Alexandre VI, destacou-se como um grande
mecenas. Bancou Michelangelo e Rafael, com seus quadros e esculturas nus, no
Vaticano e na Capela Sistina e em outros lugares.
A revolta contra o que se considerava práticas pecaminosas
no seio da Igreja despertou ódios, como no padre Jerônimo Savonarola, que
pregava abertamente contra os papas em Florença. Quando passou a criticar o
papa Alexandre VI, em 1497, foi excomungado pelo próprio Alexandre, torturado,
enforcado e queimado vivo em praça pública.
Com o tempo, os insatisfeitos começaram a clamar por
reformas. Foi isso o que fez Martinho Lutero, em 1517, quando pregou suas 95
teses na porta da Igreja de Wittenberg. Martinho questionou: Por que o papa não
esvazia o purgatório em nome do amor sagrado e da enorme necessidade das almas
que lá estão, se ele resgata inúmeras almas em troca de um dinheirinho
miserável para construir uma igreja?”
Mas agora os nobres também estavam incomodados com os abusos
fiscais para financiar guerras e cruzadas, construir igrejas, patrocinar
artistas e financiar o luxo. Logo surgiu em Genebra outra organização do tipo,
fundada por João Calvino. Na Inglaterra, Henrique VII fundou outra denominação
religiosa diretamente subordinada ao Estado, para permitir seu divórcio de
Catarina de Aragão, que não tinha gerado herdeiros.
Esses fatos estavam no âmbito da Reforma Protestante, que baixou
a temperatura da vida sexual na Europa a níveis glaciais.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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