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terça-feira, 26 de setembro de 2017

RENASCIMENTO E A VOLTA DA SACANAGEM


Mateus Reinaldo Colombo costumava se vangloriar por ter descoberto “a sede do deleite das mulheres”. O que ele julgou ter descoberto, chamou de “amor ou doçura de Vênus”, mas é hoje conhecido como clitóris.
Era 1559 e Colombo certamente estava desatualizado. Esse órgão do prazer feminino estava presente na literatura médica há milênios: gregos, persas e árabes, além das próprias interessadas, ou seja, mulheres curiosas e que gostavam de se acariciar.

Mas é certo que um milênio de monges, bispos e padres recriminando e criminalizando atos sexuais davam certa razão à alegria de Colombo – sim, pode-se dizer que esse Colombo descobriu uma América do sexo, ao menos para os Europeus, quase que com a mesma exatidão de quando se fala da descoberta do outro Colombo.

O enriquecimento de algumas cidades-Estados localizadas na península Itálica no final da Idade Média levaram ao renascimento de ideais artísticos e culturais que remetiam ao período clássico anterior, ocorridos na Grécia e em Roma. Chamam a isso de Renascimento. Tudo isso valia também quando o assunto era sexo!

Em 1353, Giovanni Bocaccio publicou Decameron, reunião de contos, muitos deles eróticos. Matteo Bandello foi outro a publicar histórias como essas. Numa passagem, um moribundo está se confessando com um padre e diz “Divertir-me com rapazinhos era em mim tão natural como beber e comer, e ainda me perguntas se eu pecava contra a natureza! Vai-te, vai-te, que não sabes o que é bom”.    

Também se publicavam muitos livros de poemas eróticos, acompanhados de muitas gravuras igualmente eróticas. Afinal, muita gente não sabia ler, mas gostava de sacanagem. O pintor Giulio Romano se notabilizou como ilustrador erótico na época.

Aliás, a pintura alcançou as técnicas da tridimensionalidade na Renascença, tornando-se capazes de representar o corpo humano nu com perfeição – o que despertou muitas críticas dos mais conservadores e moralistas. A luxúria saía dos pensamentos pecaminosos e tomava as telas e murais.

Multiplicavam-se as pinturas de Vênus envolvida apenas em vestidos transparentes, ninfas nuas atraíam sátiros sedentos. Não sobravam críticas à nova decoração das igrejas, bela e rica, mas que chegava a lembrar templos dedicados a deuses “pagãos”.

Chama a atenção a modificação do padrão de beleza naquele período. Até então, a mulher bela que se costumava retratar era pálida, magra, tinha seios pequenos e trazia a gravidade de quem se guiava por estritos padrões morais. Agora, a bela do Renascimento era uma mulher que não escondia seus desejos, tinha quadris largos, seios proeminentes e tinham muitas gordurinhas. Agora, a mulher magra representava a feiúra, a doença, a pobreza. Talvez fosse conseqüência daqueles tempos em que a abundância somente chegara às mesas aristocráticas.

A vestimenta sofreu transformação semelhante. Os vestidos compridos e de cintura estreita deram lugar a vestidos decotados. Os novos cosméticos apareceram nas pinturas, com mulheres de lábios pintados, maças do rosto rosadas e sobrancelhas bem marcadas.     

O cenário de “renascimento da luxúria” era completado por artistas afamados que desdenhavam da monogamia desfilando com belas e muitas mulheres, aristocratas se lançando vorazmente às suas concubinas. E, como se não bastasse, com o assalto de luxúria que tomou os religiosos, especialmente a Cúria da Igreja romana.

Em 1434, o papa Eugênio IV, durante o concílio da Basileia, declarou: “Das solas dos pés ao cocoruto da cabeça, não há no corpo da Igreja uma única parte sã.” A vida monástica e casta dos monastérios havia ficado no passado. Sobrevam hiostórias de padres que se envolviam frequentemente em brigas, que tinham concubinas e que freqüentavam prostíbulos. Alguns não iam rezar as missas, outros cobravam pela realização dos sacramentos (batismo, confissão...). Alguns clérigos não tinha vocação sacerdotal alguma, mas não demonstravam inclinação para o casamento: suas famílias os levavam compulsoriamente para a vida religiosa.

Conforme se escalava na hierarquia da Igreja, piores se tornavam as histórias de luxúria. Erasmo de Roterdã chegou a declarar: “os papas fazem com que Cristo seja esquecido, acorrentam-no a leis de traficância, desnaturam-lhe os ensinamentos com interpretações manipuladas e matam-no com o seu vergonhoso comportamento.”

O papa era, além de líder religioso, chefe dos Estados Papais. Isso levou famílias poderosas a ambicionarem o cargo, de olho nas possibilidades políticas e na relação entre as diversas cidades-Estados italianas. Os Médici, os Sforza, os Orsini, os della Rovere, os Savelli, todas colocaram filhos na carreira religiosa, conquistaram vagas no Colégio de Cardeiais e, assim, compraram os votos necessários para a escolha do novo papa que mais lhes agradassem.

O papa Sisto IV, famoso por ter encomendado a Capela Sistina, tinha seis sobrinhos entre os 34 cardeais. Fez tantos inimigos que foi acusado de sodomita (homossexual) por um secretário do Senado romano.

Conforme assumia o papel de príncipe de um Estado, o papa se tornava mais corrupto. O papa Inocêncio VIII assumiu o papado tendo já dois filhos ilegítimos – e após isso os reconheceu. Para fechar uma aliança com Florença, nomeou um membro da família Médici cardeal, quando o menino tinha apenas 13 anos de idade. Chagou a hipotecar bens da Igreja para pagar o casamento da filha. Foi só o começo de uma longa história de leilões da fé.

O sucessor de Inocência fazia-o parecer um pecador comedido. O cardeal espanhol Rodrigo Bórgia, após coroado papa Alexandre VI, obviamente subornando o máximo de cardeais do Colégio, alcançou o cume da libertinagem. Teve quatro filhos com a cortesã, Vanozza dei Cattanei. Morava no palácio mais elegante da Itália, próximo à casa de sua cortesã favorita. Também tinha uma segunda cortesão do seu agravo, Giulia Farnese, cujo irmão seria nomeado cardeal, Alessandro Farnese, ou papa Paulo III.

Suas festas eram um capítulo à parte. No “Balé das Castanhas”, ocorrida em 30 de outubro de 1501, após o jantar, Alexandre pôs 50 cortesãs para dançarem, inicialmente vestidas, depois nuas. Depois ele mandou que se pusessem os candelabros no chão e espalhou castanhas por todo o piso. As moças tinham que apanhar as castanhas engatinhando entre as velas, divertindo os homens em posições bastante sensuais. Fazia campeonatos em que distribuía prêmios a quem ejaculassem o maior número de vezes com prostitutas. Além disso, boatos davam conta de que tanto Alexandre VI quanto seu filho mantinham relações incestuosas com Lucrécia, sua filha.

Rodrigo Bórgia tinha uma mente tão luxuriosa quanto estratégica: casou seus filhos com as nobrezas da Itália, da Espanha e da França. Era um dos clãs mais poderosos da Europa.

Júlio II, sucessor de Alexandre VI, destacou-se como um grande mecenas. Bancou Michelangelo e Rafael, com seus quadros e esculturas nus, no Vaticano e na Capela Sistina e em outros lugares.

A revolta contra o que se considerava práticas pecaminosas no seio da Igreja despertou ódios, como no padre Jerônimo Savonarola, que pregava abertamente contra os papas em Florença. Quando passou a criticar o papa Alexandre VI, em 1497, foi excomungado pelo próprio Alexandre, torturado, enforcado e queimado vivo em praça pública.

Com o tempo, os insatisfeitos começaram a clamar por reformas. Foi isso o que fez Martinho Lutero, em 1517, quando pregou suas 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg. Martinho questionou: Por que o papa não esvazia o purgatório em nome do amor sagrado e da enorme necessidade das almas que lá estão, se ele resgata inúmeras almas em troca de um dinheirinho miserável para construir uma igreja?”

Mas agora os nobres também estavam incomodados com os abusos fiscais para financiar guerras e cruzadas, construir igrejas, patrocinar artistas e financiar o luxo. Logo surgiu em Genebra outra organização do tipo, fundada por João Calvino. Na Inglaterra, Henrique VII fundou outra denominação religiosa diretamente subordinada ao Estado, para permitir seu divórcio de Catarina de Aragão, que não tinha gerado herdeiros.

Esses fatos estavam no âmbito da Reforma Protestante, que baixou a temperatura da vida sexual na Europa a níveis glaciais.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”

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