A história dos portugueses produzindo açúcar remete ao
século XV, nas ilhas da Madeira e São Tomé. Portugal se preocupou com a
produção, em controlá-la, mas nunca demonstrou interesse em controlar a
comercialização do produto. Inicialmente essa distribuição no continente
europeu ficava a cargo dos experientes mercadores venezianos.
Portugal desenvolveu toda uma indústria de engenhos e
equipamentos para os mesmos. A implantação de novos engenhos tornou-se mais
facilitada e a produção não parava de crescer. Em pouco tempo, toda essa
quantidade avassaladora de açúcar foi redirecionada para os portos de Flandres,
na atual Holanda. Ou seja, os holandeses passaram a refinar o açúcar e
redistribuí-lo pelo continente.
Ficou logo patente que a produção daquelas duas ilhas era
insuficiente para o imenso mercado que desabrochava. O local para onde esses
empreendimentos foram exportados foi o Brasil, o nordeste brasileiro mais
especificamente. Cooperaram Portugal e Holanda para esse fim.
O único obstáculo com que depararam foi a falta de mão de
obra. A população de Portugal era incrivelmente pequena. Mas já havia naquela altura
inúmeros portugueses instalados em postos e entrepotos comerciais portugueses
por toda a costa africana e muitos deles trabalhavam com tráfico de escravos (mantinham
contatos comerciais com chefes locais que capturavam homens de aldeias inimigas
e os vendiam como escravos). Portanto resolver o problema da falta de mão de
obra nas fazendas de açúcar brasileiras era questão de escala, tão somente.
O resultado foi espetacular: no início do século XVII,
Pernambuco contava com 120 engenhos e partiam de seus portos de 130 a 140
navios lotados de açúcar todos os anos. Contavam-se os escravos aos milhares. O
resultado disso foi o nascimento de uma elite colonial odiosamente ociosa. Os
dias passavam lentamente no seu limitado circuito rede-capela. Nas palavras de
Gilberto Freyre: os senhores de engenho passaram a contar com duas mãos
esquerdas, enquanto os escravos tinham duas mãos direitas. As mãos do senhor “só
servindo para desfiar o rosário no terço da Virgem; para pegar as cartas de
jogar; para tirar rapé das bocetas (bolsinhas) ou dos corriboques; para
agradar, apalpar e amolegar os peitos das negrinhas, das mulatas, das escravas
bonitas dos seus haréns”, continuava.
A vida de senhor de engenho começava cedo. Sua futura noiva
era escolhida ainda aos 13 anos, na maior parte das vezes sem ter sequer posto
os pés para fora da casa-grande: elas saiam da guarda do pai para a guarda do
esposo, sempre os servindo, compulsoriamente. O noivo, o “sinhozinho”, era
geralmente 10 a 20 anos mais velho. O móvel desses casamentos não era o amor,
mas os interesses comerciais – os noivos raramente se conheciam. A moral sob o
matrimônio era aquela estabelecida pela Igreja.
Contudo, as regras aqui vigentes não valiam para a fornicação.
O sexo com escravas era muito diferente – e sua “moral” era única e cruel.
Conforme notara o engenheiro francês Delabat, por volta de 1700: “é costume
entre os portugueses deixar suas mulheres brancas, ainda que sejam muito belas,
para deitarem-se com as negras e mulatas. Há, a seus olhos, duas vantagens
nisso. Em primeiro lugar, dizem, a mudança de carne renova o apetite; em
segundo, todas as crianças provenientes de tal relação fazem crescer o plantel
de escravos da família.” Isso mesmo: escravizavam seus filhos sem peso na
consciência...
A “senhora de engenho”, a odiosa “sinhá”, estritamente mãe e
dona de casa, vivia rodeada pelas mucamas, nome dado às escravas do lar (apenas
a casa-grande podia ser considerada um lar). As mucamas poderiam ter funções
variadas: escravas sexuais dos senhores, concubinas dos senhores (nesse caso, o
senhor as libertava e as mantinha em vilas, longe da sinhá). O ditado popular
descrevia bem o que se passava nas cabeças masculinas: “branca para casar,
mulata para foder e negra para trabalhar.”
À sinhá, igualmente ociosa, restava engordar no tédio do
lar. Em livros, as senhoras eram descritas como “gordas, nédias, flácidas...”.
Já as escravas eram “negras e mulatas de boas coxas, bons dentes, peitos
salientes, flexíveis.” Não é difícil imaginar os ciúmes e, consequentemente, as
violências desmedidas praticadas pelas senhoras contra suas escravas.
A superioridade social que valia para o senhor, valia para a
senhora: falavam alto, gritavam e não poderiam ser contrariadas. Mesmo suas
ordens mais absurdas e desumanas deveriam ser obedecidas. Como conta Gilberto
Freyre: “Sinhás-moças que mandavam arrancar os olhos de mucamas bonitas e
trazê-los à presença so marido, à hora da sobremesa”, “Baronesas já de idade
que mandavam vender mulatinhas de quinze anos a velhos libertinos”, “que
espatifavam o salto de botina nos dentes das escravas; ou que mandavam-lhes
cortar os peitos, arrancar as unhas, queimar a cara ou as orelhas”. Quase
sempre por ciúmes do marido.
Já o sexo entre os escravos era absurdamente restrito.
Primeiramente, o sexo era voltado para aplacar as necessidades fisiológicas: a procriação era impensada no caso deles. Separavam-se
os dormitórios masculino e feminino. Mesmo casados, os encontros sexuais eram
escondidos.
A igreja tentou ajudar, exigindo que os senhores promovessem
casamentos religiosos entre seus escravos, mas poucos observavam essa norma. As
mulheres eram em número mínimo: de 1/3 a 1/5 do total de escravos. Como bem se
sabe, pôr centenas de homens encarcerados, sem mulheres, é receita para uma carnificina.
Por isso muitos senhores reservavam algumas mulheres para seus escravos.
Segundo Debret: “tem-se o hábito, nas grandes propriedades, de reservar uma negra
para cada quatro homens; cabe-lhes arranjar-se para compartilharem
sossegadamente o fruto dessa concessão feita tanto para evitar os pretextos de
fuga como em vista de uma futura procriação destinada a equilibrar os efeitos
da mortalidade.”
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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