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quinta-feira, 14 de setembro de 2017

POMBAL E A RECONSTRUÇÃO COM MÃOS DE FERRO


Em 1º de novembro de 1755, uma enorme onda devassou as ilhas do Caribe. No final da tarde, onda de igual proporção a Grã Bretanha de costa a costa. Goethe, um dos maiores escritores alemães, tinha seis anos de idade naquele ano, mas lembrava do tremor que sentira por toda a vida. Voltaire, naquele tempo exilado na Suíça, sentiu o mesmo tremor, que serviu de inspiração para sua grande obra, Cândido.

Estes foram alguns dos efeitos provocados pelo maior terremoto a atingir a Europa desde sempre: o terremoto de Lisboa. Seu epicentro estava a sudoeste do Cabo São Vicente, no oceano. Atingiu tragicamente o Algarve e o Alentejo. Sacudiu Lisboa às nove e meia da manhã.

Era dia de Todos-os-Santos, as 56 igrejas de Lisboa estavam lotadas e preenchidas por inúmeras velas. Dois minutos de tremores extremos foram suficientes para deixar apenas cinco delas de pé.

Após o primeiro, seguiu-o um segundo tremor que levantou uma quantidade tal de poeira que matou a muitos sufocados - aqueles que conseguiram sobreviver ao primeiro tremor. Fechando o cenário infernal, um gigantesco maremoto invadiu o Tejo pelo seu estuário e afundou toda a parte baixa de Lisboa, afogando muitos dos sobreviventes dos dois primeiros golpes. Os incêndios se alastraram por seis dias, cremando os corpos debaixo dos escombros.Ainda foram sentidos tremores ao longo de todo o dia.

Quando as águas finalmente recuaram, contaram-se as perdas: seis de cada sete edifícios estavam destruídos – dentre eles o palácio do cardeal, o Tribunal da Inquisição, a Casa da Índia, a Capela Real, a Casa da Ópera (inaugurada pouco antes). Belíssimas obras de arte e bibliotecas apinhadas de clássicos foram perdidas para sempre. Ficaram de pé a cadeia pública e todo o bairro boêmio (e de prostituição). Presos conseguiram escapar da cadeia e deram início a uma onda de roubos que tomou a cidade. Cerca de dez por cento da população morreu nessa tragédia.

O rei de então, D. José, estava fora da cidade e conseguiu escapar da morte. Ao tomar conhecimento do que ocorrera, perguntou a seu jovem Ministro, que ficaria em breve conhecido como Marquês de Pombal, o que deveria fazer. A resposta foi eloqüente: “Enterre os mortos; dê de comer aos vivos; reconstrua a cidade.” Mas o rei decidiu-se por permanecer em Belém e enviou o jovem Ministro à capital. Esse foi o início de uma carreira marcante.

Para Pombal, o terremoto abria grandes oportunidades. Escreveu até mesmo um manifesto: As Vantagens que o Rei de Portugal Pode Obter do Terramoto de 55”. Passou oito dias sem retornar à casa. Vistoriou toda a cidade, avaliou cada imóvel e distribuiu uma quantidade enorme de ordens.”

Homens válidos foram proibidos de deixar Lisboa. Foram enviados para trabalhos de salvamente e de combate ao fogo. Obteve a suspensão da obrigação dos últimos sacramentos antes dos funerais, para assim evitar surtos de pestes. Obrigou navios mercantes transportando alimentos a atender à população. Proibiu aumentos de preços, sob pena de morte em cadafalso (construiu um em cada bairro da cidade.)

Terminou por se tornar ditador de Portugal, com a conveniência de D. José, por 22 anos. Chegou a declarar, à Luís XIV: “A monarquia sou eu”.

Pombal foi considerado o obreiro da reconstrução de Lisboa. Mas a concepção do projeto saiu da prancheta do engenheiro municipal Manuel da Maia. Sua inspiração foram as modernas cidades da América do Sul. Ruas retas, largas e de traçado planejado deram a tônica. O estilo arquitetônico nomeado de pombalino foi obra de Eugénio dos Santos. A busca da uniformidade levou a se proibirem jarros de flores em peitoris.

A corrida ao ouro no Brasil estava no fim. Apenas grandes empreendimentos permaneciam lucrativos após a instituição de impostos escorchantes. O Brasil continuava e enviar seus carregamentos de açúcar e de tabaco regularmente, mas a concorrência internacional liderada por França, Inglaterra e Holanda rebaixou extraordinariamente os preços desses produtos – o que levou à redução da arrecadação tributária.

Por tudo isso, a reconstrução teve de ser financiada por um novo imposto sobre o varejo: 4% sobre todas as vendas. O efeito mais imediato foi a diminuição da atividade comercial. As obras só terminaram após a morte do Marquês.

Finalizada a construção das primeiras lojas e apartamentos, quase nenhum cliente interessado se apresentou. As pessoas estavam acostumadas a viver nos bairros de lata, espécie de favelas, moradias irregulares e precárias construídas sobre as ruínas de Lisboa. Pombal teve de declarar tais bairros ilegais e mandar soldados destruir as casinhas para que se demandassem as novas habitações.

A grande praça, originalmente Terreiro do Paço, foi renomeada para Praça do Comércio e recebeu uma estátua de D. José a cavalo no seu centro.

O plano de Pombal de tornar Portugal, novamente, num importante centro do comércio internacional necessitava de que se removessem as desvantagens impostas aos cristãos-novos ( ou judeus). Sabendo que poderiam contribuir para o agigantamento do comércio, Pombal ordenou qualquer tipo de discriminação contra esse grupo. Ao assumir o controle da Inquisição, mandou destruir todos os arquivos em que constassem acusações contra judeus. Quando D. José lhe disse que decretara, por pressão do cardeal-patriarca, que todo judeu deveria se identificar usando um solidéu branco, Pombal comprou três, vestiu um e deu os demais ao próprio rei e ao cardeal-patriarca.

Outra medida pombalina foi a criação de cartéis comerciais no molde da Companhia das Índias Orientais inglesa. A mais bem sucedida daquelas foram a Companhia Geral de Agricultura e das Vinhas do Alto Douro. Uma das mais importantes atividades econômicas de então eram as exportações de vinho do Porto para a Inglaterra – fato auxiliado pelos próprios ingleses, que cobravam um imposto sobre o produto que equivalia a 1/3 daquele cobrado sobre vinhos franceses. Ao adicionarem aguardente ao vinho antes de findar o processo de fermentação ajudou a adequá-lo ao paladar britânico – invenção de frades dominicanos de Jerez de la Frontera. Investiu-se também no aumento da qualidade e na padronização dos métodos de produção: adubos químicos foram proibidos, adição de sabugo para melhorar a cor foi tornada ilegal e se exigiu a especialização do produtor entre vinhos branco ou tinto.

O grande obstáculo a Pombal eram ainda os jesuítas. Após o pioneirismo de São Francisco Xavier, a Sociedade de Jesus progrediu exorbitantemente. No Brasil, 600 jesuítas eram donos de fazendas de cana-de-açúcar – uma delas tinha 40 mil hectares e mil trabalhadores assalariados. Eram donos de fábricas de refino.

Mas era no interior que se encontrava seu maior bastião: um território tão grande que mais parcia um Estado independente, entre o Brasil e o Paraguai. Lá ofereciam aos indígenas proteção e exigiam o mesmo deles. Ao renegociar as fronteiras entre os territórios com a Espanha, visando pôr fim ao descontrolado contrabando de pedras preciosas, as forças jesuítas repeliram os ataques portugueses e espanhóis.

Foram muitos os ataques de Pombal à Sociedade. Culminou com a expulsão deles de Portugal e das colônias portuguesas. Todos os seus bens foram confiscados – o próprio marquês de apropriou de muitos desses bens.

Pombal também atuou internacionalmente contra a Ordem. Escreveu artigos publicados em toda a Europa acusando a Ordem de impedir o avanço do iluminismo, do progresso da ciência, da tecnologia e da razão na Europa. Foram expulsos da França em 1764 e da Espanha, em 1767. Pombal exigiu que o papa Clemente XIII extinguisse a Sociedade, sob pena de liderar uma revolta ao lado de França e Espanha contra Roma e impor outro papa em seu lugar. Mas o papa Clemente XIV, seu sucessor, fez o que Pombal desejava.

O poder principal da Sociedade estava no ensino. Em Portugal, detinham a única rede de escolas secundárias – na metrópole e nas colônias. Possuíam mais de 20 mil alunos em Portugal. De seus bancos saia a elite intelectual do país. Portugal atacava, dizendo que eles tinham formado Portugal numa sociedade de selvagens europeus. Tornou-se inspetor da reforma da Universidade de Coimbra.

De fato, a única linha filosófica aceita pelos jesuítas era a de Aristóteles – modernizada por São Tomás de Aquino. O novo pensamento europeu era proibido, a pesquisa era abominada e o pensamento crítico, desprezado.

Pombal desejava modernizar a Universidade de Coimbra a ponto de transformá-la numa Oxford, ou Cambridge – feito que conquistou por um breve período. Fundou a imprensa universitária, que abriu as comportas do pensamento ilustrado.

Demitiu todos os professores da faculdade de Medicina, foi buscar novos em Bolonha e Pádua, revogou a lei que impedia a dissecação de cadáveres, importou um laboratório de anatomia e instalou um hospital, vários laboratórios e um jardim botânico de plantas medicinais. Fez o mesmo nos demais cursos.

Na educação primária e secundária, criou um programa de ensino das massas. De tão ambicioso, Voltaire teria indagado: “Quem é que vai cultivar os campos, criar os animais e manter as ruas?” Tudo bancado por novos impostos sobre o varejo.

Também criou a Colégio dos Nobres, voltado para as carreiras diplomática e militar.

Mas o obstáculo da qualificação dos professores segundo as novas diretrizes não permitia a expansão desejada.

Apesar de ser 14 anos mais novo, D. José faleceu antes de Pombal. Dali em diante o jogo mudou e Pombal passou a  ser claramente perseguido pela infanta Maria Francisca primeira mulher a governar Portugal.
Apesar de ter amealhado uma fortuna astronômica, Pombal deixou as forças armadas do país em frangalhos, o que custaria muito ao país mais à frente.

Os inúmeros processos movidos contra ele se mostraram infrutíferos: ele tinha autorização por escrito de D. José para fazer tudo o que fizera. Só reconhecia um erro: sua inabalável lealdade ao pai da nova rainha...


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A primeira aldeia global”

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