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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

A RECONQUISTA – O RENASCIMENTO DO PAÍS IMPROVÁVEL


Em 1588, ao largo de Plymouth, Inglaterra, ocorreu um dos episódios mais importantes da história moderna: a derrota espetacular da Invencível Armada espanhola contra os vasos de guerra improvisados de Sir Francis Drake. O episódio seguinte foi é menos conhecido mas tem a mesma relevância.

A rainha Isabel (ou Elizabeth, no inglês original) ordenou que sua frota se dirigisse ao sul, em direção aos portos do norte da Espanha, encontrasse e destruísse os restos da Armada (cujos navios eram, basicamente, portugueses). Em 18 de abril de 1589, uma frota de 150 navios, transportando 18.500 soldados ingleses bem armados, deixou Plymouth para cumprir sua missão.

O Tesouro inglês, naquela altura, estava absolutamente esvaziado. As guerras simultâneas contra a Espanha e a Holanda haviam lhe custado mais do que as 250 mil libras anuais que o Parlamento lhe concedia. Seu pedido para aumentar a dotação foi negado.

O resultado dessa penúria foi que apenas 8 dos navios da frota pertenciam à marinha real. Os demais foram bancados por fundos privados. OS comandantes eram Sir Francis Drake e Sir John “Blackjack” Norris.
A bordo da embarcação de Drake encontrava-se D. António, prior do Crato. António era filho ilegítimo de do irmão do rei D. João III. Estando Portugal ocupado pelos espanhóis, os ingleses pretendiam expulsar estes e instalar D. António no trono de Portugal. Pretendiam enriquecer a Inglaterra por meio dos domínios do Império Português. A base moral era a mesma: se prejudica a Espanha, então não é imoral.

A primeira etapa da aventura ocorreu em Corunha (ou La Corunha). Encontraram apenas um galeão, que prontamente incendiaram. Aproveitaram para destruir e pilhar a cidade. Após, pararam em Peniche, ao norte de Lisboa, uma pequena vila de pescadores. Ao fim, um espanhol foi morto, alguns ingleses morreram afogados, e antes do fim da tarde o local estava totalmente dominado.

Dois dias depois, lançaram-se sobre Lisboa. Mas, à essa altura, o contingente inglês estava bastante reduzido: deserções, naufrágios e doenças reduziram a força total a cerca de 8,5 mil soldados – sendo que 2.791 estavam gravemente doentes.

Quando chegaram aos subúrbios de Lisboa, descobriram que a área estava totalmente deserta de pessoas – apenas idosos e doentes ainda estavam por lá. Celeiros e mercearias foram queimados. Mas deixaram para trás grande monta de jóias e ouros nas casas. Os soldados ingleses, cuja remuneração ocorria por meio de roubos e saques, carregaram tudo o que puderam levar.

Ao atacarem a Igreja de Santo Antônio, depararam-se com um pequeno contingente espanhol, que rendeu algum esforço para debandar. Três oficiais e 46 soldados ingleses forma mortos.

Na sequência, os ingleses rumaram para o Forte São Julião, fortaleza espanhola na margem do Tejo. No primeiro embate, os ingleses recuaram e se viram sem mais forças para contra-atacar.

Norris rumou para casa, parando apenas para largar D. António em Baiona, França, onde viveu no exílio e na obscuridade.

Mas o intento inglês não terminou, apenas foi brevemente suspenso.

Sete anos depois, o mesmo conde de Essex patrocinador e membro da expedição anterior, reuniu Drake, Raleigh, além outros corsários-comandantes, e se dirigiram para o Algarve. No caminho, saquearam Cádis e garantiram uma parte da remuneração pretendida. Embora já tivessem mais do que imaginavam, o conde de Essex fez deslocarem-se para Faro, à procura de mais riquezas para roubar. Destruíram a estrutura para a pesca de atum e verificaram que o local estava abandonado.

O conde de Essex se mudou para o imóvel mais espetacular da região, o Paço Episcopal, enquanto seus homens reviravam as casas em busca de algo de valor. O bispo do Algarve, D. Jerónimo Osório, era reconhecido em toda a Europa pela sua cultura e por seus conhecimentos históricos e literários. Para tanto, havia reunido a maior biblioteca privada do continente. O conde de Essex roubou todo o acervo do bispo e o doou a Sir Thomas Bodley, que os abrigou na biblioteca da Universidade de Oxford.

A independência de Portugal somente seria recobrada 60 anos mais tarde. A ocupação espanhola se iniciou de maneira comedida. Filipe II procurava sancionar todas as decisões das Cortes portuguesas. Quase não pôs os pés em Lisboa. O extraordinário quadro de Hieronymous Bosch, A Tentação de Santo Antônio, considerado um dos doze quadros mais belos da história, foi dado de presente a Portugal pelo mesmo Filipe.

Já Filipe III de Portugal (IV da Espanha) mudou a atitude com relação aos lusitanos. Nunca pisou em Portugal, negou todos os privilégios que haviam sido concedidos pelos seus antecessores (por exemplo, Andaluzia e Catalunha eram governados com mão de ferro a partir de Castela).

A centralização com a qual a Espanha, por meio de seu primeiro-ministro mais famoso, o duque de Olivares, comandava seus domínios levou a diversas revoltas. Numa delas, os catalães, com armas e recursos franceses, elevaram suas vozes contra Castela. A Espanha reagiu enviando um pequeno exército de mil soldados portugueses. Os franceses aproveitaram a ocasião e enviaram um agente secreto a Lisboa, propondo a oferta de armas para uma insurreição contra os ocupantes espanhóis.

Era necessário definir, a priori, quem ocuparia o trono. Procuraram o duque de Bragança, de ramo ilegítimo da Casa de Avis, mas o mais plausível pretendente ao trono.

O problema era sua absoluta ausência de ambição ao reinado. Vivia num palácio rural em Vila Viçosa, era um dedicado caçador de javalis, era um talentoso compositor de músicas sacras...

Era um líder tão incapaz que, quando a revolta se iniciou, permaneceu em casa e se recusou a tomar parte. Quem mudou o cenário foi sua esposa, Luísa de Gusmão, que declarou: “Mais vale ser rainha por um dia do que duquesa toda a vida.”

A revolta portuguesa foi basicamente uma matança de portugueses que consideravam traidores da pátria e de espanhóis que ocupavam altos cargos – incluindo o arcebispo de Braga. O inquisidor-mor escapou por pressão de Roma.

Esses fatos e o progresso da revolta forma mantidos fora do conhecimento do duque de Bragança por se temer sua total falta de ambição pelo sucesso da empreitada.

Mas deu tudo certo e, 15 dias após, o duque de Bragança foi aclamado rei D. João IV, no Terreiro do Paço.
   

Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A primeira aldeia global”

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