Em 1588, ao largo de Plymouth, Inglaterra, ocorreu um dos
episódios mais importantes da história moderna: a derrota espetacular da
Invencível Armada espanhola contra os vasos de guerra improvisados de Sir Francis
Drake. O episódio seguinte foi é menos conhecido mas tem a mesma relevância.
A rainha Isabel (ou Elizabeth, no inglês original) ordenou
que sua frota se dirigisse ao sul, em direção aos portos do norte da Espanha,
encontrasse e destruísse os restos da Armada (cujos navios eram, basicamente,
portugueses). Em 18 de abril de 1589, uma frota de 150 navios, transportando
18.500 soldados ingleses bem armados, deixou Plymouth para cumprir sua missão.
O Tesouro inglês, naquela altura, estava absolutamente esvaziado.
As guerras simultâneas contra a Espanha e a Holanda haviam lhe custado mais do
que as 250 mil libras anuais que o Parlamento lhe concedia. Seu pedido para
aumentar a dotação foi negado.
O resultado dessa penúria foi que apenas 8 dos navios da
frota pertenciam à marinha real. Os demais foram bancados por fundos privados.
OS comandantes eram Sir Francis Drake e Sir John “Blackjack” Norris.
A bordo da embarcação de Drake encontrava-se D. António,
prior do Crato. António era filho ilegítimo de do irmão do rei D. João III. Estando
Portugal ocupado pelos espanhóis, os ingleses pretendiam expulsar estes e
instalar D. António no trono de Portugal. Pretendiam enriquecer a Inglaterra
por meio dos domínios do Império Português. A base moral era a mesma: se
prejudica a Espanha, então não é imoral.
A primeira etapa da aventura ocorreu em Corunha (ou La
Corunha). Encontraram apenas um galeão, que prontamente incendiaram.
Aproveitaram para destruir e pilhar a cidade. Após, pararam em Peniche, ao
norte de Lisboa, uma pequena vila de pescadores. Ao fim, um espanhol foi morto,
alguns ingleses morreram afogados, e antes do fim da tarde o local estava
totalmente dominado.
Dois dias depois, lançaram-se sobre Lisboa. Mas, à essa
altura, o contingente inglês estava bastante reduzido: deserções, naufrágios e
doenças reduziram a força total a cerca de 8,5 mil soldados – sendo que 2.791
estavam gravemente doentes.
Quando chegaram aos subúrbios de Lisboa, descobriram que a
área estava totalmente deserta de pessoas – apenas idosos e doentes ainda
estavam por lá. Celeiros e mercearias foram queimados. Mas deixaram para trás
grande monta de jóias e ouros nas casas. Os soldados ingleses, cuja remuneração
ocorria por meio de roubos e saques, carregaram tudo o que puderam levar.
Ao atacarem a Igreja de Santo Antônio, depararam-se com um
pequeno contingente espanhol, que rendeu algum esforço para debandar. Três
oficiais e 46 soldados ingleses forma mortos.
Na sequência, os ingleses rumaram para o Forte São Julião,
fortaleza espanhola na margem do Tejo. No primeiro embate, os ingleses recuaram
e se viram sem mais forças para contra-atacar.
Norris rumou para casa, parando apenas para largar D.
António em Baiona, França, onde viveu no exílio e na obscuridade.
Mas o intento inglês não terminou, apenas foi brevemente
suspenso.
Sete anos depois, o mesmo conde de Essex patrocinador e
membro da expedição anterior, reuniu Drake, Raleigh, além outros corsários-comandantes,
e se dirigiram para o Algarve. No caminho, saquearam Cádis e garantiram uma
parte da remuneração pretendida. Embora já tivessem mais do que imaginavam, o
conde de Essex fez deslocarem-se para Faro, à procura de mais riquezas para
roubar. Destruíram a estrutura para a pesca de atum e verificaram que o local
estava abandonado.
O conde de Essex se mudou para o imóvel mais espetacular da
região, o Paço Episcopal, enquanto seus homens reviravam as casas em busca de algo
de valor. O bispo do Algarve, D. Jerónimo Osório, era reconhecido em toda a
Europa pela sua cultura e por seus conhecimentos históricos e literários. Para
tanto, havia reunido a maior biblioteca privada do continente. O conde de Essex
roubou todo o acervo do bispo e o doou a Sir Thomas Bodley, que os abrigou na
biblioteca da Universidade de Oxford.
A independência de Portugal somente seria recobrada 60 anos
mais tarde. A ocupação espanhola se iniciou de maneira comedida. Filipe II
procurava sancionar todas as decisões das Cortes portuguesas. Quase não pôs os
pés em Lisboa. O extraordinário quadro de Hieronymous Bosch, A Tentação de
Santo Antônio, considerado um dos doze quadros mais belos da história, foi dado
de presente a Portugal pelo mesmo Filipe.
Já Filipe III de Portugal (IV da Espanha) mudou a atitude
com relação aos lusitanos. Nunca pisou em Portugal, negou todos os privilégios
que haviam sido concedidos pelos seus antecessores (por exemplo, Andaluzia e
Catalunha eram governados com mão de ferro a partir de Castela).
A centralização com a qual a Espanha, por meio de seu
primeiro-ministro mais famoso, o duque de Olivares, comandava seus domínios
levou a diversas revoltas. Numa delas, os catalães, com armas e recursos
franceses, elevaram suas vozes contra Castela. A Espanha reagiu enviando um
pequeno exército de mil soldados portugueses. Os franceses aproveitaram a ocasião
e enviaram um agente secreto a Lisboa, propondo a oferta de armas para uma
insurreição contra os ocupantes espanhóis.
Era necessário definir, a priori, quem ocuparia o trono.
Procuraram o duque de Bragança, de ramo ilegítimo da Casa de Avis, mas o mais
plausível pretendente ao trono.
O problema era sua absoluta ausência de ambição ao reinado.
Vivia num palácio rural em Vila Viçosa, era um dedicado caçador de javalis, era
um talentoso compositor de músicas sacras...
Era um líder tão incapaz que, quando a revolta se iniciou,
permaneceu em casa e se recusou a tomar parte. Quem mudou o cenário foi sua
esposa, Luísa de Gusmão, que declarou: “Mais vale ser rainha por um dia do que
duquesa toda a vida.”
A revolta portuguesa foi basicamente uma matança de
portugueses que consideravam traidores da pátria e de espanhóis que ocupavam
altos cargos – incluindo o arcebispo de Braga. O inquisidor-mor escapou por
pressão de Roma.
Esses fatos e o progresso da revolta forma mantidos fora do
conhecimento do duque de Bragança por se temer sua total falta de ambição pelo
sucesso da empreitada.
Mas deu tudo certo e, 15 dias após, o duque de Bragança foi
aclamado rei D. João IV, no Terreiro do Paço.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A primeira aldeia global”
Nenhum comentário:
Postar um comentário