Martinho Lutero, um dos líderes da reforma protestante,
poder-se-ia dizer, era um atormentado pelos assuntos do sexo. Ainda como monge,
torturava-se por conta de seus desejos, considerados pecaminosos. Dormiu sobre
pedras. Até que percebeu que havia algo a mais no sexo, que vinha sendo
desconsiderado na teologia cristã de então.
Ele percebeu que era a atração sexual que levava ao
casamento, a assumir o compromisso. Também percebeu que era muito cruel manter
jovens no celibato sacerdotal. A permissão para casarem-se evitaria um efeito
colateral indesejável do sacerdócio: a vontade de fornicar. Lutero mesmo,
ex-padre católico, casou-se com Katharina Von Bora, ex-freira.
A relação da Igreja católica com o sexo era pendular: ora
melhorava, ora piorava. Mas ao abrir as portas e sacralizar o sexo conjugal, as
Igrejas protestante demonizaram todas as outras formas. A partir de agora,
prostituição, fornicação, adultério, sodomia seriam punidos da forma mais dura
possível, sem qualquer das temperanças eventualmente concedidas pela Igreja de
Roma.
E mais. Ilustração da intelectualidade, artes visuais,
poesia, teatro e todas as expressões artísticas que pudessem ser associadas ao
prazer e às delícias próprias da Renascença foram todas demonizadas pelas novas
Igrejas.
Por fim, mas não menos relevante, os protestantes também
extinguiram o perdão. Pecar, confessar-se e se livrar da punição não seria mais
possível. Pecou, já era.
O efeito sobre as pessoas mais humildes foi dramático. O
primeiro passo foi a extinção de todos os bordéis. Segundo Lutero: “Não é
lamentável que nós, cristãos, temos que tolerar em nosso meio casas de má-fama,
embora nós todos tenhamos feito o voto de castidade em nosso batismo? Estou
ciente de que a resposta comum é a de que é melhor manter casas dessas do que
desonrar esposas e moças. Ainda assim, um governo secular, porém cristão, não
deveria considerar que esse não é o meio para se livrar de tal odioso costume?”
Não foi fácil. Em diversas cidades a resistência contra a
medida levou a enfrentamentos. Lutero então replicou aos desobedientes de suas
ordens: “Aqueles que desejam restabelecer essas casas devem primeiro negar o
nome de Cristo e reconhecer que, em vez de cristãos, são pagãos.”
A rejeição às
prostitutas terminou por trazer outros alvos à baia: adúlteros, mães solteiras
e muitos outros passaram a ser atacados por vizinhos. Fornicadores eram
expostos em praça pública. Vítimas desse policiamento do comportamento eram
demitidas ou expulsas de corporações de ofícios. Mulheres pouco a pouco eram
proibidas de andar desacompanhadas.
A Igreja Católica precisava dar uma resposta para não se vê sem
fiéis. Primeiramente, trouxe de volta a Inquisição, em 1542, chamando-a de
Santo Ofício. Depois convocou o Concílio de Trento, que durou mais de 20 anos.
Ao cabo, fora realizada uma reforma administrativa para fortalecer o poder dos
órgãos de controle da Igreja. Redefiniu seus dogmas, para reduzir as
possibilidades de críticas vindas dos hereges protestantes. A Igreja estava agora
mais unida em torne de um único ideal, e mais forte.
Mas o assunto sexo foi pouco “contrareformado” pela Igreja
católica. Os padres deveriam continuar a observar o celibato, a virgindade
continuaria sacralizada. As proibições à masturbação, poluções noturnas e sexo
durante o período menstrual continuavam intactas.
Alguns exageros como o do papa Paulo IV, que mandou pintar
vestidos de linho em imagens da obra de Michelangelo na Capela Sistina, foram
observados. Iniciou-se também um período de total intolerância à prostituição –
embora a ideia de expulsá-las todas de Roma teve como empecilho a
extraordinária quantidade de 25 mil mulheres nessa atividade.
Outra mudança foi a ampliação do leque de fatos sexuais que
deveriam ser expostos no confessionário. Às mulheres, restava o confinamento
doméstico e a obediência sem critérios ao marido. E assim foi a Igreja católica
debater-se por fiéis com os protestantes.
Atores eram tratados como homossexuais ou garotos de
programa em diversos países. Atrizes eram sinônimo de prostitutas. A diversos
foram negados sepulturas para o enterro.
Banhos públicos foram fechados, sendo que agora havia o
argumento sanitário, além dos costumes reprováveis: imaginavam que doenças como
sífilis e pestes eram contagiosas e se disseminavam nos banhos públicos. Aliás,
tomar banho de água quente passou a Sr pecaminoso, pois atingia a altivez e o
vigor. Ele poderia levar ao aborto e ao retardamento mental.
Em meio a essas disputas religiosas, que logo descambaram em
guerras civis e externas, os europeus chegaram à América. Poucas décadas após,
o espanhol Inácio de Loyola fundou ao lado de outros companheiros uma irmandade
religiosa chamada Companhia de Jesus. Sua idéia era iniciar uma conversão em
massa, a se iniciar na Palestina. Mas seu início tinha objetivos mais modestos.
Primeiramente o papa criou a Casa Santa Marta, instituição de
caridades em Roma, que visava a acolher ex-prostitutas que não demonstrassem
vocação para a vida em um convento. O desempenho da Companhia nas tarefas que
lhe eram delegadas foi tão grande que a Igreja logo os viu como pontas de lança
na sua expansão pelo mundo.
Em pouco tempo estavam presentes na Índia, China, Japão,
Filipinas, Malásia, Novo Mundo e muito mais. A conversão ao cristianismo foi, a
bem dizer, uma força mais eficiente do que as armas para portugueses e
espanhóis. Filhos mestiços nasciam de pais militares ou comerciantes
portugueses e mulheres locais, estupradas, feitas concubinas, prostitutas ou mesmo
casadas.
Com a conversão, instalavam-se as novas regras morais:
costumes locais eram proibidos e até considerados amaldiçoados, a monogamia
passava a ser regra, casamentos segundo os ritos locais eram proibidos em
público etc.
Finalmente, em 1560, a Inquisição chegou às colônias,
podendo agora os povos subjugados apreciarem o estranho costume europeu de
queimar pessoas vivas, em fogueiras, por motivos quase incompreensíveis.
Se a Europa agora se tornava protestante, Portugal e Espanha
tornaram o mundo católico. Mas em nenhum lugar esse fato foi mais fantástico do
que na América. E foi na América, que a sexualidade indígena desavergonhada
mais perturbou os reprimidos europeus.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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