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terça-feira, 26 de setembro de 2017

REFORMA, CONTRAREFORMA E O SEXO FOI EMBORA


Martinho Lutero, um dos líderes da reforma protestante, poder-se-ia dizer, era um atormentado pelos assuntos do sexo. Ainda como monge, torturava-se por conta de seus desejos, considerados pecaminosos. Dormiu sobre pedras. Até que percebeu que havia algo a mais no sexo, que vinha sendo desconsiderado na teologia cristã de então.

Ele percebeu que era a atração sexual que levava ao casamento, a assumir o compromisso. Também percebeu que era muito cruel manter jovens no celibato sacerdotal. A permissão para casarem-se evitaria um efeito colateral indesejável do sacerdócio: a vontade de fornicar. Lutero mesmo, ex-padre católico, casou-se com Katharina Von Bora, ex-freira.

A relação da Igreja católica com o sexo era pendular: ora melhorava, ora piorava. Mas ao abrir as portas e sacralizar o sexo conjugal, as Igrejas protestante demonizaram todas as outras formas. A partir de agora, prostituição, fornicação, adultério, sodomia seriam punidos da forma mais dura possível, sem qualquer das temperanças eventualmente concedidas pela Igreja de Roma.

E mais. Ilustração da intelectualidade, artes visuais, poesia, teatro e todas as expressões artísticas que pudessem ser associadas ao prazer e às delícias próprias da Renascença foram todas demonizadas pelas novas Igrejas.

Por fim, mas não menos relevante, os protestantes também extinguiram o perdão. Pecar, confessar-se e se livrar da punição não seria mais possível. Pecou, já era.

O efeito sobre as pessoas mais humildes foi dramático. O primeiro passo foi a extinção de todos os bordéis. Segundo Lutero: “Não é lamentável que nós, cristãos, temos que tolerar em nosso meio casas de má-fama, embora nós todos tenhamos feito o voto de castidade em nosso batismo? Estou ciente de que a resposta comum é a de que é melhor manter casas dessas do que desonrar esposas e moças. Ainda assim, um governo secular, porém cristão, não deveria considerar que esse não é o meio para se livrar de tal odioso costume?”

Não foi fácil. Em diversas cidades a resistência contra a medida levou a enfrentamentos. Lutero então replicou aos desobedientes de suas ordens: “Aqueles que desejam restabelecer essas casas devem primeiro negar o nome de Cristo e reconhecer que, em vez de cristãos, são pagãos.”

A rejeição às prostitutas terminou por trazer outros alvos à baia: adúlteros, mães solteiras e muitos outros passaram a ser atacados por vizinhos. Fornicadores eram expostos em praça pública. Vítimas desse policiamento do comportamento eram demitidas ou expulsas de corporações de ofícios. Mulheres pouco a pouco eram proibidas de andar desacompanhadas.

A Igreja Católica precisava dar uma resposta para não se vê sem fiéis. Primeiramente, trouxe de volta a Inquisição, em 1542, chamando-a de Santo Ofício. Depois convocou o Concílio de Trento, que durou mais de 20 anos. Ao cabo, fora realizada uma reforma administrativa para fortalecer o poder dos órgãos de controle da Igreja. Redefiniu seus dogmas, para reduzir as possibilidades de críticas vindas dos hereges protestantes. A Igreja estava agora mais unida em torne de um único ideal, e mais forte.

Mas o assunto sexo foi pouco “contrareformado” pela Igreja católica. Os padres deveriam continuar a observar o celibato, a virgindade continuaria sacralizada. As proibições à masturbação, poluções noturnas e sexo durante o período menstrual continuavam intactas.

Alguns exageros como o do papa Paulo IV, que mandou pintar vestidos de linho em imagens da obra de Michelangelo na Capela Sistina, foram observados. Iniciou-se também um período de total intolerância à prostituição – embora a ideia de expulsá-las todas de Roma teve como empecilho a extraordinária quantidade de 25 mil mulheres nessa atividade.  

Outra mudança foi a ampliação do leque de fatos sexuais que deveriam ser expostos no confessionário. Às mulheres, restava o confinamento doméstico e a obediência sem critérios ao marido. E assim foi a Igreja católica debater-se por fiéis com os protestantes.

Atores eram tratados como homossexuais ou garotos de programa em diversos países. Atrizes eram sinônimo de prostitutas. A diversos foram negados sepulturas para o enterro.

Banhos públicos foram fechados, sendo que agora havia o argumento sanitário, além dos costumes reprováveis: imaginavam que doenças como sífilis e pestes eram contagiosas e se disseminavam nos banhos públicos. Aliás, tomar banho de água quente passou a Sr pecaminoso, pois atingia a altivez e o vigor. Ele poderia levar ao aborto e ao retardamento mental.

Em meio a essas disputas religiosas, que logo descambaram em guerras civis e externas, os europeus chegaram à América. Poucas décadas após, o espanhol Inácio de Loyola fundou ao lado de outros companheiros uma irmandade religiosa chamada Companhia de Jesus. Sua idéia era iniciar uma conversão em massa, a se iniciar na Palestina. Mas seu início tinha objetivos mais modestos.

Primeiramente o papa criou a Casa Santa Marta, instituição de caridades em Roma, que visava a acolher ex-prostitutas que não demonstrassem vocação para a vida em um convento. O desempenho da Companhia nas tarefas que lhe eram delegadas foi tão grande que a Igreja logo os viu como pontas de lança na sua expansão pelo mundo.

Em pouco tempo estavam presentes na Índia, China, Japão, Filipinas, Malásia, Novo Mundo e muito mais. A conversão ao cristianismo foi, a bem dizer, uma força mais eficiente do que as armas para portugueses e espanhóis. Filhos mestiços nasciam de pais militares ou comerciantes portugueses e mulheres locais, estupradas, feitas concubinas, prostitutas ou mesmo casadas.  

Com a conversão, instalavam-se as novas regras morais: costumes locais eram proibidos e até considerados amaldiçoados, a monogamia passava a ser regra, casamentos segundo os ritos locais eram proibidos em público etc.

Finalmente, em 1560, a Inquisição chegou às colônias, podendo agora os povos subjugados apreciarem o estranho costume europeu de queimar pessoas vivas, em fogueiras, por motivos quase incompreensíveis.
Se a Europa agora se tornava protestante, Portugal e Espanha tornaram o mundo católico. Mas em nenhum lugar esse fato foi mais fantástico do que na América. E foi na América, que a sexualidade indígena desavergonhada mais perturbou os reprimidos europeus.     


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”


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