Em fevereiro de 1943, em reunião no seu Gabinete de
Emergência, Winston Churchill mostrou algumas fotografias tiradas de
aviões-espiões ingleses, na região de Calais. Descobriu-se tratarem-se de
estruturas de cimento, semelhantes a pistas de esqui, apontadas na direção de
Londres. Essas estruturas serviam para o lançamento de foguetes carregados de
bombas, fabricados no interior de montanhas na região de Drakenburg. Hitler
desenvolvera esses foguetes com o intuito de incinerar a capital britânica.
Especialistas calcularam que o sucesso do projeto nazista
dependia apenas da capacidade do regime em importar a quantidade necessária de
volfrâmio, metal de que eram feitos os bocais dos foguetes. Este metal era
capaz de suportar temperaturas muito superiores às dos demais metais conhecidos
então.
Inicialmente os alemães importavam volfrâmio da
Tchecoeslováquia e da Espanha. Mas a alta demanda fez o preço explodir. A saída
eram as minas situadas na cordilheira central de Portugal. Mas seriam necessárias
algumas negociações, pois a maior dessas minas de volfrâmio pertencia à
Inglaterra.
Pensando nisso, Albert Speer, ministro da guerra alemão,
deslocou-se até Lisboa, desde Berlim, e prestou sua homenagem a Salazar. Portugal
era um país neutro no conflito. E mais: na condição de mais antigos aliados, o
governo inglês insistia para que Portugal cortasse o acesso alemão ao volfrâmio
português.
Salazar recusou, assim como recusou entrar no conflito ou
mesmo permitir que soldados ingleses atravessassem territórios portugueses na
África. Negou-se também a cortar as previsões meteorológicas transmitidas a
partir dos Açores, que se sabiam eram interceptadas por navios alemães. Todas
as negativas dadas aos pedidos dos ingleses tinham caráter populista, pois a
população ainda estava bastante ressentida com a atitude britânica de se
aproveitar da fraqueza do país para lucrar alto.
Após investigar mais um pouco, os serviços secretos
britânicos descobriram que o volfrâmio alemão era adquirido de um negociante
britânico. Este, então, ofereceu valores estratosféricos pelo volfrâmio, para
cortar o fornecimento aos alemães. Mas a conseqüência mais imediata foi o
aumento proporcional do preço do metal, valor este que os alemães continuavam a
pagar usando o estoque de ouro confiscado dos bancos centrais dos países
ocupados: Hlanda, Bélgica, Noruega, França e Itália.
Churchill então deu ordens ao MI-6 para que o tal
fornecimento fosse paralisado, de qualquer maneira. A partir de então aos
britânicos passaram a fornecer abrigo ao Partido Comunista português, declarado
ilegal pelo governo. Aos poucos foram de juntando os maços e diversos outros
grupos anti-fascistas (anti-Salazar). Havia um acordo tácito pelo qual os
britânicos garantiriam eleições livres em Portugal, caso vencessem o conflito.
Outro pedido dos aliados era para a instalação de bases
militares nos Açores. Assim como o pedido para interromper o carregamento de
volfrâmio aos alemães, ou o de se juntar aos Aliados no conflito, Salazar passou
a protelar qualquer resposta.
No verão de 1943, inesperadamente, Salazar cedeu. Proibiu a
saída de volfrâmio e autorizou uma base nos Açores. Também inesperadamente, a
polícia secreta salazarista prendeu uma a um, em sequência, todos os líderes
antifascistas. Estava claro que os ingleses usaram as informações que colheram
protegendo os comunistas como moeda de troca.
A traição fez com que Graham Greene, chefe do MI-6, pedisse
demissão do cargo. Depois, escreveu um livro contando essa história, trocando nomes
e lugares, a que intitulou “O nosso agente em Havana”.
Como país neutro durante quase todo o conflito, Portugal era
um maná, se comparado ao inferno vivido nas cidades européias ocupadas ou
constantemente bombardeadas. Foi em Lisboa que Ian Fleming ambientou seu
primeiro romance policial com James Bond, Casino Royal, passado em Estoril.
Foi também em Lisboa que oficiais alemães que pretendiam
matar Hitler se reuniam. Portugal também teve seu “Schindler”. Chamava-se
Aristides Mendes e chefiava o consulado em Bordéus. Quando a França caiu,
milhares de judeus o procuraram solicitando visto para Portugal. Mesmo proibido
pelos nazistas, agora no poder, emitiu quantos pode. Salvou mais de 30 mil
deles. Foi homenageado em Israel, em 1967.
Finda a Guerra, multidões enchiam as ruas da capital
portuguesa, efusivamente. Salazar fez um discurso prometendo eleições livres. Mas
logo depois mudou de ideia e deu mostras de que a democracia demoraria muito
para ser instaurada no país. Mais limitações às liberdades, mais censura e mais
perseguições foram a realidade que se instalou, de fato.
Listas com milhares de assinaturas pedindo eleições livres
foram confeccionadas e encaminhadas ao governo. A resposta foi a demissão de
todos que eram funcionários públicos. Pressões foram feitas em empresas, para
que fizessem o mesmo.
As eleições seguintes só tinham um candidato: Salazar. Os
Aliados trocaram a promessa de eleições livres em Portugal pelo medo, inculcado
pelo mesmo, de que os comunistas seriam os vitoriosos num eventual pleito. Em tempos
de Guerra Fria, sem dúvidas era um argumento bastante forte. Salazar teve apoio
até à sua proibição de circulação da revista Times.
Em 1952, Salazar nomeou o jovem capitão Henrique Galvão para
a Administração Colonial. Após conhecer as realidades de Angola e Moçambique
ficou indignado com seu próprio país. Colocou tudo num relatório, que foi logo
confiscado é banido. Nele, Henrique demonstrava que até África do Sul da era do
apartheid era destino de angolanos e moçambicanos fugidos do inferno daquelas
colônias.
Era conhecida a frase de Slazar: “O negro não trabalha, a
não ser que para tal seja obrigado pela força.” Salazar havia até reintroduzido
a escravidão no continente.
Galvão renunciou ao cargo que ocupava. Foi preso, torturado.
Adoeceu na cadeia, foi enviado a um hospital e, de lá, conseguiu fugir,
disfarçado de médico. Conseguiu chegar à embaixada da Argentina e pediu asilo
político, que foi concedido.
Em janeiro de 1961, Henrique Galvão estava de volta. O Santa
Maria, navio de luxo da marinha mercante portuguesa, fora seqüestrado. A
maioria dos passageiros eram norte-americanos realizando um cruzeiro pelo
Caribe.
Na noite anterior, Galvão e 23 outros portugueses exilados
tinham entrado fazendo-se passar por passageiros. Tinham muitas armas,
adquiridas no mercado negro venezuelano. No meio da noite tomaram a ponte de
comando. O oficial no comando tentou resistir e foi morto a tiros. Na
sequência, diversos outros oficiais passaram para o lado rebelde.
Salazar acionou a NATO, pedindo uma caçada ao Santa Maria.
Acusou Galvão de ser comunista e disse que a única punição aceita para ele era
o enforcamento no mastro do navio. A maioria dos membros da NATO se pôs contra
Salazar. Apenas Grã Bretanha e EUA enviaram barcos em busca do Santa Maria.
Galvão então mudou o nome do navio para Santa Liberdade. Em
seguida enviou uma mensagem por rádio dizendo que aquilo não era um ato de
pirataria. Citou o manual de direito marítimo internacional de Hayward e Hapworth,
cujo exemplar trazia a bordo, que defendia que um navio era território soberano
do país cuja bandeira exibe. Portanto aquela embarcação fazia parte do
território português e invadi-la seria um atentado contra a soberania de
Portugal. Sua luta era pela democracia em seu país.
Após consultar juristas, John Kennedy assentiu aos
argumentos de Galvão. A Grã Bretanha também aceitou e ambos se retiraram. O
Santa Liberdade era agora problema apenas de Salazar.
A intenção de Galvão era levar o navio até Angola. Mas havia
passageiros norte-americanos a bordo e o navio tinha pouco combustível.
Dirigiram-se então ao Brasil e desembarcaram os passageiros em Recife. Quase
todos se diziam, agora, apoiadores de um Portugal livre. Galvão foi ovacionado
de pé no Congresso Nacional do Brasil.
A base política de Salazar se esvaiu, mas se manteve no
poder. Aumentou ainda mais a repressão, como resposta. Acusou o ensino
universitário de inimigo oculto e enviou milhares de estudantes à África, para
conter revoltas nas colônias.
A imagem internacional de Salazar também degringolou. De
defensor contra a ameaça soviética, era agora tido como tirano, apenas. Nesse
mesmo ano, o exército indiano invadiu e retomou Goa – além de outros
territórios portugueses na Índia.
A Anistia Internacional foi fundada também nesse período e
tinha como objetivo negociar a libertação de estudantes portugueses presos por
crimes políticos em Lisboa. Álvaro Cunhal, um dos inimigos do regime,
reapareceu, do nada, em Moscou, feliz e triunfante.
Humberto Delgado, exilado no Brasil, liderava a partir dali
uma oposição a cada dia mais barulhenta.
Salazar mandou prender e julgar seus oficiais por causa da
derrota em Goa. Foram duramente punidos. A PIDE, polícia política do regime,
assassinou Delgado na Espanha. Em Angola, um protesto de enormes proporções foi
contido a muito custo e com muitas mortes.
Mas havia toda uma nova geração de oficiais que já discutia
abertamente quanto tempo mais aquele remendo de regime se manteria de pé...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A primeira aldeia global”
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