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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

PORTUGAL ENTRE OS ALIADOS E O EIXO


Em fevereiro de 1943, em reunião no seu Gabinete de Emergência, Winston Churchill mostrou algumas fotografias tiradas de aviões-espiões ingleses, na região de Calais. Descobriu-se tratarem-se de estruturas de cimento, semelhantes a pistas de esqui, apontadas na direção de Londres. Essas estruturas serviam para o lançamento de foguetes carregados de bombas, fabricados no interior de montanhas na região de Drakenburg. Hitler desenvolvera esses foguetes com o intuito de incinerar a capital britânica.

Especialistas calcularam que o sucesso do projeto nazista dependia apenas da capacidade do regime em importar a quantidade necessária de volfrâmio, metal de que eram feitos os bocais dos foguetes. Este metal era capaz de suportar temperaturas muito superiores às dos demais metais conhecidos então.

Inicialmente os alemães importavam volfrâmio da Tchecoeslováquia e da Espanha. Mas a alta demanda fez o preço explodir. A saída eram as minas situadas na cordilheira central de Portugal. Mas seriam necessárias algumas negociações, pois a maior dessas minas de volfrâmio pertencia à Inglaterra.

Pensando nisso, Albert Speer, ministro da guerra alemão, deslocou-se até Lisboa, desde Berlim, e prestou sua homenagem a Salazar. Portugal era um país neutro no conflito. E mais: na condição de mais antigos aliados, o governo inglês insistia para que Portugal cortasse o acesso alemão ao volfrâmio português.

Salazar recusou, assim como recusou entrar no conflito ou mesmo permitir que soldados ingleses atravessassem territórios portugueses na África. Negou-se também a cortar as previsões meteorológicas transmitidas a partir dos Açores, que se sabiam eram interceptadas por navios alemães. Todas as negativas dadas aos pedidos dos ingleses tinham caráter populista, pois a população ainda estava bastante ressentida com a atitude britânica de se aproveitar da fraqueza do país para lucrar alto.

Após investigar mais um pouco, os serviços secretos britânicos descobriram que o volfrâmio alemão era adquirido de um negociante britânico. Este, então, ofereceu valores estratosféricos pelo volfrâmio, para cortar o fornecimento aos alemães. Mas a conseqüência mais imediata foi o aumento proporcional do preço do metal, valor este que os alemães continuavam a pagar usando o estoque de ouro confiscado dos bancos centrais dos países ocupados: Hlanda, Bélgica, Noruega, França e Itália.

Churchill então deu ordens ao MI-6 para que o tal fornecimento fosse paralisado, de qualquer maneira. A partir de então aos britânicos passaram a fornecer abrigo ao Partido Comunista português, declarado ilegal pelo governo. Aos poucos foram de juntando os maços e diversos outros grupos anti-fascistas (anti-Salazar). Havia um acordo tácito pelo qual os britânicos garantiriam eleições livres em Portugal, caso vencessem o conflito.

Outro pedido dos aliados era para a instalação de bases militares nos Açores. Assim como o pedido para interromper o carregamento de volfrâmio aos alemães, ou o de se juntar aos Aliados no conflito, Salazar passou a protelar qualquer resposta.

No verão de 1943, inesperadamente, Salazar cedeu. Proibiu a saída de volfrâmio e autorizou uma base nos Açores. Também inesperadamente, a polícia secreta salazarista prendeu uma a um, em sequência, todos os líderes antifascistas. Estava claro que os ingleses usaram as informações que colheram protegendo os comunistas como moeda de troca.

A traição fez com que Graham Greene, chefe do MI-6, pedisse demissão do cargo. Depois, escreveu um livro contando essa história, trocando nomes e lugares, a que intitulou “O nosso agente em Havana”.
Como país neutro durante quase todo o conflito, Portugal era um maná, se comparado ao inferno vivido nas cidades européias ocupadas ou constantemente bombardeadas. Foi em Lisboa que Ian Fleming ambientou seu primeiro romance policial com James Bond, Casino Royal, passado em Estoril.

Foi também em Lisboa que oficiais alemães que pretendiam matar Hitler se reuniam. Portugal também teve seu “Schindler”. Chamava-se Aristides Mendes e chefiava o consulado em Bordéus. Quando a França caiu, milhares de judeus o procuraram solicitando visto para Portugal. Mesmo proibido pelos nazistas, agora no poder, emitiu quantos pode. Salvou mais de 30 mil deles. Foi homenageado em Israel, em 1967.
Finda a Guerra, multidões enchiam as ruas da capital portuguesa, efusivamente. Salazar fez um discurso prometendo eleições livres. Mas logo depois mudou de ideia e deu mostras de que a democracia demoraria muito para ser instaurada no país. Mais limitações às liberdades, mais censura e mais perseguições foram a realidade que se instalou, de fato.

Listas com milhares de assinaturas pedindo eleições livres foram confeccionadas e encaminhadas ao governo. A resposta foi a demissão de todos que eram funcionários públicos. Pressões foram feitas em empresas, para que fizessem o mesmo.

As eleições seguintes só tinham um candidato: Salazar. Os Aliados trocaram a promessa de eleições livres em Portugal pelo medo, inculcado pelo mesmo, de que os comunistas seriam os vitoriosos num eventual pleito. Em tempos de Guerra Fria, sem dúvidas era um argumento bastante forte. Salazar teve apoio até à sua proibição de circulação da revista Times.

Em 1952, Salazar nomeou o jovem capitão Henrique Galvão para a Administração Colonial. Após conhecer as realidades de Angola e Moçambique ficou indignado com seu próprio país. Colocou tudo num relatório, que foi logo confiscado é banido. Nele, Henrique demonstrava que até África do Sul da era do apartheid era destino de angolanos e moçambicanos fugidos do inferno daquelas colônias.

Era conhecida a frase de Slazar: “O negro não trabalha, a não ser que para tal seja obrigado pela força.” Salazar havia até reintroduzido a escravidão no continente.

Galvão renunciou ao cargo que ocupava. Foi preso, torturado. Adoeceu na cadeia, foi enviado a um hospital e, de lá, conseguiu fugir, disfarçado de médico. Conseguiu chegar à embaixada da Argentina e pediu asilo político, que foi concedido.

Em janeiro de 1961, Henrique Galvão estava de volta. O Santa Maria, navio de luxo da marinha mercante portuguesa, fora seqüestrado. A maioria dos passageiros eram norte-americanos realizando um cruzeiro pelo Caribe.

Na noite anterior, Galvão e 23 outros portugueses exilados tinham entrado fazendo-se passar por passageiros. Tinham muitas armas, adquiridas no mercado negro venezuelano. No meio da noite tomaram a ponte de comando. O oficial no comando tentou resistir e foi morto a tiros. Na sequência, diversos outros oficiais passaram para o lado rebelde.

Salazar acionou a NATO, pedindo uma caçada ao Santa Maria. Acusou Galvão de ser comunista e disse que a única punição aceita para ele era o enforcamento no mastro do navio. A maioria dos membros da NATO se pôs contra Salazar. Apenas Grã Bretanha e EUA enviaram barcos em busca do Santa Maria.
Galvão então mudou o nome do navio para Santa Liberdade. Em seguida enviou uma mensagem por rádio dizendo que aquilo não era um ato de pirataria. Citou o manual de direito marítimo internacional de Hayward e Hapworth, cujo exemplar trazia a bordo, que defendia que um navio era território soberano do país cuja bandeira exibe. Portanto aquela embarcação fazia parte do território português e invadi-la seria um atentado contra a soberania de Portugal. Sua luta era pela democracia em seu país.

Após consultar juristas, John Kennedy assentiu aos argumentos de Galvão. A Grã Bretanha também aceitou e ambos se retiraram. O Santa Liberdade era agora problema apenas de Salazar.

A intenção de Galvão era levar o navio até Angola. Mas havia passageiros norte-americanos a bordo e o navio tinha pouco combustível. Dirigiram-se então ao Brasil e desembarcaram os passageiros em Recife. Quase todos se diziam, agora, apoiadores de um Portugal livre. Galvão foi ovacionado de pé no Congresso Nacional do Brasil.

A base política de Salazar se esvaiu, mas se manteve no poder. Aumentou ainda mais a repressão, como resposta. Acusou o ensino universitário de inimigo oculto e enviou milhares de estudantes à África, para conter revoltas nas colônias.

A imagem internacional de Salazar também degringolou. De defensor contra a ameaça soviética, era agora tido como tirano, apenas. Nesse mesmo ano, o exército indiano invadiu e retomou Goa – além de outros territórios portugueses na Índia.

A Anistia Internacional foi fundada também nesse período e tinha como objetivo negociar a libertação de estudantes portugueses presos por crimes políticos em Lisboa. Álvaro Cunhal, um dos inimigos do regime, reapareceu, do nada, em Moscou, feliz e triunfante.

Humberto Delgado, exilado no Brasil, liderava a partir dali uma oposição a cada dia mais barulhenta.
Salazar mandou prender e julgar seus oficiais por causa da derrota em Goa. Foram duramente punidos. A PIDE, polícia política do regime, assassinou Delgado na Espanha. Em Angola, um protesto de enormes proporções foi contido a muito custo e com muitas mortes.

Mas havia toda uma nova geração de oficiais que já discutia abertamente quanto tempo mais aquele remendo de regime se manteria de pé...
   

Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A primeira aldeia global”         


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