Após a proclamação da República portuguesa, o país passou
por 15 instáveis anos: sete eleições gerais, oito presidentes e 45 governos se
sucederam. Apenas um deles conseguiu exercer o mandato de quatro anos até o
fim. O arrependimento com a democracia foi inevitável.
Apesar disso, nesse período foram criadas as universidades
do Porto e de Lisboa. Houve a separação entre Igreja e Estado. Contudo, os
direitos civis a mulheres ainda teria de aguardar mais algum tempo. O sistema
tributário continuou não alcançando heranças, o que beneficiava as classes mais
altas.
Já os direitos trabalhistas foram contemplados em 1822, bem
à frente de muitas nações mais ricas. Mas as greves gerais surgidas desde então
começaram a chegar ao Parlamento, tomado de cenas de pleno pugilismo.
Quanto à Igreja católica, a situação desta se transmutou com
os anos. A República era claramente anticlerical: chamavam abertamente a fé de
superstição. Quando surgiram boatos de que três pastorinhos da cidade de Fátima
haviam visto Nossa Senhora, surgiu a oportunidade para um contra-ataque.
Multidões afluíam à cidade, e tais multidões foram usadas pelos bispos como
argumento de que o povo estava a favor da Igreja e contra a República.
Em 1923, descobriu-se que a filial em Lisboa do Banco de
Angola e Metrópole havia inundado os mercados financeiros com notas falsas que
seu proprietário, Alves dos Reis, mandara imprimir. Foram apenas 2 milhões de
libras que ajudaram a afundar a reputação do país, que já não andava muito bem
das pernas.
A desvalorização do escudo fez a dívida externa explodir.
Dentre os débitos, estava um com a Inglaterra, referente à participação
desastrosa de Portugal na I Guerra Mundial, conflito para o qual os portugueses
haviam sido aliciados pela Inglaterra a tomarem parte.
Com isso, os militares passaram a engrossar as fileiras dos
descontentes com a República em curso. Inevitável naqueles tempos, a “nova
ordem” representada pelos regimes fascistas que se multiplicavam foi a tese que
mais seduziu esses oficiais.
Em 26 de maio de 1926, o general Gomes da Costa deu o grito
que tantos aguardavam e iniciou a marcha sobre Lisboa, movimento a la
Mussolini,que derrubou a jovem República portuguesa. Aboliu-se o Parlamento e nomearam
uma Junta militar para atuar em seu lugar. Gomes da Costa foi promovido a
marechal e exilado nos Açores.
O general Óscar Carmona assumiu o governo. Era admirador de
Mussolini e chegou a promover uma marcha de jovens vestindo camisas negras,
entoando lemas da “nova ordem”. Ficou no poder por 25 anos, até 1951.
Logo que assumiu a presidência, pode verificar a ruinosa
situação financeira do país. Embora Churchill houvesse perdoado ¾ da dívida que
restava de Portugal contra o Reino Unido. Carmona ainda conseguiu um empréstimo
da Sociedade das Nações cuja garantia era uma participação sobre o monopólio da
indústria do tabaco português. Para operacionalizar o acordo, Portugal perdeu a
soberania sobre a arrecadação tributária do setor. Foi um insulto! Carmona
terminou recusando a proposta e a sociedade portuguesa vibrou com a
demonstração de força de seu governo.
Mas o problema das finanças persistia.
Foi nesse contexto que se recorreu àquele que era tratado
como o guru da economia da Universidade de Coimbra: o professor Oliveira
Salazar. Com apenas 37 anos, formado em direito após largar o seminário, levava
uma vida austera, dividindo um quarto com um padre, que viria a se tornar
cardeal-patriarca de Lisboa. Foi o primeiro lente de economia em Portugal. Fora
membro do Parlamento pelo partido Centro Católico e tinha veia claramente
monarquista, mas ficou desanimado com a vida pública após um ano de mandato e
retornou a Coimbra.
Escrevera diversos artigos sobre finanças públicas onde
defendia uma linha bem ortodoxa: orçamentos equilibrados e regresso ao
padrão-ouro.
Quando Carmona convidou Salazar para assumir o ministério
das finanças, fora a segunda evz que o professor era chamado. O primeiro
convite não foi aceito pois a Junta Militar não aceitou sua exigência maior:
que todas as despesas de todos os ministérios ficassem sob a batuta de Salazar.
Agora, sua exigência foi aceita.
Salazar criou impostos e contraiu os gastos públicos o
quanto pode. Seu primeiro ano no cargo exibiu já um orçamento equilibrado. Nos
demais anos, houve superávits que reduziram bastante a dívida externa do país.
Os juros pagos caíram á metade. Utilizou os recursos parados na Caixa Geral de
Depósitos para projetos de irrigação e de modernização dos transportes. A produção
de arroz aumentou tanto que equilibrou os déficits provocados pela importação
de trigo. Frutas secas e conservas de sardinha também passaram a ter lugar de
destaque nas exportações.
O desemprego caiu enormemente. As receitas fiscais
cresceram. Os anos conturbados das crises das décadas de 1920 e 1930 mal
atingiram o país. Pelo contrário: seu ambiente de estabilidade financeira e
social fez o país se tornar destino preferencial de grandes fortunas fugindo do
caos em casa e de investimentos procurando um porto seguro. Estoril, estância
turística construída pouco antes, tornou-se lar para famílias de ingleses que
desejavam escapar dos altos impostos no Reino Unido; e de espanhóis amedrontados
com as ameaças republicanas.
No interior do Governo, no entanto, ministros se demitiam em
sequência, desanimados com a concentração de poder nas mãos de Salazar. Aos
poucos, Salazar assumiu as pastas abandonadas. Interessante notar que os demissionários
eram militares, enquanto quem ficava, Salazar, era civil. Assim, a ditadura foi
se tornando civil.
Carmona, então, fez aquilo que lhe restava fazer: nomeou
Salazar primeiro-ministro. Recebeu então a missão de elaborar uma nova
Constituição. Assim, Salazar elaborou um dos seus planos mais famosos: o
Estado-Novo. Como ele mesmo descreveu: “anticomunista, antidemocrático,
antiliberal e autoritário... uma ditadura da razão e da inteligência”.
Elaborada ao lado de professores da Universidade de Coimbra
entre 1930 e 1933, a nova Carta portuguesa baseava-se nos mesmos textos sobre os
quais foram elaboradas as demais Constituições fascistas européias (italiana e
espanhola): os ensinamentos sociais antimodernistas dos papas Leão XIII (Rerum
Novarum) e Pio XI.
As divergências entre os partidos eram abominadas, enquanto
o caminho para o pregresso, dizia-se, passava pelo patriotismo, catolicismo e
prudência financeira. A base da sociedade era agora a família, e como tal
deveria se comportar: toda família tem um chefe – marido/pai – e eram esses que deveriam votar nas eleições
nacionais. O Parlamento era um local para receber sugestões, como uma reunião
familiar. Mas quem decide é o chefe.
Uma família não aceita luta de classes: partidos e
sindicatos foram extintos; greves foram proibidas. Os conflitos eram agora
decididos por uma Câmara Corporativa. A Igreja foi devolvida ao seu papel
tradicional. Salazar acreditava sinceramente que a autoridade máxima do país
era conferida por Deus...
Todos os partidos foram substituídos pela União Nacional.
Comunistas e maçons foram proibidos.
Salazar cria na família tradicional. A mulher deveria cuidar
do lar, fazer as compras e freqüentar a igreja. O homem deveria trabalhar. Nas
suas palavras: “Nos países em que as mulheres dividem com os homens o trabalho
nas fábricas, nos escritórios e nas profissões liberais, a família
desagrega-se.”
Em 1927 se iniciam manifestações contra a ditadura
salazarista. Em 1929, chegam aos Açores. A maior dessas manifestações ocorreu
em Marinha Grande, em 1934. Milhares foram presos.
Salazar se via como uma espécie de Marquês de Pombal
moderno.
Salazar respondeu criando um órgão de nome no mínimo
exótico: PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado. Introduziu a censura
estatal em todas as manifestações de comunicação, não apenas nos jornais. Diversas
matérias eram, de fato, propaganda estatal e os jornais eram obrigados a
veiculá-las. Tribunais de exceção foram instituídos, civis e militares.
A criação de associações de trabalhadores, órgãos claramente
manipulados pelo Estado, no lugar dos sindicatos, deu início a mais uma onda de
protestos no ano de 1935. Salazar ordenou a construção de um campo de
concentração no arquipélago de Cabo Verde. Trouxe especialistas em tortura da
Itália de Mussolini.
Salazar criou a Mocidade Portuguesa, associação de cunho
fascista, nos moldes dos camisas negras de Mussolini. Todos os jovens eram
obrigados a fazer parte delas, ricos ou pobres. O símbolo “S”, fazia as vezes
das “SS” nazistas.
Conforme a II Guerra Mundial se aproximava, Salazar corria
para afastar a imagem de seu regime do nazismo alemão e do fascismo italiano.
E, de fato, conseguiu. Seu discurso de que pretendia apenas o retorno aos
valores tradicionais portugueses parecia ter colado. As Forças Armadas estavam
sob controle, sem possibilidades de fazerem um novo golpe de Estado.
Às vésperas do II grande conflito mundial, o cenário
econômico de Portugal apontava prosperidade, os salários estavam em dia, os
agricultores encontravam mercado, obras públicas, especialmente hidrelétricas,
eram realizadas. A indústria mineira progredia.
Mas havia um caos à espreita...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A primeira aldeia global”
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