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terça-feira, 19 de setembro de 2017

APÓS A MONARQUIA, A DITADURA


Após a proclamação da República portuguesa, o país passou por 15 instáveis anos: sete eleições gerais, oito presidentes e 45 governos se sucederam. Apenas um deles conseguiu exercer o mandato de quatro anos até o fim. O arrependimento com a democracia foi inevitável.

Apesar disso, nesse período foram criadas as universidades do Porto e de Lisboa. Houve a separação entre Igreja e Estado. Contudo, os direitos civis a mulheres ainda teria de aguardar mais algum tempo. O sistema tributário continuou não alcançando heranças, o que beneficiava as classes mais altas.

Já os direitos trabalhistas foram contemplados em 1822, bem à frente de muitas nações mais ricas. Mas as greves gerais surgidas desde então começaram a chegar ao Parlamento, tomado de cenas de pleno pugilismo.

Quanto à Igreja católica, a situação desta se transmutou com os anos. A República era claramente anticlerical: chamavam abertamente a fé de superstição. Quando surgiram boatos de que três pastorinhos da cidade de Fátima haviam visto Nossa Senhora, surgiu a oportunidade para um contra-ataque. Multidões afluíam à cidade, e tais multidões foram usadas pelos bispos como argumento de que o povo estava a favor da Igreja e contra a República.

Em 1923, descobriu-se que a filial em Lisboa do Banco de Angola e Metrópole havia inundado os mercados financeiros com notas falsas que seu proprietário, Alves dos Reis, mandara imprimir. Foram apenas 2 milhões de libras que ajudaram a afundar a reputação do país, que já não andava muito bem das pernas.

A desvalorização do escudo fez a dívida externa explodir. Dentre os débitos, estava um com a Inglaterra, referente à participação desastrosa de Portugal na I Guerra Mundial, conflito para o qual os portugueses haviam sido aliciados pela Inglaterra a tomarem parte.

Com isso, os militares passaram a engrossar as fileiras dos descontentes com a República em curso. Inevitável naqueles tempos, a “nova ordem” representada pelos regimes fascistas que se multiplicavam foi a tese que mais seduziu esses oficiais.

Em 26 de maio de 1926, o general Gomes da Costa deu o grito que tantos aguardavam e iniciou a marcha sobre Lisboa, movimento a la Mussolini,que derrubou a jovem República portuguesa. Aboliu-se o Parlamento e nomearam uma Junta militar para atuar em seu lugar. Gomes da Costa foi promovido a marechal e exilado nos Açores.

O general Óscar Carmona assumiu o governo. Era admirador de Mussolini e chegou a promover uma marcha de jovens vestindo camisas negras, entoando lemas da “nova ordem”. Ficou no poder por 25 anos, até 1951.

Logo que assumiu a presidência, pode verificar a ruinosa situação financeira do país. Embora Churchill houvesse perdoado ¾ da dívida que restava de Portugal contra o Reino Unido. Carmona ainda conseguiu um empréstimo da Sociedade das Nações cuja garantia era uma participação sobre o monopólio da indústria do tabaco português. Para operacionalizar o acordo, Portugal perdeu a soberania sobre a arrecadação tributária do setor. Foi um insulto! Carmona terminou recusando a proposta e a sociedade portuguesa vibrou com a demonstração de força de seu governo.

Mas o problema das finanças persistia.

Foi nesse contexto que se recorreu àquele que era tratado como o guru da economia da Universidade de Coimbra: o professor Oliveira Salazar. Com apenas 37 anos, formado em direito após largar o seminário, levava uma vida austera, dividindo um quarto com um padre, que viria a se tornar cardeal-patriarca de Lisboa. Foi o primeiro lente de economia em Portugal. Fora membro do Parlamento pelo partido Centro Católico e tinha veia claramente monarquista, mas ficou desanimado com a vida pública após um ano de mandato e retornou a Coimbra.

Escrevera diversos artigos sobre finanças públicas onde defendia uma linha bem ortodoxa: orçamentos equilibrados e regresso ao padrão-ouro.

Quando Carmona convidou Salazar para assumir o ministério das finanças, fora a segunda evz que o professor era chamado. O primeiro convite não foi aceito pois a Junta Militar não aceitou sua exigência maior: que todas as despesas de todos os ministérios ficassem sob a batuta de Salazar. Agora, sua exigência foi aceita.

Salazar criou impostos e contraiu os gastos públicos o quanto pode. Seu primeiro ano no cargo exibiu já um orçamento equilibrado. Nos demais anos, houve superávits que reduziram bastante a dívida externa do país. Os juros pagos caíram á metade. Utilizou os recursos parados na Caixa Geral de Depósitos para projetos de irrigação e de modernização dos transportes. A produção de arroz aumentou tanto que equilibrou os déficits provocados pela importação de trigo. Frutas secas e conservas de sardinha também passaram a ter lugar de destaque nas exportações.

O desemprego caiu enormemente. As receitas fiscais cresceram. Os anos conturbados das crises das décadas de 1920 e 1930 mal atingiram o país. Pelo contrário: seu ambiente de estabilidade financeira e social fez o país se tornar destino preferencial de grandes fortunas fugindo do caos em casa e de investimentos procurando um porto seguro. Estoril, estância turística construída pouco antes, tornou-se lar para famílias de ingleses que desejavam escapar dos altos impostos no Reino Unido; e de espanhóis amedrontados com as ameaças republicanas.

No interior do Governo, no entanto, ministros se demitiam em sequência, desanimados com a concentração de poder nas mãos de Salazar. Aos poucos, Salazar assumiu as pastas abandonadas. Interessante notar que os demissionários eram militares, enquanto quem ficava, Salazar, era civil. Assim, a ditadura foi se tornando civil.

Carmona, então, fez aquilo que lhe restava fazer: nomeou Salazar primeiro-ministro. Recebeu então a missão de elaborar uma nova Constituição. Assim, Salazar elaborou um dos seus planos mais famosos: o Estado-Novo. Como ele mesmo descreveu: “anticomunista, antidemocrático, antiliberal e autoritário... uma ditadura da razão e da inteligência”.  

Elaborada ao lado de professores da Universidade de Coimbra entre 1930 e 1933, a nova Carta portuguesa baseava-se nos mesmos textos sobre os quais foram elaboradas as demais Constituições fascistas européias (italiana e espanhola): os ensinamentos sociais antimodernistas dos papas Leão XIII (Rerum Novarum) e Pio XI.

As divergências entre os partidos eram abominadas, enquanto o caminho para o pregresso, dizia-se, passava pelo patriotismo, catolicismo e prudência financeira. A base da sociedade era agora a família, e como tal deveria se comportar: toda família tem um chefe – marido/pai – e  eram esses que deveriam votar nas eleições nacionais. O Parlamento era um local para receber sugestões, como uma reunião familiar. Mas quem decide é o chefe.

Uma família não aceita luta de classes: partidos e sindicatos foram extintos; greves foram proibidas. Os conflitos eram agora decididos por uma Câmara Corporativa. A Igreja foi devolvida ao seu papel tradicional. Salazar acreditava sinceramente que a autoridade máxima do país era conferida por Deus...
Todos os partidos foram substituídos pela União Nacional. Comunistas e maçons foram proibidos.

Salazar cria na família tradicional. A mulher deveria cuidar do lar, fazer as compras e freqüentar a igreja. O homem deveria trabalhar. Nas suas palavras: “Nos países em que as mulheres dividem com os homens o trabalho nas fábricas, nos escritórios e nas profissões liberais, a família desagrega-se.”

Em 1927 se iniciam manifestações contra a ditadura salazarista. Em 1929, chegam aos Açores. A maior dessas manifestações ocorreu em Marinha Grande, em 1934. Milhares foram presos.

Salazar se via como uma espécie de Marquês de Pombal moderno.

Salazar respondeu criando um órgão de nome no mínimo exótico: PIDE – Polícia Internacional de Defesa do Estado. Introduziu a censura estatal em todas as manifestações de comunicação, não apenas nos jornais. Diversas matérias eram, de fato, propaganda estatal e os jornais eram obrigados a veiculá-las. Tribunais de exceção foram instituídos, civis e militares.

A criação de associações de trabalhadores, órgãos claramente manipulados pelo Estado, no lugar dos sindicatos, deu início a mais uma onda de protestos no ano de 1935. Salazar ordenou a construção de um campo de concentração no arquipélago de Cabo Verde. Trouxe especialistas em tortura da Itália de Mussolini.  

Salazar criou a Mocidade Portuguesa, associação de cunho fascista, nos moldes dos camisas negras de Mussolini. Todos os jovens eram obrigados a fazer parte delas, ricos ou pobres. O símbolo “S”, fazia as vezes das “SS” nazistas.

Conforme a II Guerra Mundial se aproximava, Salazar corria para afastar a imagem de seu regime do nazismo alemão e do fascismo italiano. E, de fato, conseguiu. Seu discurso de que pretendia apenas o retorno aos valores tradicionais portugueses parecia ter colado. As Forças Armadas estavam sob controle, sem possibilidades de fazerem um novo golpe de Estado.

Às vésperas do II grande conflito mundial, o cenário econômico de Portugal apontava prosperidade, os salários estavam em dia, os agricultores encontravam mercado, obras públicas, especialmente hidrelétricas, eram realizadas. A indústria mineira progredia.

Mas havia um caos à espreita...

  
Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A primeira aldeia global”          

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