À primeira vista, sentiam-se adentro o Éden. Não sentiam
vergonha por estarem nus. Aqueles índios pareciam Adão e Eva antes da danação
provocada por comer o fruto do conhecimento. Mas essa atração pela ingenuidade
daquelas pessoas durou pouco.
Logo os colonizadores perceberam que necessitariam de criar
alianças caso desejassem explorar aquelas terras recém-descobertas. Eram numericamente
muito inferiores aos povos originários.
A primeira estratégia de que lançaram mãos foi aquela que melhor
conheciam em suas terras natais: o casamento. Alianças políticas criadas por
vínculos familiares estabelecidos pelo casamento deram aos europeus acesso à
mão-de-obra usada nas primeiras décadas do Brasil.
Mas não demorou a começarem a desembarcar na costa
brasileira escravos de origem africana. Com a mudança étnica, surgiram as
mudanças sócio-culturais: agora a sociedade estava dividida em estamentos:
casa-grande, senzala e cidade (inicialmente, vilas).
O mesmo ocorreu com a vida sexual da jovem colônia: desde o
sexo quase-santificado entre o senhor de engenho branco e sua esposa européia, passando
pelo abuso sexual do senhor contra a escrava, o concubinato com negras libertas
ou índias, até as relações instáveis entre negros, pardos, mamelucos e brancos
pobres.
Inicialmente, aos europeus parecia que os indígenas
brasileiros eram escravos do pecado da luxúria. Mas logo perceberam que eles
eram dados, desavergonhadamente, àquilo que despertasse prazer. Igualmente notável
foi a atração que sentiram pelas formas, pela beleza dos corpos.
Primeiramente a atenção dos europeus foi direcionada aos
pênis dos índios. Perceberam que não eram circuncidados, portanto judeus não
eram: fácil convertê-los! Depois a atenção se desviou para as mulheres e suas “vergonhas”.
Segundo Pero Vaz de Caminha: “Ali andavam entre eles três ou quatro moças, bem
moças e bem gentis, com cabelos muito pretos, compridos pelas espáduas, e suas
vergonhas tão altas, tão cerradinhas e tão limpas das cabeleiras que, de as
muito bem olharmos, não tínhamos nenhuma vergonha”. Tem-se portanto a descrição
de vagina depiladas, aparentemente de índias bastante jovens, que
despertaram-lhes a vontade de comparar com aquelas das mulheres que conheciam.
A questão da nudez parecia bem idiossincrática. Afinal, na
América do Norte, nos Andes, os índios se vestiam copiosamente, tanto por causa
do frio intenso como por motivos relacionados à hierarquia. Já o Brasil era completamente
despido de vestimentas – e a nudez não necessariamente estava relacionada ao
apetite sexual.
Assim como no Gênesis, os inocentes habitantes deste Jardim
do Éden seriam traídos por uma serpente, mas de outro tipo daquela bíblica, que
em si faria nascer a vergonha. Os jesuítas ofereceram-lhes roupas àqueles
índios que se convertiam. Mas a tarefa não foi fácil, mesmo porque não havia
indústria têxtil aqui.
Manuel da Nóbrega encomendava uma camisa a cada índia,
afinal ele não conseguia conceber uma índia nua entrando na igreja e se sentando
ao lado de outro cristão.
Pouco tempo depois, perceberam os portugueses que a sensualidade,
a sexualidade entre os índios era bastante intensa – embora pouco tivesse a ver
com nudez. Como disse Gilberto Freyre: “O ambiente em que começou a vida sexual
brasileira foi de quase intoxicação sexual”. E continuava: “Muitos clérigos,
dos outros, deixaram-se contaminar pela devassidão. As mulheres eram as
primeiras a se entregarem aos brancos, as mais ardentes indo esfregar-se nas
pernas desses que supunham deuses.” E o que mais os admirava: não se falava em
luxúria, conceito construído ao longo de milênios, altamente turbinado pela
moral cristã e, certamente, impermeável aos indígenas de outrora. Como explicar
os sacramentos de quem via o ato de tomar banho como pecado e quem se divertia
tomando banho em riachos e cachoeiras?
A atração exercida pelas índias chegava a incomodar alguns
clérigos, como o frei Vicente de Salvador, que se sentia tentado a quebrar seu
voto de castidade. Frei Antônio Rocha dizia não passar uma hora sem que
sentisse “estímulos sexuais”. O jesuíta Inácio de Azevedo tratava como milagre
a manutenção do celibato em terras brasileiras.
José de Anchieta descreveu a fuga de dois futuros padres “tentados
pelo espírito de fornicação”. O motivo, segundo o próprio Anchieta, era que “as
mulheres andam nuas e não sabem se negar a ninguém, mas até elas cometem e
importunam os homens, jogando-se com eles nas redes porque têm por honra dormir
com os Cristãos.”
Conforme descobriam mais sobre aquele povo “inocente”, mais
os portugueses se assombravam com seu desprendimento sexual. Entre as índias,
logo perceberam que a homossexualidade se fazia presente. Segundo Pero de
Magalhães Gândavo em “História da Província de Santa Cruz”: “Estas imitam os
homens e seguem seus ofícios. Cortam seus cabelos da mesma maneira que os
machos trazem e vão à guerra com seu arco e flechas e à caça: enfim, que andam
sempre na companhia dos homens, e cada uma tem mulher que a serve e que lhe faz
de comer como se fossem casados.”
O conceito de casamento, evidentemente, não era o mesmo dos
europeus: nenhuma índia desejava guardar a virgindade para o futuro marido, nem
sonhavam com uma união eterna. Pelo contrário, frequentemente sabia-se algum
velho que abandonava a a família para juntar-se a índias jovens, especialmente
capturadas em guerras tribais. Mulheres também costumavam abandonar seus
maridos. Quando o homem tinha várias mulheres, não se sabia quem poderia ser a
esposa “verdadeira”.
Gabriel Soares de Sousa descreveu detalhadamente – e segundo
seu ponto de vista europeus - a vida sexual que conheceu aqui, na sua obra
Tratado Descritivo do Brasil, de 1587:
“São os tupinambás tão luxuriosos que não há pecado de
luxúria que não cometam; os quais sendo de muita pouca idade têm conta com
mulheres, e bem mulheres, porque as velhas, já desestimadas pelos que são
homens, granjeiam estes meninos, fazendo-lhes mimos e regalos, e ensinam-lhes a
fazer o que não sabem, e não os deixam de dia, nem de noite. É este gentio tão
luxurioso que poucas vezes têm respeito às irmãs e tias, e porque esse pecado é
contra seus costumes, dormem com elas pelos matos, e alguns com suas próprias
filhas;(...) E em conversação não sabem falar senão nestas sujidades, que
cometem a cada hora. (...) Não contentes estes selvagens (...) são mui
afeiçoados ao pecado nefando (homossexualidade), entre os quais se não tem por
afronta; e o que serve de macho, se tem por valente, e contam esta bestialidade
por proeza. (...) Os machos destes tupinambás não são ciosos, e ainda que achem
outrem com as mulheres, não matam ninguém por isso, e quando muito espancam as
mulheres pelo caso. E as que querem bem aos maridos buscam-lhe moças com que
eles se desenfadem,as quais lhe levam à rede onde dormem, onde lhes pedem muito
que se queiram deitar com os maridos (...).”
Num mesmo texto: pedofilia, homossexualidade, incesto e
ménage a trois – tudo encarado com normalidade, ou quase isso. Pobre Gabriel,
mal sabia que testemunhava uma nação em gestação...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”
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