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terça-feira, 5 de setembro de 2017

JAPÃO PORTUGUÊS – O BREVE FIM DO ISOLACIONISMO


Após suas quase inacreditáveis aventuras, o português Fernão Mendes Pinto, primeiro homem a pisar em terras japonesas, retornou a sua Portugal natal. Tornou-se presidente da Misericórdia de Lisboa, principal instituição de caridade do reino. Lá escreveu seus relatos, que se tornaram best sellers.

Mas já havia aberto uma porta que nunca mais se fecharia: o Japão.

Em 1582 existiam 45 jesuítas europeus vivendo no Japão. 30 japoneses haviam sido ordenados padres. Nesse mesmo ano, em carta a Roma, informou-se acerca da conversão de 150 mil japoneses. Universidades jesuítas em Goa e Macau recebiam jovens estudantes japoneses. Destacavam-se sobremaneira por sua acepção para a música barroca europeia.

O nascente comércio que se desenvolvia no Japão levou à afluência de mercadores portugueses que, de tão grande número, chegaram a fundar uma cidade: Nagasáqui.

Os portugueses introduziram diversas novidades: o uso do mosquiteiro, as primeiras fábricas de armas de fogo (incluindo as técnicas de fundição, até então em uso apenas na Europa), especiarias indianas, seda chinesa... Novas palavras foram acrescidas ao idioma japonês, como a famosa “origato” e “pan”, este último para designar “pão”, até então desconhecido naquele arquipélago.

O método de cozinhar peixe em tempura, até hoje alimento típico do Japão, foi introduzido pelos portugueses também. Os portugueses também ensinaram aos japoneses técnicas de edificação em pedra, que se mostraram bastante eficientes quando do lançamento da bomba atômica, séculos mais tarde.

Naquele tempo, o comércio entre o Japão e a China estava suspenso. Contudo a demanda por seda chinesa continuava alta. Os mandarins então procuraram os portugueses e delegaram a eles a operação do comércio entre os dois países. Em troca, arrendaram em caráter perpétuo a ilha de Macau. Embora fosse uma ilha, estava conectada ao continente por uma ponte sobre o rio das Pérolas. Pouco tempo depois a principal praia da ilha estava apinhada de mansões de portugueses. Duas igrejas e um mosteiro jesuíta foram erguidos no alto de uma colina.

O comércio com o Japão era protegido por navios armados imponentes, pertencente ao governo – portanto financiados com recursos públicos. Mas o lucro advindo de tal comércio era totalmente privado. Os mercadores locais adquiriram tanto poder que passaram a contar com um Senado local quase inteiramente independente de Lisboa.

Os casamentos entre portugueses e habitantes locais era a regra. Além disso, portugueses passaram a adotar bebês do sexo feminino que eram abandonados pelos pais, habitantes da província do Cantão. Eram educadas como se portuguesas fossem. Havia o costume de presenteá-las como um dote pela Misericórdia, que lhes garantia um bom casamento ou um bom emprego público...

A província do Cantão dependia integralmente do comércio de seda. Portugueses haviam levado escravos africanos para Macau, na condição de servos pessoais. Muitos conseguiram fugir para o Cantão e lá chegaram a formar um bairro inteiro nos subúrbios e arrumavam trabalho como intérpretes de mercadores europeus não portugueses.

Hábitos alimentares novos vieram de Macau. Durante o período islâmico da Península Ibérica foi introduzida a massa filo a partir do norte da África – onde surgiu o “brik”, pastel de massa fina e frito em óleo. Desse surgiu a chamuça, petisco típico português. Daí surgiu o dumpling e o spring roll (bolinho primavera, espécie de crepe chinês), no sul da China e da Tailândia.

Também foi introduzido, a partir de Pequim, o hábito de comer batata-doce – que se tornou o principal alimento do Cantão –, e do amendoim, do qual se extraía o óleo de cozinha. Aforam esses: feijão verde, grelos, alface, agrião – chamado até hoje de legume do Oceano Ocidental, termo pelo qual designavam Portugal.

Foram também introduzidos pelos portugueses os ananases, a goiaba e papaias.

A receita de pasta de camarão seguiu a mesma trilha e se tornou uma indústria relevante em Guantang.
História interessante teve o chilli, levado pelos portugueses a partir do Brasil. Tornou-se sucesso na culinária asiática até hoje – é usado no kebab da Caxemira, no sambal da Malásia, na Tailândia e muito mais. Em Goa, o prato mais picante é o vindaloo, termo resultante da contração de “vinho de alho”, prato no qual a carne é marinada em barris com chilli, antes do cozimento.

O chilli passou com o tempo a ser denominado de caril. Tendo sido um tempero usado por cozinheiros indianos nos pratos servidos a funcionários ingleses na Índia, passou a ser um produto de exportação muito importante para a Inglaterra. Já no século XIX integrava a alimentação dos ingleses de maneira muito comum.

A história dos ingleses na Índia – e com o chilli -, teve seu início com a cessão de Bombaim aos ingleses. Além disso, Bengala estava apinhada de portugueses quando da fundação da Companhia das Índias Orientais britânicas.

A China deu introdução aos chás na Europa. Inicialmente foi exportado para a Inglaterra, por Catarina de Bragança, logo que se casara com Carlos II.

Graças aos jesuítas, que se lançaram à agricultura em Macau, foram introduzidos cortes de porcos castrados em Portugal, que ainda hoje constitui um prato de carne de porco, tenra e magra, muito consumida em Portugal.

A tangerina – chamada antes de laranja pequena – também veio da China, mas seu nome se deve à província de Tânger, onde foram plantadas suas mudas. As famosíssimas laranjas do Algarve também foram trazida da China. Deste país ainda vieram o aipo e o ruibardo (espécie de laxante). Sua demanda elevada na Europa levou os chineses a pensarem que todos os europeus sofriam gravemente de prisão do ventre...


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A primeira aldeia global”

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