Após suas quase inacreditáveis aventuras, o português Fernão
Mendes Pinto, primeiro homem a pisar em terras japonesas, retornou a sua
Portugal natal. Tornou-se presidente da Misericórdia de Lisboa, principal
instituição de caridade do reino. Lá escreveu seus relatos, que se tornaram best
sellers.
Mas já havia aberto uma porta que nunca mais se fecharia: o
Japão.
Em 1582 existiam 45 jesuítas europeus vivendo no Japão. 30
japoneses haviam sido ordenados padres. Nesse mesmo ano, em carta a Roma,
informou-se acerca da conversão de 150 mil japoneses. Universidades jesuítas em
Goa e Macau recebiam jovens estudantes japoneses. Destacavam-se sobremaneira
por sua acepção para a música barroca europeia.
O nascente comércio que se desenvolvia no Japão levou à
afluência de mercadores portugueses que, de tão grande número, chegaram a
fundar uma cidade: Nagasáqui.
Os portugueses introduziram diversas novidades: o uso do
mosquiteiro, as primeiras fábricas de armas de fogo (incluindo as técnicas de
fundição, até então em uso apenas na Europa), especiarias indianas, seda
chinesa... Novas palavras foram acrescidas ao idioma japonês, como a famosa “origato”
e “pan”, este último para designar “pão”, até então desconhecido naquele arquipélago.
O método de cozinhar peixe em tempura, até hoje alimento
típico do Japão, foi introduzido pelos portugueses também. Os portugueses
também ensinaram aos japoneses técnicas de edificação em pedra, que se
mostraram bastante eficientes quando do lançamento da bomba atômica, séculos
mais tarde.
Naquele tempo, o comércio entre o Japão e a China estava
suspenso. Contudo a demanda por seda chinesa continuava alta. Os mandarins
então procuraram os portugueses e delegaram a eles a operação do comércio entre
os dois países. Em troca, arrendaram em caráter perpétuo a ilha de Macau.
Embora fosse uma ilha, estava conectada ao continente por uma ponte sobre o rio
das Pérolas. Pouco tempo depois a principal praia da ilha estava apinhada de mansões
de portugueses. Duas igrejas e um mosteiro jesuíta foram erguidos no alto de
uma colina.
O comércio com o Japão era protegido por navios armados
imponentes, pertencente ao governo – portanto financiados com recursos
públicos. Mas o lucro advindo de tal comércio era totalmente privado. Os mercadores
locais adquiriram tanto poder que passaram a contar com um Senado local quase
inteiramente independente de Lisboa.
Os casamentos entre portugueses e habitantes locais era a
regra. Além disso, portugueses passaram a adotar bebês do sexo feminino que
eram abandonados pelos pais, habitantes da província do Cantão. Eram educadas
como se portuguesas fossem. Havia o costume de presenteá-las como um dote pela
Misericórdia, que lhes garantia um bom casamento ou um bom emprego público...
A província do Cantão dependia integralmente do comércio de
seda. Portugueses haviam levado escravos africanos para Macau, na condição de
servos pessoais. Muitos conseguiram fugir para o Cantão e lá chegaram a formar
um bairro inteiro nos subúrbios e arrumavam trabalho como intérpretes de
mercadores europeus não portugueses.
Hábitos alimentares novos vieram de Macau. Durante o período
islâmico da Península Ibérica foi introduzida a massa filo a partir do norte da
África – onde surgiu o “brik”, pastel de massa fina e frito em óleo. Desse
surgiu a chamuça, petisco típico português. Daí surgiu o dumpling e o spring
roll (bolinho primavera, espécie de crepe chinês), no sul da China e da
Tailândia.
Também foi introduzido, a partir de Pequim, o hábito de
comer batata-doce – que se tornou o principal alimento do Cantão –, e do
amendoim, do qual se extraía o óleo de cozinha. Aforam esses: feijão verde,
grelos, alface, agrião – chamado até hoje de legume do Oceano Ocidental, termo
pelo qual designavam Portugal.
Foram também introduzidos pelos portugueses os ananases, a
goiaba e papaias.
A receita de pasta de camarão seguiu a mesma trilha e se
tornou uma indústria relevante em Guantang.
História interessante teve o chilli, levado pelos
portugueses a partir do Brasil. Tornou-se sucesso na culinária asiática até
hoje – é usado no kebab da Caxemira, no sambal da Malásia, na Tailândia e muito
mais. Em Goa, o prato mais picante é o vindaloo, termo resultante da contração
de “vinho de alho”, prato no qual a carne é marinada em barris com chilli,
antes do cozimento.
O chilli passou com o tempo a ser denominado de caril. Tendo
sido um tempero usado por cozinheiros indianos nos pratos servidos a
funcionários ingleses na Índia, passou a ser um produto de exportação muito
importante para a Inglaterra. Já no século XIX integrava a alimentação dos
ingleses de maneira muito comum.
A história dos ingleses na Índia – e com o chilli -, teve
seu início com a cessão de Bombaim aos ingleses. Além disso, Bengala estava
apinhada de portugueses quando da fundação da Companhia das Índias Orientais
britânicas.
A China deu introdução aos chás na Europa. Inicialmente foi
exportado para a Inglaterra, por Catarina de Bragança, logo que se casara com
Carlos II.
Graças aos jesuítas, que se lançaram à agricultura em Macau,
foram introduzidos cortes de porcos castrados em Portugal, que ainda hoje constitui
um prato de carne de porco, tenra e magra, muito consumida em Portugal.
A tangerina – chamada antes de laranja pequena – também veio
da China, mas seu nome se deve à província de Tânger, onde foram plantadas suas
mudas. As famosíssimas laranjas do Algarve também foram trazida da China. Deste
país ainda vieram o aipo e o ruibardo (espécie de laxante). Sua demanda elevada
na Europa levou os chineses a pensarem que todos os europeus sofriam gravemente
de prisão do ventre...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A primeira aldeia global”
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