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segunda-feira, 18 de setembro de 2017

DINASTIA BRAGANÇA E O FIM DE UMA ERA


Em visita à Espanha e Portugal, o famoso escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, famoso como escritor de contos de viagens antes de seus sucessos infantis, escreveu: “Mas que transição veio de Espanha para Portugal! Era como se tivéssemos viajado da Idade Média para a Idade Moderna.”

A rainha D. Maria da Glória tinha morrido em 1853, ao dar à luz seu décimo filho. Andersen foi recebido no palácio das Necessidades pelo rei-consorte e viúvo duque Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha. D. Fernando governava Portugal como regente, já que passara a coroa a seu filho, D. Luís. Este herdou também uma nova era nas relações monárquicas portuguesas. Vigia agora uma Constituição e existia um governo eleito. D. Fernando foi um monarca tão popular que fora convidado a assumir as coroas de Espanha e Grécia.

Quando D. Luís assumiu o trono, restava pouco em Portugal da devastação provocada por anos de guerra civil. Em contrataste com o ambiente de terra-arrasada da Espanha, Portugal contava com estradas de ferro modernas, os trens eram bastante pontuais, as carruagens eram muito confortáveis, as refeições eram apreciadas, as cidades estavam bem pintadas e organizadas, a cortesia imperava.

Em Lisboa, Andersen testemunhou bondes elétricos e avenidas arborizadas e iluminadas por candeeiros a gás. Encontrou cidadãos bem vestidos. A agricultura e as artes demonstravam vitalidade. Era, sem dúvidas, a nação mais avançada do sul da Europa àquela altura.

Alexandre Herculano, imortal escritor português, vendo-se sem as amarras da censura do Estado ou da Igreja, deu início à historiografia portuguesa, apagando para sempre os mitos e lendas que povoaram a imaginação das gerações anteriores.

João Arroio deu um pontapé inicial na reforma do ensino, introduzindo um método inovador de aprendizado da gramática portuguesa, bastante complexa. O número de escolas aumentou vertiginosamente. Escolas para moças, escolas politécnicas, liceus preparatórios para o ingresso na universidade... a educação recebeu especial atenção nesse novo período de Portugal.

O falecido Santo Ofício fora convertido em Teatro Nacional, contando com uma escola dramática. O Grêmio Literário fundou uma nova era de artes liberais e inovadoras.

O uso de máquinas e de motores explodiu. Portugal era agora o maior produtor mundial de cortiças. Exportavam-se agora têxteis, vidros, cerâmica. Fabricavam-se bascos a vapor portugueses e estenderam-se cabos telegráficos submarinos, ligando Portugal diretamente à Inglaterra e ao Brasil. Especialistas em estradas foram chamados para renovar a malha viária do país (Gustave Eiffel entre eles). Pontes de ferro, elevadores públicos, como o Santa Justa, são dessa época.

A exuberância da Estação do Rossio, ou da praça de touros do Campo Pequeno, prova até a busca por uma arquitetura própria.  O Palácio da Pena, de Sintra, foi comparado a uma locação da Disney.
Aliás, Sintra se tornou destino procurado por artistas, compositores e escritores europeus em busca de inspiração e descanso. Parques públicos atraíram uma nova geração de escultores naturalistas.

O sistema tributário criado era muito eficiente, permitindo pagar essas obras e ainda reduzir a dívida nacional. Tudo isso levou à duplicação do valor dos títulos do Tesouro português nas Bolsas.

Os direitos civis se fortaleceram: a escravatura foi tornada ilegal em todo o Império, as mulheres passaram a ter o direito à propriedade, os não católicos puderam registrar seus filhos. As penas de morte e de trabalhos forçados foram abolidas – vigia agora a filosofia da prisão como local de reforma e de reinserção social.

Esse ambiente, contudo, restou conturbado após as revoltas sindicais, lideradas por movimentos de trabalhadores de todo o mundo, tendo ocorrido o primeiro em fábricas de Lancashire, Reino Unido. Reivindicavam o direito à semana de trabalho de seis dias, de não ser demitido em caso de doença temporária etc. Se os trabalhadores protestavam por causa de greves, os patrões respondiam os demitindo e contratando crianças, haja vista a automação ter facilitado muito a tarefa dos operários.

Portugal também foi vítima de uma crise econômica decorrente de uma crise diplomática com o Brasil. Quando rebentou um motim no porto do Rio de Janeiro, navios de guerra portugueses permitiram que os amotinados subissem a bordo e fossem levados a Buenos Aires com segurança. O governo brasileiro se insurgiu contra Portugal, cortando relações com o país. Até as remessas feitas por brasileiros a familiares em Portugal foram suspensas, levando este último país a perdas na atividade econômica.  

Em 1889, D. Carlos I assume o trono. Apesar de algumas extravagâncias, suas perspectivas no cargo eram muito boas. Os Impérios europeus estavam empenhados na partilha da África. Após a proibição do comércio de escravos, o interesse europeu pelo continente evanescera. Contudo, agora muito mais bem armados e ricos, vivendo as maravilhas da Revolução Industrial, o interesse retornara, mas com mais violência e ganância. Missionários e exploradores europeus traziam histórias de reservas de cobre e ouro, diamantes, elefantes capazes de fornecer marfim quase ilimitadamente...

A vantagem portuguesa era evidente: sempre haviam estado na África. Angola e Moçambique eram indiscutivelmente portugueses. Lá haviam construído portos, colonizado a costa, exploravam grandes extensões de terras no interior. Entre esses dois países africanos se localizava o Zimbábue, com quem os portugueses negociaram o estabelecimento de uma série de entrepostos comerciais.

Ao fim da negociação da Conferência de Berlim, eram portugueses: Zâmbia, Zimbábue, Malaui, Angola e Moçambique. Na sequência, criou-se a Sociedade de Geografia e mandaram-se tropas para tomar posse dos territórios na África.

Mas o caldo entornaria. Cecil Rhodes, famoso mercador e aventureiro inglês, seria a pedra no meio do caminho de Portugal. Trabalhando numa fazenda de algodão de seu irmão, tomou conhecimento e se tornou um grande negociador de diamantes na África do Sul. Aos 20 anos era muito rico.
Anos depois, criou a British South Africa Company, reclamando uma região portuguesa, ao sul do Zambezi. Armou tribos locais e incitou a se rebelarem contra os lusos. Porém estes últimos se saíram vitoriosos.
Rhodes lançou então mão de uma campanha midiática em Londres. Buscou apoio em sociedades de missionários protestantes, espalharam que a África Central havia sido descoberta por David Livingstone, e não aos portugueses que o precederam em séculos. Sustentaram que os missionários católicos eram mais prejudiciais aos africanos do que os protestantes, defendiam que os portugueses eram preguiçosos e indolentes. Rhodes repetia: “raça de mestiços bastardos, preguiçosos e incompetentes”. Somente a British South Africa Company poderia garantir a segurança dos missionários ingleses...

Ao fim, o governo inglês resolveu apoiar a aventura de Rhodes. Em 1890, o embaixador britânico em Lisboa avisou Portugal de que deveria retirar suas tropas da África Central. D. Carlos, recentemente empossado, contrapropôs sugerindo levar o assunto à arbitragem internacional. Portugal terminou aceitando humilhantemente a exigência inglesa.

O resultado dessa atitude foi a queda do Governo português. As ruas de Lisboa foram tomadas por manifestantes anti-ingleses. Diversos intelectuais escreviam dizendo que as principais causas dos problemas lusitanos tinham sido “os Braganças e a aliança inglesa.” Ainda hoje é patente o ressentimento dos portugueses com aquilo que consideram uma injustiça.

D. Carlos foi ao Parlamento e dissolveu o governo. Nomeou João Franco, amigo pessoal como novo primeiro-ministro, governando por decreto. Começou uma caçada brutal à oposição, a jornais de oposição e, por fim, Franco exigiu poderes para expulsar do país quem considerasse uma ameaça.

O rei e sua família, até então afastados de Lisboa até que a situação melhorasse, foi aconselhado a retornar por João Franco. Um jovem saltou sobre a carruagem real e disparou tiros de pistola contra o rei. Outro atirador matou o príncipe herdeiro com uma carabina. O príncipe mais jovem, D. Manuel, escapou com ferimentos. Os assassinos foram mortos no local.

João Franco abandonou Portugal ainda naquela noite. O chefe de segurança, quem matou os assassinos, também deixou Portugal para nunca mais se ouvir falar nele.

D. Manuel assumiu a coroa, aos 18 anos, e sem qualquer preparo. Nomeou e exonerou sem qualquer critério e o país ficou à deriva. Em outubro de 1910 ocorreu o inevitável: uma revolução popular inaugurou a República e pôs fim à Monarquia, para nunca mais ser restaurada.

Após jantar com o novo presidente do Brasil, D. Manuel foi jantar com a família, quando percebeu que seu palácio estava sendo bombardeado. Eram oficiais e a tripulação de um barco de guerra português, estacionado no Tejo.

A família real fugiu para Mafra. Na manhã seguinte, embarcaram no iate real no porto de Ericeira e se dirigiram a Gigraltar. Embarcaram no iate real britânico com destino à Inglaterra. D. Manuel morreu numa residência num subúrbio de Londres.

Em Lisboa, o povo tomava quartéis. Soldados foram instruídos a não resistirem e se esconderem. Soldados e marinheiros desertados empunhavam suas armas. Quartéis que resistiam eram atacados à bomba.

A cena final da derrubada da Monarquia dos Bragança foi a tomada da Câmara Municipal de Lisboa, onde foi içada a bandeira republicana.


Rubem L. de F. Auto


Fonte: livro “A primeira aldeia global”          

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