Em visita à Espanha e Portugal, o famoso escritor dinamarquês
Hans Christian Andersen, famoso como escritor de contos de viagens antes de
seus sucessos infantis, escreveu: “Mas que transição veio de Espanha para Portugal!
Era como se tivéssemos viajado da Idade Média para a Idade Moderna.”
A rainha D. Maria da Glória tinha morrido em 1853, ao dar à
luz seu décimo filho. Andersen foi recebido no palácio das Necessidades pelo
rei-consorte e viúvo duque Fernando de Saxe-Coburgo-Gotha. D. Fernando
governava Portugal como regente, já que passara a coroa a seu filho, D. Luís.
Este herdou também uma nova era nas relações monárquicas portuguesas. Vigia
agora uma Constituição e existia um governo eleito. D. Fernando foi um monarca
tão popular que fora convidado a assumir as coroas de Espanha e Grécia.
Quando D. Luís assumiu o trono, restava pouco em Portugal da
devastação provocada por anos de guerra civil. Em contrataste com o ambiente de
terra-arrasada da Espanha, Portugal contava com estradas de ferro modernas, os
trens eram bastante pontuais, as carruagens eram muito confortáveis, as
refeições eram apreciadas, as cidades estavam bem pintadas e organizadas, a
cortesia imperava.
Em Lisboa, Andersen testemunhou bondes elétricos e avenidas
arborizadas e iluminadas por candeeiros a gás. Encontrou cidadãos bem vestidos.
A agricultura e as artes demonstravam vitalidade. Era, sem dúvidas, a nação
mais avançada do sul da Europa àquela altura.
Alexandre Herculano, imortal escritor português, vendo-se
sem as amarras da censura do Estado ou da Igreja, deu início à historiografia portuguesa,
apagando para sempre os mitos e lendas que povoaram a imaginação das gerações
anteriores.
João Arroio deu um pontapé inicial na reforma do ensino,
introduzindo um método inovador de aprendizado da gramática portuguesa,
bastante complexa. O número de escolas aumentou vertiginosamente. Escolas para
moças, escolas politécnicas, liceus preparatórios para o ingresso na
universidade... a educação recebeu especial atenção nesse novo período de
Portugal.
O falecido Santo Ofício fora convertido em Teatro Nacional,
contando com uma escola dramática. O Grêmio Literário fundou uma nova era de
artes liberais e inovadoras.
O uso de máquinas e de motores explodiu. Portugal era agora
o maior produtor mundial de cortiças. Exportavam-se agora têxteis, vidros,
cerâmica. Fabricavam-se bascos a vapor portugueses e estenderam-se cabos telegráficos
submarinos, ligando Portugal diretamente à Inglaterra e ao Brasil. Especialistas
em estradas foram chamados para renovar a malha viária do país (Gustave Eiffel
entre eles). Pontes de ferro, elevadores públicos, como o Santa Justa, são
dessa época.
A exuberância da Estação do Rossio, ou da praça de touros do
Campo Pequeno, prova até a busca por uma arquitetura própria. O Palácio da Pena, de Sintra, foi comparado a
uma locação da Disney.
Aliás, Sintra se tornou destino procurado por artistas,
compositores e escritores europeus em busca de inspiração e descanso. Parques
públicos atraíram uma nova geração de escultores naturalistas.
O sistema tributário criado era muito eficiente, permitindo
pagar essas obras e ainda reduzir a dívida nacional. Tudo isso levou à
duplicação do valor dos títulos do Tesouro português nas Bolsas.
Os direitos civis se fortaleceram: a escravatura foi tornada
ilegal em todo o Império, as mulheres passaram a ter o direito à propriedade,
os não católicos puderam registrar seus filhos. As penas de morte e de trabalhos
forçados foram abolidas – vigia agora a filosofia da prisão como local de
reforma e de reinserção social.
Esse ambiente, contudo, restou conturbado após as revoltas
sindicais, lideradas por movimentos de trabalhadores de todo o mundo, tendo ocorrido
o primeiro em fábricas de Lancashire, Reino Unido. Reivindicavam o direito à semana
de trabalho de seis dias, de não ser demitido em caso de doença temporária etc.
Se os trabalhadores protestavam por causa de greves, os patrões respondiam os
demitindo e contratando crianças, haja vista a automação ter facilitado muito a
tarefa dos operários.
Portugal também foi vítima de uma crise econômica decorrente
de uma crise diplomática com o Brasil. Quando rebentou um motim no porto do Rio
de Janeiro, navios de guerra portugueses permitiram que os amotinados subissem
a bordo e fossem levados a Buenos Aires com segurança. O governo brasileiro se
insurgiu contra Portugal, cortando relações com o país. Até as remessas feitas
por brasileiros a familiares em Portugal foram suspensas, levando este último país
a perdas na atividade econômica.
Em 1889, D. Carlos I assume o trono. Apesar de algumas
extravagâncias, suas perspectivas no cargo eram muito boas. Os Impérios
europeus estavam empenhados na partilha da África. Após a proibição do comércio
de escravos, o interesse europeu pelo continente evanescera. Contudo, agora
muito mais bem armados e ricos, vivendo as maravilhas da Revolução Industrial,
o interesse retornara, mas com mais violência e ganância. Missionários e
exploradores europeus traziam histórias de reservas de cobre e ouro, diamantes,
elefantes capazes de fornecer marfim quase ilimitadamente...
A vantagem portuguesa era evidente: sempre haviam estado na
África. Angola e Moçambique eram indiscutivelmente portugueses. Lá haviam
construído portos, colonizado a costa, exploravam grandes extensões de terras
no interior. Entre esses dois países africanos se localizava o Zimbábue, com
quem os portugueses negociaram o estabelecimento de uma série de entrepostos
comerciais.
Ao fim da negociação da Conferência de Berlim, eram portugueses:
Zâmbia, Zimbábue, Malaui, Angola e Moçambique. Na sequência, criou-se a
Sociedade de Geografia e mandaram-se tropas para tomar posse dos territórios na
África.
Mas o caldo entornaria. Cecil Rhodes, famoso mercador e
aventureiro inglês, seria a pedra no meio do caminho de Portugal. Trabalhando
numa fazenda de algodão de seu irmão, tomou conhecimento e se tornou um grande
negociador de diamantes na África do Sul. Aos 20 anos era muito rico.
Anos depois, criou a British South Africa Company,
reclamando uma região portuguesa, ao sul do Zambezi. Armou tribos locais e
incitou a se rebelarem contra os lusos. Porém estes últimos se saíram
vitoriosos.
Rhodes lançou então mão de uma campanha midiática em
Londres. Buscou apoio em sociedades de missionários protestantes, espalharam
que a África Central havia sido descoberta por David Livingstone, e não aos
portugueses que o precederam em séculos. Sustentaram que os missionários
católicos eram mais prejudiciais aos africanos do que os protestantes,
defendiam que os portugueses eram preguiçosos e indolentes. Rhodes repetia: “raça
de mestiços bastardos, preguiçosos e incompetentes”. Somente a British South
Africa Company poderia garantir a segurança dos missionários ingleses...
Ao fim, o governo inglês resolveu apoiar a aventura de
Rhodes. Em 1890, o embaixador britânico em Lisboa avisou Portugal de que
deveria retirar suas tropas da África Central. D. Carlos, recentemente
empossado, contrapropôs sugerindo levar o assunto à arbitragem internacional.
Portugal terminou aceitando humilhantemente a exigência inglesa.
O resultado dessa atitude foi a queda do Governo português.
As ruas de Lisboa foram tomadas por manifestantes anti-ingleses. Diversos
intelectuais escreviam dizendo que as principais causas dos problemas lusitanos
tinham sido “os Braganças e a aliança inglesa.” Ainda hoje é patente o
ressentimento dos portugueses com aquilo que consideram uma injustiça.
D. Carlos foi ao Parlamento e dissolveu o governo. Nomeou
João Franco, amigo pessoal como novo primeiro-ministro, governando por decreto.
Começou uma caçada brutal à oposição, a jornais de oposição e, por fim, Franco
exigiu poderes para expulsar do país quem considerasse uma ameaça.
O rei e sua família, até então afastados de Lisboa até que a
situação melhorasse, foi aconselhado a retornar por João Franco. Um jovem
saltou sobre a carruagem real e disparou tiros de pistola contra o rei. Outro
atirador matou o príncipe herdeiro com uma carabina. O príncipe mais jovem, D.
Manuel, escapou com ferimentos. Os assassinos foram mortos no local.
João Franco abandonou Portugal ainda naquela noite. O chefe
de segurança, quem matou os assassinos, também deixou Portugal para nunca mais
se ouvir falar nele.
D. Manuel assumiu a coroa, aos 18 anos, e sem qualquer
preparo. Nomeou e exonerou sem qualquer critério e o país ficou à deriva. Em
outubro de 1910 ocorreu o inevitável: uma revolução popular inaugurou a República
e pôs fim à Monarquia, para nunca mais ser restaurada.
Após jantar com o novo presidente do Brasil, D. Manuel foi
jantar com a família, quando percebeu que seu palácio estava sendo bombardeado.
Eram oficiais e a tripulação de um barco de guerra português, estacionado no
Tejo.
A família real fugiu para Mafra. Na manhã seguinte,
embarcaram no iate real no porto de Ericeira e se dirigiram a Gigraltar. Embarcaram
no iate real britânico com destino à Inglaterra. D. Manuel morreu numa
residência num subúrbio de Londres.
Em Lisboa, o povo tomava quartéis. Soldados foram instruídos
a não resistirem e se esconderem. Soldados e marinheiros desertados empunhavam
suas armas. Quartéis que resistiam eram atacados à bomba.
A cena final da derrubada da Monarquia dos Bragança foi a
tomada da Câmara Municipal de Lisboa, onde foi içada a bandeira republicana.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A primeira aldeia global”
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