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segunda-feira, 25 de setembro de 2017

A IDADE MÉDIA E A PERSEGUIÇÃO À LIBERDADE SEXUAL


Após ter sido estatizada pelo Império Romano, a Igreja Católica passou a ser a líder da moralidade no Ocidente. Os primeiros séculos do cristianismo foram marcados pela oposição entre a moralidade pré-cristã e a nova moralidade, cristã.

Por muitos milênios, o sexo era uma fonte de prazer a ser celebrado: deuses do amor foram criados, festas regadas a vinho. Mesmo defendendo as virtudes das matronas (típica dona de casa romana, dedicada à família e fiel ao marido), o Império não havia restringido as liberdades sexuais, nem proibido prostitutas, nem a manutenção de concubinas.

Agora, a religião disseminada por Paulo se opunha a qualquer prazer sexual. Aos poucos, romanos iam abraçando os ideais da castidade, a restrição do sexo ao casamento (e quando a esposa não estivesse menstruada), a condenação do aborto e da bissexualidade.  A crise profunda vivida ao longo da decadência do Império ajudou sobremaneira nessa conversão em massa. Povos cansados da pobreza e da violência tornavam-se cristãos a um ritmo impressionante.

O resultado foi um “império da fé”, uma igreja única, universal: daí o nome “católica”, termo derivado da palavra grega para única. Mas seu crescimento, inevitavelmente levaria à sua cisão em seitas diversas. Era necessário homogeneizar a interpretação da palavra de Deus, vedar textos que contradissessem o cânone aceito – como os textos apócrifos.

O passo inicial para essa padronização foi o Concílio de Nicéia, sob a batuta do imperador Constantino, em 325 d.C. Quatro padres se destacaram nessas ocasiões, passando a serem referenciados como os “Doutores da Igreja”: Ambrósio de Milão, Jerônimo de Estridão, Agostinho de Hipona e Gregório Magno. Apesar de os assuntos abordados nesses encontros fossem os mais variados, tudo o que dizia respeito aos “pecados da carne” recebeu o foco das atenções. Seguindo a doutrina da “sexofobia” de Pàulo, agora até pensamentos poderiam levar ao cometimento de pecados.

Ambrósio de Milão resumiu bem seu horror ao sexo: “Mesmo um bom casamento é escravidão. O que, logo, será um casamento ruim?” Ambrósio só via virtude na virgindade: virgem era aquela que tinha Deus por esposo. Se a desgraça se abatera sobre o mundo por causa de uma mulher, Eva, fora salvo por uma virgem, a virgem Maria...

Jerônimo é mais famoso como o tradutor da Bíblia do hebraico e do grego para o latim. Ele repudiava o concubinato, encarado com normalidade durante o Império, incentivava que as pessoas largassem tudo em nome de Cristo, aconselhava as mães a oferecerem o primeiro filho a Deus, em sacrifício, e pedia que as garotas mantivessem sua virgindade em casa, ainda que não pudessem entrar para um convento. Sua aversão ao casamento era a mesma: “Eu somente louvo o casamento por causa das virgens que produz. Colho a rosa do espinho, o ouro da terra, a pérola da ostra.”

Mas suas críticas também alcançavam as virgens: “Note, porém, que há também as virgens más. O Senhor diz que ‘qualquer que atentar numa mulher para a cobiçar, já em seu coração cometeu adultério com ela.’ A virgindade pode, portanto, perder-se até com um pensamento. Tais são as virgens más; virgens de carne, mas não de espírito.”  

Mas a Igreja acumulava poder, e com o poder vinha a luxúria. Era inquestionável a decadência moral que atingia o clero, que praticava os mesmos pecados dos aristocratas pagãos de outrora. Jerônimo ficava irado com os clérigos que bajulavam as ricas viúvas romanas: “Pareciam mais noivos do que religiosos. O clero, que deveria inspirar assombro com seus ensinamentos e autoridade, beija essas senhoras na testa e, colocando as mãos para frente como se para abençoar, cobra dinheiro pelas visitas.”

Mas o mais celebrado dos três Doutores foi Agostinho de Hipona, mais tarde Santo Agostinho. Foi o pilar da Igreja cristã mais destacado após Paulo. Foi ele quem trouxe o pensamento grego para o arcabouço teológico da Igreja, ao adaptar a teoria da alma de Platão. Dividiu a alma em três: a alma concupiscente, responsável pelo apetite sexual; a alma irascível, sede dos sentimentos; e a alma racional, que controlava as outras duas. Era cedendo à concupiscência da carne que o homem se afastava de Deus.

Mas Agostinho não nasceu santo. Em Confissões, sua autobiografia, ele descreve seu processo de conversão. E seu maior esforço foi despendido no sentido de superar seus instintos sexuais: “Desde a adolescência, ardi em desejos de me satisfazer em coisas baixas, ousando entregar-me como animal a vários e tenebrosos amores! Desgatou-se a beleza da minha alma e apodreci aos Teus olhos.”

Agostinho teve de interromper seus estudos aos 16 anos, por problemas financeiros de sua família. Foi quando, identificou, seus instintos sexuais tomaram seu mente. Sua Mãe, Santa Mônica, tentava mantê-lo no caminho de Deus, mas Agostinho insistia em desviar-se. Seu pai, adúltero confesso e desabrido, mostrava orgulho por cada sinal de virilidade demonstrado pelo filho. Passou a andar com outro homens e a se orgulhar de conquistas sexuais.

Aos trinta anos, tornou-se professor de retórica. Tinha uma concubina desde os dezessete anos, com quem tinha um filho. Embora fosse algo bastante comum, sua mãe não aceitava aquele arranjo e o obrigou a despacha a moça para um convento na África. Depois, contraiu noivado com uma menina de apenas 10 anos. Mas o casamento só seria possível após ela completar doze anos.

Mas Agostinho era incontrolável naquele momento de sua vida. Arranjou outra concubina e pronunciou uma de suas frases imortais, direcionada a Deus: “Daí-me castidade e continência, porém não agora.”

Mas eis que a busca da verdade toma Agostinho, que a encontra nas epístolas de Paulo. Na Páscoa de 387 d.C., foi à catedral de Milão, onde foi batizado pelo bispo Ambrósio (de Milão, seu tutor na altura). Convertido, agora cristão ferrenho, Agostinho partiu para a África, onde atuou como monge. Estava agora magro, apático, e destituído de todo o seu patrimônio, do qual abriu mão em nome dos pobres. Em Hipona, atualmente Argélia, construiu um mosteiro. Após, foi nomeado bispo.  

Ao longo de sua extensa obra, nenhum tema foi tão trabalhado quanto o pecado original. O tema é antigo, veio do Antigo Testamento. A história também é bastante conhecida: Adão recebe de Eva o fruto proibido da árvore do conhecimento e o come; daí em diante os dois passam a ter o conhecimento do bem e do mal, descobrem-se nus e se cobrem com uma tanga de folhas de figueira. A desobediência custa ao casal a imortalidade e passam a sentir dores. A mulher foi condenada a sofrer de dores do parto e a viver subordinada ao homem; o homem foi condenado a viver do suor do próprio trabalho: “do suor do teu rosto comerás o pão”.

O único acréscimo a essa história, dado pelos cristãos, foi o nome: pecado original. Todos os humanos herdaram esse pecado e por ele estão condenados a priori. É ele quem explica porque Deus deixa inocentes morrerem, por exemplo (é tão inocente assim, ou carrega um pecado desde o nascimento?).

O mandamento divino “crescei e multiplicai-vos”, somado à simples existência da mulher, quem Deus disse que deveria ser esposa do homem, tornavam um tanto complexo encaixar o pecado da carne. Agostinho resolveu essa contradição defendendo que, antes do pecado original, existia o desejo divino de que os homens proliferassem na Terra. Mas, antes do pecado original, a excitação dos órgãos sexuais ocorria por motivos racionais, pela razão! Isso é o que está explícito em Cidade de Deus, sua monumental obra. A fecundação, portanto, ocorreria desacompanhada da luxúria e da vergonha. Ao simples pensamento “Vamos nos reproduzir?”, seguir-se-ia a copulação. Ter o pênis ereto seria um processo físico como dar um passo adiante. Tudo feito, mas sem incorrer na maldição dos sentidos.

Mas tudo isso só acontecia no Jardim do Éden. Mas de lá fomos expulsos. Desde então o sexo passou a ser indissociável do pecado da luxúria, e essa maldição é passada naturalmente, de geração em geração. Mas havia um fim louvável possível para o ato sexual: procriação.

Portanto o casamento seria, segundo Agostinho, um meio-de-campo: comunica um lado positivo (filhos, sacramento) com um lado negativo (sexo, ainda que conjugal). O casamento era, assim, necessário para trazer um tanto de razão a algo tão condenável, justamente por não ser racional.

Já Gregório Magno procurou por um ponto final no sexo casual: era pecado capital!     


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo

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