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terça-feira, 19 de setembro de 2017

GRÉCIA ANTIGA, MISOGINIA E PEDERASTIA – O BERÇO DA CIVILIZAÇÃO OCIDENTAL


A cultura grega clássica tem seu lado brilhante: filosofia, matemática, política, ética, idéia versus ilusão da Caverna de Platão etc. Mas essa cultura também teve seu lado B: uma aceitação desconcertante da pederastia, embora esse assunto mereça um melhor delineamento.

Os gregos viviam, filosoficamente falando, em meio a um embate: razão x emoção; racionalidade x irracionalidade. E os embates chegavam ao plano divino: os deuses se diferenciavam dos homens apenas pela sua imortalidade. Não eram superiores moralmente, sofriam dos mesmos problemas e enfrentavam os mesmos dilemas que os homens. Traições e trapaças faziam parte das relações terrena e olímpica.

Por exemplo: Afrodite foi casada à força com Hefesto, por Zeus, incomodado com sua beleza; tiveram Eros, mas sempre pairou uma dúvida sobre a real paternidade do menino; Afrodite também deu à luz um filho de Apolo, Himeneu, nome de onde se originou a palavra hímen; Afrodite também engravidou de Príapo, deus da fertilidade; Afrodite ainda teve tempo para engravidar de Hermes, quando nasceu Hermafrodito (metade homem, metade mulher); por fim, o grande amor de Afrodite era Ares, deus da guerra. Tiveram quatro filhos: Anteros, Harmonia, Fobos e Deimos.

Zeus, deus dos deuses, conseguiu superar Afrodite com sua prolífica descendência. Casado com Hera, irmã de Afrodite, teve filhos com Métis, Têmis, Mnemósine, Leto, Deméter e Eurímone. Essas foram apenas as deusas, pois Zeus ainda se relacionou com inúmeros ninfas, 115 mulheres e... Ganímedes, um belo jovem que seduziu o grande deus disfarçando-se de águia.

Embora estejamos a falar de deuses, eles são produto da mente humana, especificamente daqueles humanos que criaram tais mitos. Portanto essa mitologia reflete o comportamento das pessoas envolvidas. Certamente a vida sexual na Grécia antiga era bem liberal.

As mulheres atenienses (a maior parte dos relatos é sobre ela) viviam até seus quinze anos com os pais. Em seguida, era casada com alguém cujos pais considerassem um bom pretendente. Por sua vez, os homens somente se casavam após os trinta anos. Entre os quinze e os 30 anos, os homens curtiam a vida solteira.

A prostituição não era endeusada, mas também não era uma vergonha ser visto de vez em quando saindo da casa de uma cortesã. Sólon, quando governante, chegou mesmo a estatizar a profissão de prostituta. Ele queria organizar os serviços, de modo a manter o alto número de homens solteiros vivendo uma vida sexual ativa. Afinal, muitos homens privados de sexo levam ao aumento da violência. Solón adquiriu uma grande quantidade de prostitutas e espalhou bordéis por toda a Atenas, cobrando um preço fixo e acessível às pessoas. As mulheres ficavam nuas, para que o cliente pudesse escolher a que lhe aprouvesse.

Aos bordéis estatais ainda se somavam as centenas de outros, privados, espacialmente localizados na região portuária de Pireu. Nestes últimos trabalhavam as escravas sexuais, em geral estrangeiras, conhecidas como “pornê” – origem da palavra pornô. As pornoi – plural de pornê – podiam ser alugadas por um dia, uma semana, um ano... poderiam ser alugadas em sistema de pool, por mais de um homem, por exemplo...

Os gregos contavam ainda com as “mousourgoi”, espécie de animadoras de festas e reuniões de homens. Também estrangeiras (portanto não poderiam casar com gregos), tocavam oboé, harpa, cítara, cantavam, dançavam sensualmente e, eventualmente, no final dos encontros, ocorria sexo.

Uma fonte de renda bastante razoável era abrir escolas de treinamento de mousourgoi. Aprender a tocar cítara era tarefa para anos de estudos.

Existiam ainda as “hetairai”, ou companheiras. Mulheres gregas, pertencentes à mesma classe social das demais gregas, as hetairai eram mulheres que se rebelavam contra o sistema: não aceitavam o claustro da família ou do casamento. Faziam tudo aquilo que era vedado às mulheres: sentavam-se à mesa com homens, muitas eram tão cultas quanto os homens mais bem instruídos – e chegavam a atingir notoriedade social. Targélia foi acusada de ser espiã do imperador persa Ciro; Taís de Atenas foi amante de Alexandre, o Grande, e acusada de incendiar Persépolis, histórica capital persa; Aspásia foi cortesã de Péricles, um dos maiores estadistas gregos, e amiga de Sócrates.  

A promiscuidade se fazia sempre presente nas comemorações a Dionísio. Em procissão solene, cantava-se, dançava-se de maneira descontrolada. Carregavam-se ânforas enormes cheias de vinho e esculturas de pênis, ornamentado com fitas. No segundo dia de festas, rapazes nus tentavam ficar de pé em um saco cheio de cascas de uvas misturadas com óleo. Os tombos em posições sensuais faziam dessa brincadeira uma espécie de “Banheira do Gugu” só para os rapazes...

Outra festa muito concorrida em Atenas era a Grande Dionísia. Após um régio banquete, seguia-se uma procissão, em que pessoas fantasiadas de ninfas, bacantes e sátiros dançavam conspicuamente. Diversas brincadeiras sexuais eram realizadas.

Ao longo do ano ocorriam diversos festivais bacantes. O final do inverno era acompanhado por procissões com mais esculturas fálicas, rapazes nus, dançando bêbados de vinho. Em Esparta, ocorria a Gymnopedia – festival em que rapazes nus dançavam e faziam exercícios físicos.

As artes eróticas gregas e romanas levaram à criação de ícones afrodisíacos, especialmente em cerâmica. Vasos contendo gravuras de orgias com número abundante de participantes. Desenhos mostrando cenas de masturbação, carícias anais entre homens, sexo anal, escravas sexuais em serviço... Tudo isso tinha o mesmo status de cenas de banquetes. Detalhes artísticos eram apreciados, as estátuas deviam mostrar o corpo bem delineado de jovens atléticos. E tudo isso era tão apreciado quanto os próprios corpos nus em competições esportivas.

Por outro lado, a sexualidade na órbita feminina vivia sob outras regras. Afrodite era uma deusa com várias faces. Havia a Afrodite Vulgar, que inspirava o amor comum e a prostituição. Havia também a Afrodite Celeste, inspiradora do amor espiritual, puro e nobre.

Platão foi um dos pensadores que procuraram delinear e ilustrar o que seria exatamente essa divisão entre prazeres superiores e inferiores. Dessa oposição surgiu a luxúria, no mundo cristão.

Para Platão, o homem era a união entre um corpo (matéria) e uma alma (espírito), que habitava o mundo das idéias presa a um corpo. Ao homem, era essencial desapegar-se das ilusões trazidas pelos sentidos e descobrir a verdade do mundo das idéias.

Platão dividia a alma em três partes: a “alma concupiscente” e a “alma colérica”, ambas mortais; e a “alma racional”, esta imortal. É ela quem controla a concupiscência e a cólera. É a sede do pensamento e habita em nosso cérebro.

Para Platão, o homem virtuoso não se deixa governar pelas paixões, pois sua alma racional controla a outras duas almas, ligadas às emoções e desejos. Este era o conceito do homem temperante.
O mesmo ocorria no campo do amor. O amor vulgar deveria ser evitado e o amor celeste deveria ser buscado. E o caminho para tanto passava pela pederastia.

Segundo a filosofia platônica, o amor entre um homem e uma mulher é de inspiração da deusa Afrodite Vulgar. Era ela quem levava os homens a estuprar escravas ou buscar cortesãs e prostitutas. Já a Afrodite Celeste inspirava o amor racional, puro, sublime, constante e fiel... Numa sociedade bastante misógina, que não reconhecia racionalidade nas mulheres, isso significava que o amor “de alma” nunca poderia surgir com uma mulher: somente ocorreria entre homens. Como havia estratos sociais na Grécia antiga, tais homens deveriam pertencer à mesma classe social.

Mas não era permitido a um homem ateniense subjugar outro cidadão como ele. A diferença necessária para criar uma superioridade entre os parceiros surgia da diferença de idade. O mais velho, contando vinte e poucos anos, era chamado de “erastes”. Seu iniciado era chamado de “eromenos”, em geral menor de idade, por volta dos 16 anos. O sinal de que a vitalidade desejada se encontrava presente eram os primeiros fios de barba surgindo no rosto.

Mas a imagem de pedofilia deve ser melhor analisada. Em geral, não se representavam ou falavam de sexo entre homens, no sentido físico da penetração. Em geral, os encontros entre erastes e eromenos eram pontuados por trocas de idéias, reflexões acerca da política ou da aplicação da justiça, discutiam sobre a cidade. Não se exigiam as mesmas práticas do relacionamento entre homem e mulher, afinal este era o relacionamento inferior, segundo os gregos.

O objetivo era criar um cidadão melhor, virtuoso. Aliás, de modo geral, a homossexualidade era indesejada. Não há registros claros de relacionamentos homossexuais estáveis e todo ateniense deveria ser casado com uma mulher.

O objetivo do “amor celeste” era a complacência entre guerreiros, a celebração da beleza física, o desejo de educar e proteger e a honra de ter sido iniciado por um homem experiente e respeitado. Após a mistura de sentimentos inicial, que carregava a atração física consigo, deveria restar apenas a profunda amizade entre iniciado e iniciador.

O relacionamento celeste tinha um local para se iniciar: o gymnasion, onde jovens (ephebi) passavam o dia a se exercitar nus (que se escreve gymnos, em grego. Ginásio era um local para se ficar pelado).
Nas laterais dos ginásios ficavam os banhos e salões, ocupados por filósofos, oradores, poetas e outros, em busca de seus eromenos. Era o lócus do “corpo são, mente sã”. Feminino, ali, eram permitidas apenas as imagens esculpidas em mármore.

O deus mais respeitado ali era Eros.

Após os exercícios físicos, os jovens gregos iam exercitar seu intelecto na companhia de seus protetores. Assim surgiram os melhores atletas gregos em Olimpíadas. E assim também surgiram muitos dos melhores filósofos: Aristóteles palestrava caminhando pelo gymnasion.

Uma extensão do gymnasion era o “andron”, cômodo da casa onde homens se reuniam para conversar e beber. Essas reuniões de aristocratas recebia o nome de “symposion”. Tais encontros se iniciavam com petiscos depois vinha o vinho. Os homens se sentavam em divãs reclinados, de dois lugares. O vinho era servido em bacias, trazidas por escravos e escravas, escolhidos pelo critério da beleza.

Lá se discutiam assuntos políticos, filosóficos, declamavam-se poemas, comentavam-se resultados de competições esportivas e se entretiam com jogos e brincadeiras. Mulheres poderiam tomar parte, desde que “respeitáveis”. Apenas hetairai poderiam participar das conversas. Musicistas, dançarinas e dançarinos, em geral, participavam dos encontros.

Mas os convidados mais aguardados eram mesmo os eromenos, vindos em companhia de seus erastes. Não se sentia vergonha de elogiar a beleza dos rapazes mais atraentes.

Tais regras e reservas transformaram o que seria pura e simplesmente pederastia no mais acabado exemplo de amor “platônico” – o amor entre erastes e eromenos -, amor de alma, apenas.

Contudo, como muitos apontam, gravuras em vasos retratam claramente cenas de pederastia deslavada, com direito a beijos, toques, masturbação, ereções, felação, órgãos sexuais entre as coxas e muito mais.  
  
   
Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Luxúria: como ela mudou a história do mundo”


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