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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

DINASTIA BRAGANÇAS – NOVOS TEMPOS, VELHAS HISTÓRIAS


O primeiro reinado de Portugal restaurado, de D. João IV, não teve qualquer passagem mais relevante. Após os 15 anos em que esteve portando a coroa, sua esposa, D. Luísa, a herdeu como regente, haja vista seu filho, Afonso VI, ser muito jovem.

No entanto, mesmo após sua maioridade, por sofrer de deficiência mental, a rainha regente era quem dava as ordens. Afonso VI comia no chão, tinha um gênio insuportável, era freqüentador assíduo das tavernas lisboetas, envolvia-se frequentemente em brigas e chegou mesmo a matar algumas pessoas – sempre impunemente. Foi  forçado a renunciar à coroa e foi exilado em Sintra – após algum tempo, foi exilado nos Açores.

D. Luísa atuou em tempos bastante difíceis. Seu país não tinha exército efetivo e sua marinha estava dizimada desde os tempos da derrota da Invencível Armada. O Tesouro estava esvaziado. A França não só deixou de enviar qualquer ajuda à independência de Portugal, como ainda enviou uma princesa para se casar com o novo rei: primeiro casou-se com D. Afonso; após, com seu irmão e sucessor, D. Pedro II (de Portugal).

Portugal chegou a pedir ajuda à Holanda, que respondeu invadindo e tomando Malaca para si.
Portugal pediu que o Papa reconhecesse a renascida nação, mas a Espanha exerceu tamanha pressão que Urbano VII reconheceu apenas sua condição de província espanhola. Os esforços portugueses para reverter o quadro foram infrutíferos, pois o papa se recusava receber qualquer representante português. Alguns até chegaram a sofrer tentativas de assassinato quando estavam em Roma, por espanhóis.

D. Luísa, entretanto, tinha um trunfo na manga. O padre irlandês Daniel O`Daly, frade dominicano e amigo da rainha, foi nomeado Ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo no qual se tornou um dos maiores diplomatas de seu tempo.

Ele logo percebeu que Portugal deveria primeiro ser reconhecido por uma nação forte, militarmente relevante. A moeda de troca que permitiria essa aliança ser alcançada por meio do matrimônio da filha de D. Luísa, a princesa Catarina de Bragança, somado a um dote de colônias portuguesas.

Daniel tentou primeiro a França. Luís XIV, o Rei-Sol, recusou a proposta. Prometeu, no entanto, que se o recém-empossado Carlos II da Inglaterra casasse com Catarina, a França adquiriria Dunquerque por 370 mil libras, recursos que Portugal usaria para reaparelhar suas defesas.

O`Daly pediu um reforço para se aproximar de Carlos II. Primeiro, chamou de Lisboa o padre Barlow, inventor do relógio de repetição – também conhecido como Le Portuguisier. Este ofereceu uma suas invenções a Carlos, que se impressionou tanto com o aparelho que convidou Barlow a residir na Somerset House, o palácio real.

A Espanha tomou conhecimento do movimento português e ofereceu a Carlos II o dobro do dote oferecido por Portugal, apenas para que se casasse com outra princesa qualquer. Mas a Casa de Habsburg estava claramente falida, o que pôs em dúvida a capacidade do país em saldar tamanha dívida.

O padre Barlow fechou o acordo: o casamento renderia as colônias portuguesas de Tânger e Bombaim e 350 mil libras em dinheiro. Satisfeito, Carlos II ainda ofereceu as áreas da Inglaterra habitadas por celtas para que Portugal recrutasse mercenários nas suas rusgas com a Espanha. Quanto à oferta em dinheiro, Portugal pagou apenas metade, sendo o restante coberto por títulos públicos.

Catarina foi recebida em Londres por uma enorme multidão em Portsmouth. A reação de Carlos ao ver sua prometida pela primeira vez foi bem sincera: “Trouxeram-me um morcego!”

Após o matrimônio na Igreja Anglicana foi necessário chamar um padre para que se realizasse uma cerimônia católica no quarto do casal, condição para que Catarina aceitasse a consumação do ato...
Comunicavam-se em espanhol e os hábitos da rainha logo a fizeram bastante impopular na Corte: espantavam-se com o fato de beijar cada convidado no rosto, o conselho do Dr. Mendes para que Catarina evitasse beber a água do palácio deixou a muitos chateados, ela só comia comida portuguesa feita por seus próprios cozinheiros e insistia em usar as roupas típicas portuguesas.

Carlos II deixou a todos saberem de sua infidelidade com Lady Castlemeyne. Juntos, tiveram seis filhos.
A infidelidade de Carlos e a condição degradante de Catarina na Corte foram o argumento que Portugal esperava para não pagar o restante da dívida com a Inglaterra. Além disso, Tânger consumia mais recursos do que rendia; e a Inglaterra demorou mais de 3 anos para tomar posse de Bombaim.

Apesar de rei e rainha quase não se verem, Catarina engravidou 4 vezes, mas abortou em todas. O divórcio somente não ocorreu para que não se tivesse de devolver os dotes recebidos. Após a morte de Carlos, Catarina retornou a Portugal. É lembrada na Inglaterra ainda hoje por ter introduzido o hábito do chá das 5.
Quando do seu retorno, Catarina testemunhou seu irmão mais velho exilado nos Açores, seu outro irmão, D. Pedro II, casado com a cunhada e portando a coroa, mas o poder efetivo continuava com D. Luísa.

O trabalho do padre O`Daly se mostrou fundamental. As tropas que trouxera da Grã-Bretanha, além do comandante alemão Schomberg, foram suficientes para derrotarem as tropas espanholas em Vila Viçosa. Foi a batalha de Montes Claros, episódio fulcral na história lusitana.

Poucos anos depois, colonos portugueses no Brasil iniciaram uma revolta contra os então governantes, os holandeses. Após expulsarem os batavos, retornaram à órbita portuguesa. Logo passaram a exportar grandes quantidades de tabaco para Lisboa. O imposto sobre o tabaco se tornou a grande fonte de recursos da família Bragança já em 1680, sendo tanto sua exportação quanto sua importação monopólios estatais. A margem de lucro se situava em torno de 20%.

O tabaco se tornou uma febre na Europa. Enquanto comerciantes londrinos abasteciam o norte da Europa com o tabaco da Virginia, os portugueses faziam o mesmo com o tabaco do nordeste brasileiro na Espanha, Itália e França. Seu poder inebriante sobre o cérebro fascinava.

Mas o modo mais famoso de consumi-lo não era fumando, mas cheirando: era o rapé. O tabaco em pó era apertado entre os dedos e aspirado. A mucosa nasal permeável permitia que a nicotina fosse absorvida rapidamente. A agitação provocada pela nova droga levava pessoas a cometerem pequenos crimes para conseguirem dinheiro para o vício. Juízes de Évora pediram que fosse feito algo para conter a explosão de consumo de tabaco. Mas era um apelo infrutífero, haja vista ser essa a principal fonte de recursos da nobreza e da monarquia.

O medo de perder a nova galinha dos ovos de ouro levou à criação de leis penais contra quem comercializasse ou produzisse tabaco por conta própria: tudo isso era monopólio estatal. Em 1676, a polícia invadiu o Mosteiro de São Bento e confiscou maquinas de moagem, peneiras e sacos de rapé que pertenciam aos padres. O abade foi deportado de Portugal em represália.

Convento de Santa Ana, a polícia descobriu que as freiras produziam e vendiam grandes quantidades de tabaco (120 quilos por dia), produzidos por elas mesmas.

O vício do tabaco levava Goa a exportar dez sacos de diamantes por ano para pagar a importação da droga. O tabaco de má qualidade era marinado em melaço e transformado em tabaco de mascar – em geral, o exportavam para a África em troca de escravos, que iam para o Brasil plantar mais tabaco...
Mas o tabaco foi apenas um dos produtos brasileiros que ajudaram a verter enormes fortunas à família Bragança. Ao lado deste estavam: açúcar, peles, ervas medicinais, diamantes e pau-brasil. A prata contrabandeada da América espanhola saia pela América portuguesa e ia direto para os cofres ingleses, onde se acumulava e permitia o comércio com o Oriente, sempre sedento por prata. Essa moeda ajudou a erguer o Império inglês.

Em 1694, Bartolomeu Bueno de Siqueira descobriu ouro numa colina ao redor de São Paulo. Homem rico, recrutou índios para buscarem mais num riacho. Voltaram com ouro em pó, que chamou a atenção de alguns e deu início a um movimento migratório espetacular em direção à região das Minas Gerais.
A mata foi revirada, todos os rios se tornaram garimpos, pessoas endividadas eram escravizadas, acampamentos se tornaram cidades enormes. Mas a maioria achou o ouro que procurava.

Mas muitas fortunas surgiram de atividades paralelas. Conduzindo seus gados e transportando mercadorias por carroças, vendiam seus produtos por 10 ou 15 vezes seu valor regular. O crime crescia sem parar, muitos morriam caminho do Serviço de Ensaios, que adquiria a produção individual. As rusgas entre os portugueses-brasileiros e os novos portugueses que deixavam Lisboa escalava. Os índios, até então relativamente protegidos, foram caçados e empurrados em minas que exigiam um esforço sobre-humano para explorar. Morriam aos montes. Mesmo o monarca não conseguiu mais mantê-los a salvo da sanha enlouquecida.

Conforme os índios morriam, mais escravos eram trazidos da África. A quantidade de ouro desviado aumentava com o imposto escorchante de 26% da produção.

Os Bragança enriqueciam a olhos vistos. Por volta de 1720, os rendimentos de D. João V equivaliam a mais de 30 vezes o que faturava o rei da Inglaterra. A dinastia que tempos antes suou para conseguir casar Catarina, agora era respeitada e desejada para contrair casamentos. A princesa Maria Ana, austríaca, casou-se com D. João V.

A cada data importante, erguiam-se em Lisboa pavilhões, teatros, arcos de triunfo, pontes e espetáculos eram realizados. O arcebispo de Lisboa foi nomeado patriarca da igreja católica, privilégio para poucos.
D. João V também tratou de arrumar uma amante para si: a madre Paula da Silva. Abadessa de Odivelas. Tiveram um filho, que D. João fez questão de reconhecer. Doces como papo-de-anjo, toucinho-do-céu e barriga-de-freira foram inventados para a comemoração de seu nascimento.

Domenico Scarlatti, diretor musical da Basílica de São Pedro foi convidado para comandar, ao lado dos melhores solistas e coristas, a Capela Real, em Lisboa. Construiu-se a Casa da Ópera e o Aqueduto das Águas Livres. A Capela de São João Batista foi construída na Itália, com lápis-lazúli e foi abençoada pelo papa. Ao lado dessas estão o palácio de Mafra, com o corredor mais comprido dentre todos os palácios, incluindo Versalhes. Sua capela com seis órgãos era considerada de acústica perfeita. Sua biblioteca era notável.

Este palácio foi o último local usado pela família real em 1910, quando da proclamação da República.
Outra conseqüência da riqueza incomensurável amealhada pelos Bragança foi a não convocação das Cortes (espécie de Parlamento) por 120 anos, situação parecida com a da França pré-Revolução.

      
Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “A primeira aldeia global”


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