O primeiro reinado de Portugal restaurado, de D. João IV,
não teve qualquer passagem mais relevante. Após os 15 anos em que esteve
portando a coroa, sua esposa, D. Luísa, a herdeu como regente, haja vista seu
filho, Afonso VI, ser muito jovem.
No entanto, mesmo após sua maioridade, por sofrer de
deficiência mental, a rainha regente era quem dava as ordens. Afonso VI comia
no chão, tinha um gênio insuportável, era freqüentador assíduo das tavernas
lisboetas, envolvia-se frequentemente em brigas e chegou mesmo a matar algumas
pessoas – sempre impunemente. Foi forçado
a renunciar à coroa e foi exilado em Sintra – após algum tempo, foi exilado nos
Açores.
D. Luísa atuou em tempos bastante difíceis. Seu país não
tinha exército efetivo e sua marinha estava dizimada desde os tempos da derrota
da Invencível Armada. O Tesouro estava esvaziado. A França não só deixou de
enviar qualquer ajuda à independência de Portugal, como ainda enviou uma
princesa para se casar com o novo rei: primeiro casou-se com D. Afonso; após,
com seu irmão e sucessor, D. Pedro II (de Portugal).
Portugal chegou a pedir ajuda à Holanda, que respondeu
invadindo e tomando Malaca para si.
Portugal pediu que o Papa reconhecesse a renascida nação,
mas a Espanha exerceu tamanha pressão que Urbano VII reconheceu apenas sua
condição de província espanhola. Os esforços portugueses para reverter o quadro
foram infrutíferos, pois o papa se recusava receber qualquer representante
português. Alguns até chegaram a sofrer tentativas de assassinato quando
estavam em Roma, por espanhóis.
D. Luísa, entretanto, tinha um trunfo na manga. O padre
irlandês Daniel O`Daly, frade dominicano e amigo da rainha, foi nomeado
Ministro dos Negócios Estrangeiros, cargo no qual se tornou um dos maiores
diplomatas de seu tempo.
Ele logo percebeu que Portugal deveria primeiro ser
reconhecido por uma nação forte, militarmente relevante. A moeda de troca que
permitiria essa aliança ser alcançada por meio do matrimônio da filha de D.
Luísa, a princesa Catarina de Bragança, somado a um dote de colônias
portuguesas.
Daniel tentou primeiro a França. Luís XIV, o Rei-Sol,
recusou a proposta. Prometeu, no entanto, que se o recém-empossado Carlos II da
Inglaterra casasse com Catarina, a França adquiriria Dunquerque por 370 mil
libras, recursos que Portugal usaria para reaparelhar suas defesas.
O`Daly pediu um reforço para se aproximar de Carlos II.
Primeiro, chamou de Lisboa o padre Barlow, inventor do relógio de repetição –
também conhecido como Le Portuguisier. Este ofereceu uma suas invenções a
Carlos, que se impressionou tanto com o aparelho que convidou Barlow a residir
na Somerset House, o palácio real.
A Espanha tomou conhecimento do movimento português e
ofereceu a Carlos II o dobro do dote oferecido por Portugal, apenas para que se
casasse com outra princesa qualquer. Mas a Casa de Habsburg estava claramente
falida, o que pôs em dúvida a capacidade do país em saldar tamanha dívida.
O padre Barlow fechou o acordo: o casamento renderia as
colônias portuguesas de Tânger e Bombaim e 350 mil libras em dinheiro. Satisfeito,
Carlos II ainda ofereceu as áreas da Inglaterra habitadas por celtas para que
Portugal recrutasse mercenários nas suas rusgas com a Espanha. Quanto à oferta
em dinheiro, Portugal pagou apenas metade, sendo o restante coberto por títulos
públicos.
Catarina foi recebida em Londres por uma enorme multidão em
Portsmouth. A reação de Carlos ao ver sua prometida pela primeira vez foi bem
sincera: “Trouxeram-me um morcego!”
Após o matrimônio na Igreja Anglicana foi necessário chamar
um padre para que se realizasse uma cerimônia católica no quarto do casal,
condição para que Catarina aceitasse a consumação do ato...
Comunicavam-se em espanhol e os hábitos da rainha logo a
fizeram bastante impopular na Corte: espantavam-se com o fato de beijar cada
convidado no rosto, o conselho do Dr. Mendes para que Catarina evitasse beber a
água do palácio deixou a muitos chateados, ela só comia comida portuguesa feita
por seus próprios cozinheiros e insistia em usar as roupas típicas portuguesas.
Carlos II deixou a todos saberem de sua infidelidade com
Lady Castlemeyne. Juntos, tiveram seis filhos.
A infidelidade de Carlos e a condição degradante de Catarina
na Corte foram o argumento que Portugal esperava para não pagar o restante da
dívida com a Inglaterra. Além disso, Tânger consumia mais recursos do que
rendia; e a Inglaterra demorou mais de 3 anos para tomar posse de Bombaim.
Apesar de rei e rainha quase não se verem, Catarina engravidou
4 vezes, mas abortou em todas. O divórcio somente não ocorreu para que não se
tivesse de devolver os dotes recebidos. Após a morte de Carlos, Catarina
retornou a Portugal. É lembrada na Inglaterra ainda hoje por ter introduzido o
hábito do chá das 5.
Quando do seu retorno, Catarina testemunhou seu irmão mais
velho exilado nos Açores, seu outro irmão, D. Pedro II, casado com a cunhada e
portando a coroa, mas o poder efetivo continuava com D. Luísa.
O trabalho do padre O`Daly se mostrou fundamental. As tropas
que trouxera da Grã-Bretanha, além do comandante alemão Schomberg, foram
suficientes para derrotarem as tropas espanholas em Vila Viçosa. Foi a batalha
de Montes Claros, episódio fulcral na história lusitana.
Poucos anos depois, colonos portugueses no Brasil iniciaram
uma revolta contra os então governantes, os holandeses. Após expulsarem os
batavos, retornaram à órbita portuguesa. Logo passaram a exportar grandes
quantidades de tabaco para Lisboa. O imposto sobre o tabaco se tornou a grande
fonte de recursos da família Bragança já em 1680, sendo tanto sua exportação
quanto sua importação monopólios estatais. A margem de lucro se situava em
torno de 20%.
O tabaco se tornou uma febre na Europa. Enquanto
comerciantes londrinos abasteciam o norte da Europa com o tabaco da Virginia,
os portugueses faziam o mesmo com o tabaco do nordeste brasileiro na Espanha,
Itália e França. Seu poder inebriante sobre o cérebro fascinava.
Mas o modo mais famoso de consumi-lo não era fumando, mas
cheirando: era o rapé. O tabaco em pó era apertado entre os dedos e aspirado. A
mucosa nasal permeável permitia que a nicotina fosse absorvida rapidamente. A
agitação provocada pela nova droga levava pessoas a cometerem pequenos crimes
para conseguirem dinheiro para o vício. Juízes de Évora pediram que fosse feito
algo para conter a explosão de consumo de tabaco. Mas era um apelo infrutífero,
haja vista ser essa a principal fonte de recursos da nobreza e da monarquia.
O medo de perder a nova galinha dos ovos de ouro levou à
criação de leis penais contra quem comercializasse ou produzisse tabaco por
conta própria: tudo isso era monopólio estatal. Em 1676, a polícia invadiu o
Mosteiro de São Bento e confiscou maquinas de moagem, peneiras e sacos de rapé
que pertenciam aos padres. O abade foi deportado de Portugal em represália.
Convento de Santa Ana, a polícia descobriu que as freiras
produziam e vendiam grandes quantidades de tabaco (120 quilos por dia),
produzidos por elas mesmas.
O vício do tabaco levava Goa a exportar dez sacos de diamantes
por ano para pagar a importação da droga. O tabaco de má qualidade era marinado
em melaço e transformado em tabaco de mascar – em geral, o exportavam para a
África em troca de escravos, que iam para o Brasil plantar mais tabaco...
Mas o tabaco foi apenas um dos produtos brasileiros que
ajudaram a verter enormes fortunas à família Bragança. Ao lado deste estavam:
açúcar, peles, ervas medicinais, diamantes e pau-brasil. A prata contrabandeada
da América espanhola saia pela América portuguesa e ia direto para os cofres
ingleses, onde se acumulava e permitia o comércio com o Oriente, sempre sedento
por prata. Essa moeda ajudou a erguer o Império inglês.
Em 1694, Bartolomeu Bueno de Siqueira descobriu ouro numa
colina ao redor de São Paulo. Homem rico, recrutou índios para buscarem mais
num riacho. Voltaram com ouro em pó, que chamou a atenção de alguns e deu
início a um movimento migratório espetacular em direção à região das Minas
Gerais.
A mata foi revirada, todos os rios se tornaram garimpos,
pessoas endividadas eram escravizadas, acampamentos se tornaram cidades enormes.
Mas a maioria achou o ouro que procurava.
Mas muitas fortunas surgiram de atividades paralelas.
Conduzindo seus gados e transportando mercadorias por carroças, vendiam seus
produtos por 10 ou 15 vezes seu valor regular. O crime crescia sem parar,
muitos morriam caminho do Serviço de Ensaios, que adquiria a produção individual.
As rusgas entre os portugueses-brasileiros e os novos portugueses que deixavam
Lisboa escalava. Os índios, até então relativamente protegidos, foram caçados e
empurrados em minas que exigiam um esforço sobre-humano para explorar. Morriam
aos montes. Mesmo o monarca não conseguiu mais mantê-los a salvo da sanha
enlouquecida.
Conforme os índios morriam, mais escravos eram trazidos da
África. A quantidade de ouro desviado aumentava com o imposto escorchante de
26% da produção.
Os Bragança enriqueciam a olhos vistos. Por volta de 1720,
os rendimentos de D. João V equivaliam a mais de 30 vezes o que faturava o rei
da Inglaterra. A dinastia que tempos antes suou para conseguir casar Catarina,
agora era respeitada e desejada para contrair casamentos. A princesa Maria Ana,
austríaca, casou-se com D. João V.
A cada data importante, erguiam-se em Lisboa pavilhões,
teatros, arcos de triunfo, pontes e espetáculos eram realizados. O arcebispo de
Lisboa foi nomeado patriarca da igreja católica, privilégio para poucos.
D. João V também tratou de arrumar uma amante para si: a
madre Paula da Silva. Abadessa de Odivelas. Tiveram um filho, que D. João fez
questão de reconhecer. Doces como papo-de-anjo, toucinho-do-céu e
barriga-de-freira foram inventados para a comemoração de seu nascimento.
Domenico Scarlatti, diretor musical da Basílica de São Pedro
foi convidado para comandar, ao lado dos melhores solistas e coristas, a Capela
Real, em Lisboa. Construiu-se a Casa da Ópera e o Aqueduto das Águas Livres. A
Capela de São João Batista foi construída na Itália, com lápis-lazúli e foi
abençoada pelo papa. Ao lado dessas estão o palácio de Mafra, com o corredor
mais comprido dentre todos os palácios, incluindo Versalhes. Sua capela com
seis órgãos era considerada de acústica perfeita. Sua biblioteca era notável.
Este palácio foi o último local usado pela família real em
1910, quando da proclamação da República.
Outra conseqüência da riqueza incomensurável amealhada pelos
Bragança foi a não convocação das Cortes (espécie de Parlamento) por 120 anos,
situação parecida com a da França pré-Revolução.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “A primeira aldeia global”
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