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quarta-feira, 31 de maio de 2017

VILLEGAGNON E O SONHO DA FRANÇA NAS AMÉRICAS – PARTE 2


(Continuação)

O Brasil, mais especificamente a região que conhecemos como Brasil, era comentado em França desde muitos anos antes de Villegagnon.

Em 1488, Jean Cousin teria descoberto a foz do rio amazonas. Poucos anos mais tarde, Jean Ango levou para seu país madeiras, frutos tropicais e alguns índios.

O próprio Villegagnon esteve no Brasil, em Cabo Frio, em 1554. Além de levantar informações sobre as defesas portuguesas, inclusive sobre o péssimo relacionamento entre portugueses e tamoios, levou vários índios tupinambás e tabajaras para a França. Tais índios encenaram festas e torneios em Rouen, em 1550, em homenagem a Henrique II.

Em 1554, o rei se decidiu por patrocinar uma frota em direção ao Brasil. A participação estatal era pequena, mas armadores de Dieppe resolveram investir na expedição.

Para recrutar seus homens, Villegagnon empreendeu um tour pelas prisões francesas, prometendo a libertação caso se juntassem. Recrutou cerca de 600 pessoas, o que conformava uma grande expedição, para os padrões daquela época.

O contato em terra seria realizado por meio de um índio tabajara, casado com uma francesa, levado com a função de intérprete. Chegaram a Búzios em 14 de agosto de 1555.

Adentrando na Baía da Guanabara, escolheram uma ilhota onde construíram uma fortificação. Batizaram-na Forte Coligny. Essa ilha foi batizada pelos portugueses como Villegagnon.

Enquanto cuidava de achar fontes confiáveis de água doce, mandou erguer uma povoação no continente, batizada de Henryville. Localizava-se entre o morro da Glória e a praia do Flamengo.

Uma das medidas tomada pelo comandante francês foi criar alianças com os índios tupinambás. Tornou-se inclusive amigo pessoal do cacique Cunhambebe.

Detalhes da povoação francesa podem ser vistos nos mapas de André Thevet, de 1556.
Também em 1556 prepararam-se plantações de mandioca, legumes e hortaliças, fertilizadas com algas marinhas, como se fazia no Mediterrâneo. Os produtos brasileiros eram disputadíssimos nas feiras francesas.
Em 1557, o rei francês decretou taxação de 20 “sous” por tonelada sobre os navios que partiam de Henryville carregados de mercadorias.

Além dos problemas financeiros causados pela ausência de investimentos relevantes da coroa na nova colônia, Villegagnon sofreu com o comportamento repreensível dos soldados em relação às índias locais. Villegagnon exigia que eles se casassem com as índias para poderem balizar o relacionamento. Surgiu assim a primeira rebelião.

Ao mesmo tempo, surgiam na França os primeiros impasses decorrentes de disputas religiosas. Coligny resolveu tornar a França Antártica um refúgio para os protestantes calvinistas. A primeira leva aportou no Rio em 1557.

Villegagnon desejava cultivar com eles um bom relacionamento. Instituiu na França Antártica a liberdade de culto, mas ainda assim enfrentou muitos problemas.

Inicialmente, os protestantes se mostraram inábeis na catequização dos índios. Mais que isso: tentaram converter Villegagnon. Não demoraram a surgir rusgas entre o comandante e os protestantes.

As rusgas se mantiveram na Europa, quando alguns pastores retornaram para casa, insatisfeitos com o período em Henryville. Calvino passou a se referir a Villegagnon como o “Caim da América”.

De qualquer forma, Henrique II se preocupou com os boatos espalhados pelos protestantes e chamou seu comandante para fornecer algumas explicações. Villegagnon embarcou para a França em maio de 1559, numa nau rodeado por pau-brasil, jacarandá, acaju, plantas medicinais, animais e 50 índios tupinambás. Escreveu até um dicionário francês-tupi.

O ambiente na França estava de ponta-cabeça. Henrique II falecera. Coligny, o primeiro-ministro, era agora seu inimigo declarado. Foi salvo por Maria Stuart, agora esposa do novo rei, Francisco II. Ela não esquecera o feito heróico dos tempos da Escócia.

Quanto aos índios transportados na nau do comandante, dois concluíram estudos universitários e se tornaram funcionários da Coroa. Outro dos índios se tornou responsável pelos jardins de Fontainebleu.
Portugal não estava alheio às movimentações francesas na costa fluminense. Quando soube do retorno de Villegagnon à França, o governador-geral Mem de Sá percebeu que era a hora ideal para um contra-ataque.

O Reino era governado pela rainha regente Dª Catarina – D. Sebastião era ainda uma criança. Convencida por Mem de Sá, Catarina mandou preparar a frota. Em novembro de 1559, aportavam na Bahia. Tratavam-se de 26 navios, artilharia pesada, munição quase ilimitada e mais de 2 mil homens, sob o comando de Bartolomeu Vasconcelos da Cunha.

Em 21 de janeiro de 1560 tentaram um ataque surpresa contra a ilhota fortificada francesa na Guanabara. Perceberam então, atônitos, que a construção francesa era quase inexpugnável. Vinte e um navios atirando línguas de fogo incessantemente não foram suficientes para derrotar o inimigo.

Mem de Sá então declinou do plano de bombardear até vencer. Resolveu desembarcar seus homens e tomar Henryville à mão. A cidadela foi destruída e seus habitantes – franceses e índios -, mortos. Os franceses remanescentes no forte o abandonaram e se embrenharam pelas matas.

A artilharia francesa foi transportada a Lisboa e lá exibida como troféu. Ainda hoje está à mostra num museu.

Informado sobre o triste fim do seu empreendimento (Villegagnon investiu uma fortuna do próprio bolso no seu sonho tropical), o comandante francês desistiu de tramar um contra-ataque e apresentou ao embaixador de Portugal em Paris um pedido de indenização pelas perdas sofridas. Talvez com o fito de pôr um ponto final naquela história, Portugal acedeu: 3 mil ducados. Villegagnon aceitou e encerrou a aventura tropical.
Franceses remanescentes ainda permaneceram na região, quando Estácio de Sá atacou o lócus e tomou o morro da Glória. Essa batalha vitimou o próprio Estácio.

Findo o conflito, quatro naus levaram embora quase todos os soldados franceses. Os últimos, que optaram por viver entre os tupinambás, só deixaram o Brasil em 1603.

No ano de 2000, historiadores e jornalistas brasileiros, em visita ao governador da época, Antony Garotinho, solicitou permissão para colocar um busto de Villegagnon na praia do Flamengo, em frente ao rio Carioca, local onde se situava Henryville. O governador negou a a utorização, pois homenageava um homem que matou um monte de calvinistas.

Dez anos depois, evangélicos cariocas propuseram a troca do nome da ilha de Villegagnon para ilha de Tamandaré. Após consulta pela Câmara Municipal ao Ministério da Marinha, esta se opôs à absurda e descabida proposta.        


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Histórias Depois da Glória: Ensaios sobre personalidades e episódios controversos da história do Brasil”     

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