(Continuação)
O Brasil, mais especificamente a região que conhecemos como
Brasil, era comentado em França desde muitos anos antes de Villegagnon.
Em 1488, Jean Cousin teria descoberto a foz do rio amazonas.
Poucos anos mais tarde, Jean Ango levou para seu país madeiras, frutos
tropicais e alguns índios.
O próprio Villegagnon esteve no Brasil, em Cabo Frio, em
1554. Além de levantar informações sobre as defesas portuguesas, inclusive
sobre o péssimo relacionamento entre portugueses e tamoios, levou vários índios
tupinambás e tabajaras para a França. Tais índios encenaram festas e torneios
em Rouen, em 1550, em homenagem a Henrique II.
Em 1554, o rei se decidiu por patrocinar uma frota em
direção ao Brasil. A participação estatal era pequena, mas armadores de Dieppe
resolveram investir na expedição.
Para recrutar seus homens, Villegagnon empreendeu um tour
pelas prisões francesas, prometendo a libertação caso se juntassem. Recrutou
cerca de 600 pessoas, o que conformava uma grande expedição, para os padrões
daquela época.
O contato em terra seria realizado por meio de um índio
tabajara, casado com uma francesa, levado com a função de intérprete. Chegaram
a Búzios em 14 de agosto de 1555.
Adentrando na Baía da Guanabara, escolheram uma ilhota onde
construíram uma fortificação. Batizaram-na Forte Coligny. Essa ilha foi
batizada pelos portugueses como Villegagnon.
Enquanto cuidava de achar fontes confiáveis de água doce,
mandou erguer uma povoação no continente, batizada de Henryville. Localizava-se
entre o morro da Glória e a praia do Flamengo.
Uma das medidas tomada pelo comandante francês foi criar
alianças com os índios tupinambás. Tornou-se inclusive amigo pessoal do cacique
Cunhambebe.
Detalhes da povoação francesa podem ser vistos nos mapas de
André Thevet, de 1556.
Também em 1556 prepararam-se plantações de mandioca, legumes
e hortaliças, fertilizadas com algas marinhas, como se fazia no Mediterrâneo. Os
produtos brasileiros eram disputadíssimos nas feiras francesas.
Em 1557, o rei francês decretou taxação de 20 “sous” por
tonelada sobre os navios que partiam de Henryville carregados de mercadorias.
Além dos problemas financeiros causados pela ausência de
investimentos relevantes da coroa na nova colônia, Villegagnon sofreu com o
comportamento repreensível dos soldados em relação às índias locais.
Villegagnon exigia que eles se casassem com as índias para poderem balizar o relacionamento.
Surgiu assim a primeira rebelião.
Ao mesmo tempo, surgiam na França os primeiros impasses
decorrentes de disputas religiosas. Coligny resolveu tornar a França Antártica
um refúgio para os protestantes calvinistas. A primeira leva aportou no Rio em
1557.
Villegagnon desejava cultivar com eles um bom
relacionamento. Instituiu na França Antártica a liberdade de culto, mas ainda
assim enfrentou muitos problemas.
Inicialmente, os protestantes se mostraram inábeis na
catequização dos índios. Mais que isso: tentaram converter Villegagnon. Não
demoraram a surgir rusgas entre o comandante e os protestantes.
As rusgas se mantiveram na Europa, quando alguns pastores
retornaram para casa, insatisfeitos com o período em Henryville. Calvino passou
a se referir a Villegagnon como o “Caim da América”.
De qualquer forma, Henrique II se preocupou com os boatos
espalhados pelos protestantes e chamou seu comandante para fornecer algumas
explicações. Villegagnon embarcou para a França em maio de 1559, numa nau
rodeado por pau-brasil, jacarandá, acaju, plantas medicinais, animais e 50
índios tupinambás. Escreveu até um dicionário francês-tupi.
O ambiente na França estava de ponta-cabeça. Henrique II
falecera. Coligny, o primeiro-ministro, era agora seu inimigo declarado. Foi
salvo por Maria Stuart, agora esposa do novo rei, Francisco II. Ela não
esquecera o feito heróico dos tempos da Escócia.
Quanto aos índios transportados na nau do comandante, dois
concluíram estudos universitários e se tornaram funcionários da Coroa. Outro
dos índios se tornou responsável pelos jardins de Fontainebleu.
Portugal não estava alheio às movimentações francesas na
costa fluminense. Quando soube do retorno de Villegagnon à França, o
governador-geral Mem de Sá percebeu que era a hora ideal para um contra-ataque.
O Reino era governado pela rainha regente Dª Catarina – D.
Sebastião era ainda uma criança. Convencida por Mem de Sá, Catarina mandou
preparar a frota. Em novembro de 1559, aportavam na Bahia. Tratavam-se de 26
navios, artilharia pesada, munição quase ilimitada e mais de 2 mil homens, sob
o comando de Bartolomeu Vasconcelos da Cunha.
Em 21 de janeiro de 1560 tentaram um ataque surpresa contra
a ilhota fortificada francesa na Guanabara. Perceberam então, atônitos, que a
construção francesa era quase inexpugnável. Vinte e um navios atirando línguas
de fogo incessantemente não foram suficientes para derrotar o inimigo.
Mem de Sá então declinou do plano de bombardear até vencer.
Resolveu desembarcar seus homens e tomar Henryville à mão. A cidadela foi
destruída e seus habitantes – franceses e índios -, mortos. Os franceses
remanescentes no forte o abandonaram e se embrenharam pelas matas.
A artilharia francesa foi transportada a Lisboa e lá exibida
como troféu. Ainda hoje está à mostra num museu.
Informado sobre o triste fim do seu empreendimento
(Villegagnon investiu uma fortuna do próprio bolso no seu sonho tropical), o
comandante francês desistiu de tramar um contra-ataque e apresentou ao
embaixador de Portugal em Paris um pedido de indenização pelas perdas sofridas.
Talvez com o fito de pôr um ponto final naquela história, Portugal acedeu: 3
mil ducados. Villegagnon aceitou e encerrou a aventura tropical.
Franceses remanescentes ainda permaneceram na região, quando
Estácio de Sá atacou o lócus e tomou o morro da Glória. Essa batalha vitimou o
próprio Estácio.
Findo o conflito, quatro naus levaram embora quase todos os soldados
franceses. Os últimos, que optaram por viver entre os tupinambás, só deixaram o
Brasil em 1603.
No ano de 2000, historiadores e jornalistas brasileiros, em
visita ao governador da época, Antony Garotinho, solicitou permissão para
colocar um busto de Villegagnon na praia do Flamengo, em frente ao rio Carioca,
local onde se situava Henryville. O governador negou a a utorização, pois
homenageava um homem que matou um monte de calvinistas.
Dez anos depois, evangélicos cariocas propuseram a troca do
nome da ilha de Villegagnon para ilha de Tamandaré. Após consulta pela Câmara
Municipal ao Ministério da Marinha, esta se opôs à absurda e descabida
proposta.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias Depois da Glória: Ensaios sobre
personalidades e episódios controversos da história do Brasil”
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