(Continuação)
Dizer-se que Pedro Álvares Cabral tenha descoberto o Brasil
é um erro de há muito ressaltado.
Navegadores franceses e espanhóis já haviam
navegado pela foz do rio Amazonas, além de terem percorrido boa parte do
nordeste. Por sua vez, a Portugal interessava esconder a existência de terras
ao sul do Equador, dentro de seu quinhão definido por Tordesilhas.
A missão de relatar minuciosamente aquelas terras coube a
Pero Vaz de Caminha. Pelo menos é o que se depreende ao se ler a missiva do
escrivão. A ansiedade com que aguardava o relato era tamanha, que o comandante
mandou de volta imediatamente uma nau com a carta do escrivão, para informar
logo o Rei acerca das terras incógnitas sob seu domínio, embora a frota de
Cabral já tivesse perdido uma embarcação ainda no início da jornada.
Após sua missão em Terra Brasilis, Cabral e sua frota
apontaram suas proas para o Cabo da Boa Esperança, dando início à mais longa
viagem da história registrada até então sem que se visse terra.
A 24 ou 25 de maio, a frota enfrentou uma tormenta dantesca,
que vitimou quatro embarcações. É o que registra a publicação “O Piloto Anônimo”,
espécie de diário de bordo dessa expedição.
Após contornar o Cabo da Boa Esperança (ou da Tormenta),
mais um acidente. Três embarcações desapareceram, tendo duas delas retornada ao
comboio após algum tempo. A restante foi reencontrada na viagem de retorno a
Portugal. Por isso retornou vazia.
As seis naus chegaram a Melinde, único porto em que não
enfrentaram ataques. O rei local ofereceu grande quantidade de laranja, para
sarar os marinheiros atacados com escorbuto. Em Agediva, Goa, puderam descansar
e reparar suas caravelas. Já estavam ao lado da península indiana.
Cabral e frota aportaram em Calicute a 13 de setembro de
1500. Saudou o Samorim com uma salva de tiros.
No dia seguinte, Cabral autorizou o desembarque dos
indianos, levados a Portugal por Vasco da Gama, em regresso. O desembarque total
dependeu de mais alguns dias de negociação.
Os comerciantes árabes tudo fizeram que pudesse dificultar o
carregamento de especiarias. Cinquenta dos lusitanos trabalharam na construção
de feitorias nos arredores de Calicute, em área cedida pelo Samorim.
A revolta dos árabes dói tamanha que a construção foi
invadida por uma turba que vitimou cerca de cinqüenta portugueses, dentre ele
Pero Vaz de Caminha, além de franciscanos, lá presentes com a intenção de
catequizar povos locais. Vinte conseguiram escapar do ataque.
Por saber quem eram os responsáveis por aquela tragédia,
Cabral mandou incendiar todos os navios árabes no porto e matar todos os
tripulantes.
O comandante também exigiu que o Samorim apresentasse
desculpas e oferecesse compensações dentro de 24 horas. Lembre-se que as
negociações em Calicute já superavam três meses.
Diante da ausência de manifestação do Samorim, ficou claro
ao comandante português que ele estava envolvido no incidente. Em 17 de
dezembro, durante todo o dia, canhões portugueses bombardearam a cidade,
destruindo-a completamente.
Vingança feita, carregaram três naus com especiarias e as
despacharam imediatamente para Portugal. As duas caravelas menores aportariam
em alguma localidade amistosa da Índia, onde seriam carregadas de especiarias
e, posteriormente, retornariam a casa.
Calicute hoje se chama Koshikode, na costa de Malabar. Por
séculos os portugueses teriam sua imagem prejudicada pelos acontecimentos
descritos.
Experiência diversa tiveram os portugueses em Cochim, cidade
inimiga de Calicute. Lá passaram o Natal a carregar suas naus com pimenta,
drogas e gengibre. Estacionaram ainda em Cananor, onde se supriram de canela.
Também foram informados da movimentação do Samorim no sentido de contra-atacar
os portugueses com uma frota de setenta navios. Em 16 de janeiro, Cabral
ordenou o retorno a Portugal.
Ainda durante a viagem de retorno, uma das naus encalhou
próxima a Melinde. Tiveram de queimar a embarcação.
O saldo final foi: mais de mil tripulantes mortos, nenhum
acordo comercial firmado e carregamentos de especiarias muito abaixo do
esperado. Mas houve muito para se comemorar.
O prestígio de Portugal na Europa alcançou a estratosfera.
Os primeiros grandes carregamentos começaram a chegar a Lisboa em 1503. A
política empreendida por Portugal, no sentido de controlar pequenas feitorias,
de maneira a viabilizar um fluxo comercial internacional de grandes proporções,
parecia estar correta.
A presença portuguesa na Índia foi consolidada por Afonso de
Albuquerque (tio da primeira e futura esposa de Cabral). A primeira metade do
século XVI viu Portugal tomar o posto d nação mais rica da Europa. A mesma
política lusitana foi copiada por Holandeses e Ingleses que, no século XVII,
com resultados espetaculares. Somente após, a política colonial de ocupação se
tornou padrão.
A recepção a Cabral em Lisboa foi algo próximo de fria. Um
dos motivos foi o fato de a caravela Annunziata ter desembarcado quase um mês
antes da capitânia. Portanto os lusitanos já sabiam das boas novas. As naus
mais carregadas adentraram o Tejo em 21 de julho de 1501.
Quanto às especiarias, a venda do carregamento pagou as embarcações
perdidas e rendeu lucros equivalentes ao dobro do investimento total. Cabral
recebeu 10 mil ducados, caixas de pimenta, tudo livre de impostos. Deveria
apenas recolher o dízimo ao mosteiro de Belém.
Mas nem tudo isso afastou uma maldita fama que Cabral adquiriu:
“Não é bem afortunado nas coisas do mar”, nas palavras do rei D. Manuel. Essa
imagem era capaz de afundar a carreira de qualquer navegador...
Casou-se Cabral com D. Isabel em 1503, tiveram vários
filhos, dentre eles Fernão Álvares Cabral, futuro embaixador português na França.
Cabral faleceu em sua quinta, em Santarém. Isabel foi
nomeada posteriormente camareira-mor da infanta D. Maria.
Cabral e Isabel foram enterrados no mesmo túmulo, na igreja
de Nossa Senhora da Graça em Santarém.
Curioso foi o destino de Vasco da Gama. Ao regressar de sua
segunda viagem à Índia, um navio de nome Miri, lotado de peregrinos árabes em
direção a Meca afundou. Esse fato teve péssima repercussão na Europa. Vasco
também foi criticado pelo bombardeio a Calicute, também considerado um erro.
Cabral pôde apenas acompanhar esses fatos, de longe,
lamentando sua má sorte no mar...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro
Colonial”
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