A vida de intrépidas aventuras de Nicolau Durand de
Villegagnon começou após completar 21 anos, em 1531, e ser admitido na Ordem de
Malta.
Em 1540, após ser enviado a Veneza, participou de uma missão
estranhíssima. Francisco I, rei católico da França, celebrou aliança com
Suleiman, rei turco muçulmano, para se defender de Carlos V, sacro imperador
romano-germânico e católico. Villegagnon recebeu uma missão de incentivar
Suleiman a invadir a Áustria, no coração da Europa.
Esse ambiente estava conturbado por causa da posição dúbia
da Igreja, ora apoiando Carlos, ora apoiando Francisco.
Após entregar a Francisco I as plantas das principais
fortalezas do ducado de Milão, que já aparecera no radar de Francisco I como
futuro alvo, Villegagnon caiu nas graças do rei francês.
Villegagnon também foi enviado à Argélia, para acompanhar o desempenho
do exército de Carlos V na Argélia. Essa guerra era importante para a França,
que era atacada por navios árabes, que chegavam a usar o porto de Toulon para
reabastecimento.
Em 1542, retornou a Paris, onde se encontrou com Francisco I
e descreveu sua experiência em Argel.
Com a morte de Francisco, assumiu o trono francês Henrique
II, que também nutria simpatias por Villegagnon. Este novo rei delegou-lhe uma
delicada missão: expulsar os piratas ingleses que tanto atacavam a costa da
Bretanha. Em poucos dias, Villegagnon afundou cinco navios ingleses, pondo fim
à pirataria local.
Outro episódio histórico envolvendo Villegagnon foi o seqüestro
de Maria Stuart. Filha de Jaime V, rei da Escócia, ainda recém-nascida herdara
a coroa do pai. Henrique VIII, rei inglês, logo iniciou tratativas para que a nova
rainha escocesa desposasse seu filho, Eduardo, também infante. Henrique VIII
considerava essa união de coroas fulcral para o futuro da Inglaterra.
O grande problema nessa trama era de fundo religioso: os
escoceses eram católicos, portanto apoiados por França, Espanha e Roma; a Inglaterra
era protestante anglicana, portanto inimiga de todos esses países citados.
A mão de Maria, Maria de Guise, não queria que a filha se
casasse com protestante algum. Escondeu a filha e esperou um posicionamento da
França. A resposta foi surpreendente: Maria deveria se tornar futura rainha da
França, acumulando-a com a coroa francesa. O esposo de Maria seria Francisco,
futuro Francisco II, filho de Henrique II.
Após ter ciência da trama, a marinha inglesa foi posta em ação,
com a missão de não deixar a pequena Maria Stuart sair da Escócia.
Coube à França contra-atacar: Villegagnon foi incumbido de
raptar a futura rainha da França. E o fez com desenvoltura.
Deixou a França com quatro galeras, Seus remadores eram
todos presidiários: foram escolhidos os que pareciam odiar mais os britânicos e
a eles foi prometida a liberdade.
A expedição contava com mais de 6 mil homens. Uma tropa
desembarcou em Leith, mas era apenas um ataque falso, visando atrair a atenção dos
ingleses. A Villegagnon coube contornar a ilha pelo norte e subir a foz do rio
Clyde. Em direção à fortaleza de Dumbarton, onde estava Maria. Despistou soldados
ingleses e retornou pelo mesmo caminho.
Em 13 de agosto de 1548, a pequenina rainha de duas nações
desembarcou em Brest, e encaminhada à companhia de Henrique II, em Paris, sua
futura casa.
Os ingleses foram humilhados por aquele homem de apenas 38
anos. Esses feitos, dentre outras vitórias espetaculares contra a marinha inglesa,
levaram à assinatura de um tratado de paz com a Inglaterra, que devolveu a
cidade de Boulogne à França.
Aos 42 anos, Villegagnon foi nomeado vice-almirante francês
e recebeu a missão de fortificar o porto de Brest. Também usou o novo cargo
para sugerir a conquista da ilha de Córsega, até então genovesa, para que a
França pudesse sonhar dominar o Mediterrâneo no futuro. Vale notar que dessa
ilhota saiu Napoleão, futuro imperador francês.
Ainda em Brest, Villegagnon teve conhecimento sobre a costa
brasileira e suas possibilidades comerciais. Pouco tempo depois, o
vice-almirante estava cumprindo uma missão secreta em terras tupiniquins.
Em 1554, aportava em Cabo Frio, conheceu os índios tamoios,
informou-se sobre os navios de patrulha portugueses, e preparou a futura missão
de colonização francesa.
Essa futura colônia se chamaria França Antártica, mas teve
sua história intensamente prejudicada por causa dos conflitos religiosos que
assolaram a França. Um dos principais personagens envolvidos nesses conflitos
chamava-se Jean Cauvin, o Calvino (ou João Calvino, em português).
Após se mudar para Basiléia, na Suíça, Calvino fundou sua
primeira igreja reformista. Em 1536, transferiu-se para Genebra, também chamada
de Roma protestante.
O ponto explorado por Calvino na sua tese protestante girava
acerca da eucaristia. Ele não acreditava na presença divina nesse rito e deixou
seu ponto explícito no livre Tratado da Ceia.
A partir de 1555, a França se dividiu entre católicos e
huguenotes (cuja maioria era calvinista). O almirante Coligny, espécie de
primeiro-ministro da França, era o porta-voz dos protestantes.
A expedição para o Brasil partiu em 1554, com Villegagnon no
comando. Armadores do porto de Dieppe deram apoio, tendo em vista as
possibilidades comerciais que poderia abrir. O segredo era essencial, para que
não se despertasse a atenção do embaixador português em Paris.
Os curto período de quatro anos de existência da França
Antártica viu a chegada de inúmeros navios mercantes franceses, que despachavam
para a França produtos diversos, especialmente pau-brasil.
Mas Villegagnon via possibilidades de ganhos imediatos por
meio de ataques a galeões espanhóis e portugueses, que regressavam do Extremo
Oriente, carregados de especiarias.
(Continua)
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias Depois da Glória: Ensaios sobre
personalidades e episódios controversos da história do Brasil”
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