Os primeiros jesuítas em solo brasileiro foram fundamentais na
Capitania do Rio de Janeiro. Estiveram envolvidos na expulsão dos franceses e
de seus aliados tupinambás (e inimigos dos portugueses e seus aliados tupi-guaranis)
e da posterior fundação da cidade do Rio de Janeiro, em 1º de março de 1565. OS
documentos oficiais trazem os nomes dos jesuítas Manuel da Nóbrega, Antônio da
Rocha, Antônio Rodrigues, Baltazar Fernandes, Inácio de Azevedo, Luis de Grã, e
o não menos importante José de Anchieta (este, quase santo).
Dois anos depois, a cidade foi transferida do seu marco
inicial, aos pés do Morro da Urca para o local posteriormente conhecido como
Morro do Castelo. A cidade nascia a partir de um colégio de jesuítas, lá
localizado.
Desde então, esses religiosos foram os responsáveis pela
educação religiosa e científica dos jovens moradores da nascente São Sebastião
do Rio de Janeiro. Manuel da Nóbrega foi o primeiro reitor da instituição.
Seguiram-no Fernão Cardin, Simão de Vasconcelos, Jacobo Cócleo, Mateus de Moura
dentre outros destacados intelectuais.
Mas os missionários também viveram atritos com a população
local, o que lhes rendeu inimigos e detratores. Os motivos giravam em torno de
suas atividades econômicas, posicionamentos políticos e pela defesa dos índios.
O patrimônio imobiliário da Ordem (ou Companhia de Jesus) – imensas fazendas,
mais de 60 prédios na cidade do Rio – girava muitos cismas com moradores de
imóveis lindeiros, com vereadores, com a Igreja de Roma e com demais Ordens
(beneditinos, carmelitas e franciscanos).
Governos também viveram rusgas com a Ordem, por desejarem
cobrar tributos sobre a produção agropastoril a cargo dos jesuítas e sobre as mercadorias
transportadas em navios da Ordem.
Exemplo destacado desses conflitos ocorreu no âmbito dos
acordos do Tratado de Madri (1750). Portugal e Espanha firmaram mais este documento,
com o fito de apaziguar as discussões acerca das fronteiras no sul da América
do Sul. O representante enviado por Portugal foi o governador da capitania do
Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade, aliado dos missionários.
O Tratado estabelecia que Portugal devolveria a colônia de
Sacramento para a Espanha, em troca das terras que conformariam as regiões
norte e centro oeste do Brasil. Grande parte das terras ocupadas por missões
jesuítas, ao Sul do Brasil, passava ao domínio espanhol.
Os jesuítas simplesmente se recusaram a acatar o que fora estabelecido.
E mais: declarou a independência do território das missões, estabeleceu um
governo próprio e o denominou de República Guarani. O resultado não poderia ser
outro: foram trucidados por tropas brasileiras e espanholas. O testemunho dos
conflitos descritos encontra-se na região das Sete Missões, no Rio Grande do
Sul.
Em Portugal, após a publicação de um livro escrito pelo padre
Gabriel Malagrida, no qual apontava a devassidão e os pecados da Corte
portuguesa e do próprio Rei como causas do trágico terremoto ocorrido em Lisboa,
em 1755, a relação entre a Coroa e os jesuítas desandou de vez.
A resposta mais imediata da Corte foi destituir o santo
jesuíta São Francisco de Borja do papel de protetor do Reino contra terremotos.
Em seu lugar, foi convocada Nossa Senhora do Patrocínio. Tudo isso com
aprovação do papa.
E os problemas não pararam por aí. Em setembro de 1758, dom
José I foi vítima de um atentado a bacamarte, quando retornava da casa da
amante. O Rei sobreviveu e se seguiu um minucioso inquérito policial. Foram
apontados como autores da trama membros da nobre família do marquês de Távora,
o conde de Atouguia, o conde de Aveiro e diversos jesuítas.
Embora todos os envolvidos fossem executados em praça
pública, dos jesuítas apenas o padre Gabriel Malagrida teve o mesmo fim (foi
queimado vivo).
Além do todo o exposto, rusgas intermináveis entre a Ordem
de Jesus e a Cúria Romana levaram o papa Bento XIV a decretar a reforma da Companhia.
Desejava vê-la novamente seguindo os preceitos da Igreja Católica.
A Corte portuguesa comemorou a decisão, pois dava a
oportunidade perfeita de interferir no seu funcionamento. E assim se procedeu.
O rei dom José I estabeleceu contato com os governadores e bispos de capitanias
para substituir os jesuítas nas vilas e aldeias (missões) que administravam.
Indicaria o rei os padres seculares que as transformariam em “vigarias”.
Os bens imóveis foram confiscados e passaram ao domínio da
Coroa. Os bens móveis foram revertidos para a Igreja secular. Já os bens
semoventes e móveis no interior de residências e fazendas, como escravos,
animais, tachos, caldeiras e outros, deveriam ser seqüestrados “a favor dos
pobres, das enfermarias, dos hospitais e demais aplicações”, declaradas em
bula.
O bispo dom Antônio do Desterro convocou 43 testemunhas, moradores
da cidade do Rio de Janeiro, Campos, Macaé, Itaboraí, Marapicu (atual Nova
Iguaçu) e Cabo Frio. Todos tiveram algum momento alguma relação com os
jesuítas. Todos responderam oito perguntas sobre os jesuítas.
Todas as testemunhas confirmaram os desvios de que os
jesuítas eram acusados há muito. No decorrer da reforma, mais de 80 jesuítas
deixaram a Ordem.
Quando, em 1759, chegou a comunicação de que os jesuítas
haviam sido expulsos do Reino e de seus domínios, a reforma já estava
concluída.
Dos jesuítas investigados, 19 foram acusados de envolvimento
com amantes mulatas, negras e brancas, escravas ou livres. Alguns tinham
filhos. Seis foram acusados de práticas de homossexualismo. Um trecho fala
sobre as disputas internas em torno do “mulatinho Miguel”, que “serviu” a
muitos jesuítas.
Alguns jesuítas conseguiram seguir na vida religiosa, em
outras Ordens. Contudo, permaneceu o registro deles nos arquivos do Estado.
Eram vistos com reservas, especialmente se almejassem algum emprego público.
Os jesuítas foram expulsos da França e territórios em 1763,
por Luís XV. Carlos II os expulsou da Espanha em 1767.
No entanto, a extinção da Companhia de Jesus somente ocorreu
em 1773, por ordem do papa Clemente XIV. A mesma foi restaurada em 1814, com
novo estatuto, pelo papa Pio VII.
A atuação dos jesuítas em Portugal foi retomada em 1834. No
Brasil, em 1842.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro
Colonial”
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