Um evento deixou a cidade do Rio de Janeiro em polvorosa.
Don Bárbara Barreto iria se casar pela segunda vez. Era viúva do poderoso
capitão Antônio de Moura, ex-provedor da Fazenda Real.
O noivo da vez se chamava Amaro Fernandes, caixeiro, pobre e
filho de plebeus, era natural de Braga, Portugal. Como se isso não bastasse,
Amaro tinha menos de 25 anos, enquanto Bárbara contava 66.
Outra fonte de comentários maliciosos foi o fato de a cerimônia
ter sido bastante apressada, tendo-se dispensado ao noivo a apresentação de
certidão de batismo e comprovação de solteiro. Essa pendência só sanada com o
pagamento de fiança e declaração de testemunhas.
A família de Dona Bárbara foi absolutamente contra o
matrimônio. Sua filha, Catarina de Moura, era a mais indignada de todas.
Finalmente, a cerimônia ocorreu em 14 de julho de 1724.
Logo após, sem maiores explicações ou razão aparente, Amaro
foi preso e jogado na medieval e imunda cadeia pública.
A saída encontrada por Amaro foi escrever ao príncipe
regente, suplicando-lhe ajuda e denunciando o absurdo por que passava.
Em 7 de dezembro de 1725, chagou a misericordiosa missiva de
dom João que, em nome da rainha, mandava que o governador Luís Vahia Monteiro
soltasse imediatamente Amaro e convocar todas as pessoas que Amaro listara como
possíveis autores da arbitrariedade.
Os principais nomes apontados por Amaro era os familiares de
sua esposa: Julião Rangel, escrivão da Câmara de Vereadores, e Sebastião de
Sampaio Sande. Todos foram comunicados de que Amaro agora se encontrava sob
proteção real.
O ódio mortal contra Amaro não respeitou sua condição de
protegido da Príncipe e este foi alvo de mais um atentado. Recebeu vários
tiros. Um deles o atingiu, mas Amaro sobreviveu.
Mais uma vez Amaro denunciou o ocorrido em carta, desta vez
endereçada ao governador.
Em resposta, Vahia Monteiro mandou que o ouvidor geral
coletasse as assinaturas das pessoas apontadas pelo denunciante.
Cerca de 20 dias após a ordem do governador, um bando
invadiu a fazenda onde se encontrava Amaro, ainda convalescendo da última
agressão, e, armados de facas e catanas, matou Amaro, além de retalhar seu
corpo e membros.
O governador se enfureceu com o juiz de fora, criticando seu
trabalho de apuração desde as primeiras tentativas de assassinar de Amaro.
Vahia enviou o sargento-mor Pedro de Azambuja, acompanhado
de 150 homens, à região do homicídio, entre Niterói e São Gonçalo atuais. A
ordem era para que prendessem os criminosos.
Quando depararam com suspeitos, estes tentaram fugir. Mas um
deles, o capitão de cavalos Domingos Morato Roma foi capturado. Após
vasculharem a mata do entorno, surpreenderam Don Catarina de Moura, ao lado de
um negro, ainda com as mãos sujas de sangue.
Era já de conhecimento amplo que Catarina era a provável
mandante do homicídio de Amaro. Importante notar que a ex-esposa de Amaro, Dona
Bárbara, já se encontrava presa por ordem do governador.
Como o processo andava a passos de tartaruga, o governador
entrou em atrito com o ouvidor-geral Manuel da Costa Mimoso. Aliás, não era a
primeira vez de Vahia Monteiro se queixava da lentidão da Justiça do Rio de Janeiro.
As críticas do governador chegaram ao rei, que ordenou ao
ouvidor-geral sanar as causas da insatisfação do governador. A resposta do
ouvidor-geral foi rápida, na forma de um relatório em que elencava os feitos da
Justiça até aquele momento.
Em resumo, o aspecto geral do caso, até o dia de 25 de julho
de 1729, era essa: dona Bárbara Barreto fora condenada ao pagamento de 800 mil
réis, ao Tribunal da Relação; Catarina falecera na cadeia; Sebastião de Sampaio
Sande foi condenado ao pagamento de multa e ao degredo; o crioulo Gerônimo,
escravo de Catarina, foi condenado a açoites e ao degredo para a colônia de
Sacramento (atual Uruiguai); o outro escravo, João Crioulo, foi condenado à
morte por enforcamento. Outros três denunciados foram absolvidos. Seis outros
estavam foragidos até então.
Assim se castigava quem fugia do establishment...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro
Colonial”
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