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quinta-feira, 25 de maio de 2017

A MULATA E O BOÊMIO - O RIO DE JANEIRO, COMO SEMPRE FOI...


Dono de engenho na região de Angra dos Reis, o capitão-mor João Pimenta de Carvalho e sua família representavam a elite local. Ricos, sonhavam que seu filho mais novo, Pedro Pimenta de Carvalho, abraçasse a vida sacerdotal e se tornasse o pároco da Igreja matriz da vila de Angra.

Concluídos os estudos de primeiras letras, seus pais o encaminharam para o Seminário de Nossa Senhora da Lapa do Desterro, localizado no atual bairro da Lapa.

Foi com muita tristeza que seus pais receberam a notícia de que o filho Pedro havia abandonado os estudos de seminarista e gastava a mesada que seus pais lhe enviavam com as “fadistas”. A boemia era o seu lugar.
Suspensa a mesada Pedro conseguiu se manter na cidade após obter emprego como escrevente de cartório. Viva na pobreza e teve de vender os poucos bens que possuía.

Boêmio, faleceu jovem, com cerca de 40 anos de idade.

Após sua morte, descobriu-se que as duas filhas bastardas tidas com a parda Anna Quaresma teriam direito a parte no espólio dos pais de Pedro, que também tinham falecido. No momento da abertura do inventário, soube-se que tanto Anna Quaresma quanto uma das filhas também estavam mortas. A herdeira única era a mulata Inácia Tereza, que logo solicitou o reconhecimento de filiação e sua conseqüente qualificação como herdeira. Tratava-se da pequena fortuna de 1/7 do patrimônio de pessoas riquíssimas.

Em defesa de seus interesses, Inácia declarou que seus pais viveram “por muito tempo ilícita amizade, sendo ambos solteiros, livres e desimpedidos, sem parentesco e nem impedimento para poderem casar.”

No entanto, os filhos oficiais e herdeiros já qualificados não queriam ver aquela mulata abocanhando parte do patrimônio de seus pais. Em defesa de seu pleito, declararam que a relação de Pedro com Anna Quaresma era contestável, acusando-a de ser prostituta, tendo, portanto relação com diversos homens.

A contrarrazão sagaz argumentava que “suposto seja parda, era quando conceber a autora (Inácia Tereza), ainda rapariga (jovem) de pouca idade, sem nota no seu procedimento, de sorte que o pai Pedro Pimenta foi quem a desonestou”.  Além disso, Anna não “teve relação com outro homem algum” durante o período em que se relacionaram.

Quanto ao argumento de que Pedro não a sustentava, não a vestia nem tinha a levado à casa dos pais, replicou-se que Pedro era um jovem estudante que “só comia e vestia aquilo que o pai lhe mandava da roça.”

Inácia teve ainda o providencial reforço dos testemunhos de 13 moradores da vila de Angra dos Reis. O cuidado despendido na escolha das testemunhas era elogiável. A mais nova tinha 41 anos, enquanto a mais velha contava 81 anos de idade. Portanto eram contemporâneas da época em quem os jovens se relacionaram.

Concluídos os autos, Inácia teve reconhecido seu direito ao naco da herança em litígio.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro Colonial”    


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