Sendo uma colônia integralmente voltada para a produção de
alimentos para exportação, o Brasil serviu a diversas experiências de aclimatação
de diversas espécies exóticas (ao menos sob os olhares europeus).
Um exemplo foi a pimenta indiana de Malabar. Como Portugal despendia
imensos recursos na importação dessa experiência, passaram a cultivá-la na
capitania de Pernambuco. O sucesso foi estrondoso. Logo a pimenta produzida no
Brasil disputava mercado com a indiana, cujo comércio no Reino estava nas mãos
de poderosos comerciantes.
Como se poderia presumir, os comerciantes prejudicados pelos
novos entrantes reagiram. Alegando que a pimenta pernambucana provocaria uma
retração nos preços da pimenta de Malabar, o que reduziria os lucros dos
comerciantes e, por conseqüência, as receitas estatais, representadas pelos
impostos cobrados sobre as mercadorias.
Tais argumentos, somados a uma relevante influência política,
levaram o rei a decretar o veto à pimenta pernambucana, sob pena de morte a
quem desobedecesse às novas ordens. Mandou-se decepar todos os pés da tal
pimenta em Pernambuco.
De fato, o interesse da monarquia portuguesa em relação ao
Brasil era transformá-lo num imenso canavial. Além disso, importava a extração
de madeira, para tinturaria, construção civil, de embarcações etc.
Sobrava espaço ainda para a produção de plantas com valor
medicinal.
Frutas, hortaliças, legumes e flores consumidos no Reino
foram transplantados na colônia americana. Em geral, esse trabalho ficava a
cargo de colonos imigrantes. Mas diversas experiências foram conduzidas pelo
Estado português também.
O jesuíta Fernão Cardin conta que a cerca (como chamavam
pomares ou hortas) do colégio dos jesuítas, no morro do Castelo, Rio de
Janeiro, era “cousa formosa, tem mais laranjeiras do que as duas cercas de
Évora”.
A mesma riqueza e abundância eram observadas em relação a
centenas de espécies.
Em 1716, começa a história controversa da Cannabis Sativa no
Brasil. Originária da Ásia Central, servia principalmente para extrair sua
fibras e com elas produzir linho cânhamo, matéria prima para tecidos e cordas
para embarcações. Tratava-se de outro produto cuja importação por Portugal
consumia imensos recursos da Coroa. Portanto, sua produção de larga escala era
fundamental e incentivada pelo Rei.
A cidade do Rio de Janeiro foi o locus definido para sediar
a produção de sementes, que seriam distribuídas a Santa Catarina, Rio Grande e
Colônia do Sacramento, locais cujo clima era mais adequado para as plantas.
Foram levados 40 casais de agricultores à Colônia do Sacramento, a partir de
Trás-os-Montes, para lá iniciarem a plantação de Cannabis Sativa.
Seis anos depois, se iniciavam as exportações do produto,
dando mostras do sucesso da empreitada.
Uma autoridade que demonstrou bastante entusiasmo pelo
projeto foi o governador Gomes Freire de Andrade. Ele percebeu a necessidade de
levar a cultura a outras províncias, evitando que Sacramento ficasse com o
monopólio em terras brasileiras. Aquela região era especialmente conturbada, em
razão da proximidade com territórios espanhóis. O risco de perder toda a
produção era factível.
Posteriormente, o Vice-Rei Conde da Cunha, notando que houve
um enfraquecimento da produção do cânhamo, decidiu armazenar grande quantidade
de sementes, para posterior plantio. Seu sucessor, o marquês do Lavradio, no
entanto, afirmou que quando procurou as tais sementes, encontrou-as podres, sem qualquer possibilidade de uso.
Lavradio tentou por diversas formas obter novas sementes de
Cannabis Sativa. Conseguiu-as com um navio francês aportado no Rio. Após
plantar cuidadosamente as novas sementes, nasceram 10 promissores pés. Entretanto,
pássaros comera cerca da metade. Cuidados redobrados foram investidos nos pés
remanescentes, que renderam mais sementes, que foram igualmente plantadas...
até que a plantação ocupasse três quartos de alqueire.
Estava assim concluída a produção de sementes de cânhamo,
para plantio nas capitanias austrais. Lavradores catarinenses que haviam
laborado nas tentativas anteriores se encarregaram da colheita da nova remessa
de sementes. O resultado excelente! Contudo, uma invasão espanhola à região exterminou
toda aquela bela e promissora safra.
Mas Lavradio era incansável em seu intento e solicitou à
Coroa uma nova remessa de sementes. Nesse ínterim, ocupou-se da criação, em
1772, da Academia Fluviense, Médica, Cirúrgica, Botânica e Farmacêutica (resumindo,
Academia Científica), composta por estudiosos e cientistas. De suas fileiras
surgiu o primeiro Horto Botânico do Rio de Janeiro, localizado no morro do
Castelo. Seu diretor chamava-se Antônio José Castrioto.
Uma das investidas mais ambiciosas do Marquês no Horto eram
as amoreiras. Destinadas à produção de bicho-da-seda, buscava-se com elas
abastecer as fábricas de tecidos de seda em Portugal.
Pouco depois, um novo vice-rei aportava no Brasil. Era dom
Luís de Vasconcelos. Disputas políticas e intrigas levaram à transferência do
Horto, agora Jardim Botânico, para o Passeio Público, em 1783.
O novo vice-rei era apaixonado pelas ciências naturais.
Manteve toda a produção de espécies iniciada nos períodos anteriores, criou um
museu de espécies naturais e entregou sua direção ao cientista autodidata
Francisco Xavier Cardoso.
Quanto à tão cortejada Cannabis Sativa, Luís de Vasconcelos
buscou uma estratégia diferente. Ele identificou que o elo fraco da cadeia
produtiva do linho cânhamo era os eventuais baixos retornos experimentados
pelos produtores. Isso os desincentivava e punha em risco a produção nos anos
posteriores. O vice-rei, então, levou a produção para as barras estatais: criou
uma feitoria real no Rincão de Canguçu, na capitania do Rio Grande.
Para dar provas do sucesso da nova iniciativa, em 1789 o
navio Ulisses aportou em Lisboa transportando 472 arrobas de Cannabis Sativa.
Em face dos progressos experimentados nas décadas
anteriores, quando a família real portuguesa chegou ao Rio de Janeiro, em 1808,
o aparato urbano da urbe compreendia um Museu de História Natural, um Jardim
Botânico, o herbário medicinal do Hospital Municipal, uma fazenda de cultivo de
cânhamo, em Santa Cruz, fazendas para produção do bicho-da-seda e muito mais.
Foi o sucesso dessas iniciativas que levaram o ministro da
Marinha e Ultramar conde de Galveias a propor, em 1811, o cultivo da papoula,
para a produção de ópio. O motivo econômico, explicou, “o ópio era um dos
gêneros que os chinas mais apreciam e que os ingleses ali importam com tão majestosos
lucros, ocorre que daqui se poderia fazer este comércio, se porventura
soubéssemos o método, porque os mesmos ingleses prepara.”
Os tipos mais comuns de floras medicinais, disponíveis nas melhores
boticas da cidade eram, portanto, a coca, o ópio e as “sementes de linho”.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro
Colonial”
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