A cidade do Rio de Janeiro, em meados do século XVII, vivia
apavorada com um soldado desertor chamado Simplício Pinto. Ao lado dos
comparsas, praticava assassinatos e outros crimes. Não vivia constantemente
escondido. Pelo contrário, aparecia volta e meia na frente da população,
enquanto as autoridades fingiam não o ver. Praticava um crime e logo acorria à
mata mais próxima. Perseguido, nunca era alcançado.
As pessoas comentavam que Simplício não fora ainda capturado
por incompetência das autoridades. Todos torciam para que a captura ocorresse
logo e o bandido fosse enforcado, de modo a servir de exemplo aos demais.
Mameluco, Simplício era natural de São Paulo, filho de um
branco com uma índia. Iniciou uma carreira no Exército, mas foi logo flagrando
cometendo crimes. Foi preso, mas escapou e começou uma série de assaltos em estradas
interioranas. Casou-se com Maria Correia.
Um novo governador da capitania do Rio de Janeiro, Tomé
Correia de Alvarenga, ouvindo o clamor popular, resolveu que iria capturar o
mameluco fora-da-lei a todo custo. E o passado de crimes do bandido já apontava
uma provável condenação à morte.
Após ordenar que uma tropa vasculhasse subúrbios, estradas e
matas da cidade, o governador e a população testemunharam alegremente o retorno
dos soldados, trazendo consigo, presos, Simplício e seus comparsas.
Populares revoltados, pretendendo fazer “justiça com as
próprias mãos”, provocaram medidas de reforço da guarda da cela de Simplício.
As leis da época exigiam que a Justiça do Rio de Janeiro
abrisse o processo, ouvisse testemunhas e réus e, posteriormente, enviasse todo
o material a Salavador, para que o Tribunal da Relação concluísse o julgamento.
A pena de morte, na forca, somente poderia ser decretada por aquele Tribunal.
Tratava-se de processo demorado, portanto inadequado para um caso que mexia
tanto com os brios dos cidadãos.
O governador Tomé tomou então a decisão de processar todo o
julgamento na cidade do Rio de Janeiro. Assim justificou sua decisão ao Rei:
baseada na evidência de delitos que “foram mais patentes, movidos de zelo de
justiça, do serviço de Deus e de Sua Majestade, das queixas gerais do povo e
grande merecimento das culpas, acomodando-se ao regimento, condenamos este delinqüente
à morte natural, a qual padeceu na forca em lugar público desta cidade.”
O Ouvidor-Geral, João Velho de Azevedo, opôs um regimento ao
governador, que julgou conter pontos que dificultariam sobremaneira a
condenação de Simplício. Tomé respondeu que seria a “ruína para este povo pela
ousadia das muitas pessoas, que nele há sem cabedal, principalmente destes
mamelucos que com facilidade cometem qualquer grave crime e se recolhem aos
grandes matos do recôncavo aonde são criados.”
Finalizado processo e posterior condenação, Tomé Alvarenga e
os juízes solicitaram que o Rei ratificasse todos os atos praticados, de forma
a não serem contestados futuramente.
Infelizmente, o problema identificado por Tomé era mais
profundo do que se supunha...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro
Colonial”
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