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quinta-feira, 18 de maio de 2017

RIO DE JANEIRO, A CAPITANIA OFICIAL DO CONTRABANDO E DO SUBORNO


Constatando-se o intolerável nível de contrabando que grassava a Alfândega do Rio de Janeiro, a Coroa enviou em julho de 1798 o desembargador José Antônio Ribeiro Freire, com claras instruções para combater aquele problema. Não sem antes ser alertado acerca das dificuldades com que depararia: desagradaria pessoas ilustres envolvidas nos crimes, sofreria oposição firme de servidores públicos insatisfeitos com seus salários, que encontravam no contrabando uma maneira de aumentar seus “parcos” rendimentos, sem falar nos envolvidos no âmbito da Fazenda Real.

Mas a evasão de divisas que deveriam ir para os cofres reais deveria ser combatida a todo custo. Recebeu ainda instruções pessoais do ministro da Marinha e Ultramar, dom Rodrigo de Souza Coutinho, no sentido de mantê-lo constantemente informado sobre a situação na Alfândega do Rio de Janeiro.

Apenas quatro meses após a assunção de suas funções, Freire remete seu primeiro relatório. Nele, fazia constar que achou a administração com “regularidade, ordem e método tanto na escrituração dos livros como no arranjo do serviço obrado por cada um dos oficiais da casa.”

A boa impressão tida pelo desembargador se devia a uma intensa atividade de repressão ao contrabando levada a cabo desde 1796, pelo seu antecessor no cargo. Os armazéns se encontravam repletos de mercadorias que deveriam ser encaminhadas a Lisboa, para leilão.

Em 1799, uma denúncia feita à Alfândega dava conta de que os armazéns de propriedade do capitão Antônio Leite estavam repletos de pólvora, que eram vendidas no mercado negro. Oficiais enviados por Freire contataram a presença de 214 barris do produto. O desembargador ordenou o fechamento do armazém e posicionou soldados de guarda. Após averiguação, Freire apontou 16 pessoas como proprietárias do estoque, indiciando-os por contrabando. Todos os indiciados pertenciam à elite dos comerciantes da cidade.    

No entanto, Freire reconhecia que o rendimento dos seus funcionários, até então bastante dedicados à atividade de repressão, era bastante reduzido. Propôs a dom Rodrigo que solicitasse ao príncipe regente dom João que parte do dinheiro arrecadado com o leilão dos bens apreendidos fosse revertida aos servidores que tomaram parte nas apreensões.

Freire também sugeriu a adoção do Regimento da Alfândega da Cidade do Porto, a fim de impedir que os leilões se realizassem na mesma cidade da apreensão, evitando assim conluio dos contrabandistas.

Dom João aquiesceu aos dois pedidos.

Mas o dedicado juiz não conseguia aplicar as medidas que considerava necessárias, e denunciava as dificuldades que enfrentava em missivas a seus superiores. Dizia Freire: a falta de incentivos financeiros e de promoções funcionais aso servidores, além de corroer a resistência ao suborno, os expunha ao ódio dos contrabandistas. Os funcionários declaravam ameaças de morte, motivo para agirem com bandura em suas diligências. Assim, continuavam a entrar mercadorias contrabandeadas debaixo do nariz dos funcionários alfandegários.

Nove anos após assumir a chefia do órgão, Freire relatou assombrado o contrabando de dois caixotes. Dizia constarem nos mesmos: papéis figurados, escandalosamente estampas soltas, livros com estampas e saquinhos de peles finas” (atualmente conhecidas como camisinhas). Declarou o desembargador em carta ao conde dos Arcos: os objetos teriam sido “inventados pela malícia humana e, capazes de corromper os bons costumes, e por escandalosos não deveriam aparecer em público”. Dizia que sua vontade era “queimar, em ato judicial de consumo”, aqueles produtos.     

Sem dúvidas era uma autoridade a um só tempo dedicada e temente a Deus...
   

Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro Colonial”     

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