Constatando-se o intolerável nível de contrabando que
grassava a Alfândega do Rio de Janeiro, a Coroa enviou em julho de 1798 o
desembargador José Antônio Ribeiro Freire, com claras instruções para combater
aquele problema. Não sem antes ser alertado acerca das dificuldades com que
depararia: desagradaria pessoas ilustres envolvidas nos crimes, sofreria
oposição firme de servidores públicos insatisfeitos com seus salários, que
encontravam no contrabando uma maneira de aumentar seus “parcos” rendimentos,
sem falar nos envolvidos no âmbito da Fazenda Real.
Mas a evasão de divisas que deveriam ir para os cofres reais
deveria ser combatida a todo custo. Recebeu ainda instruções pessoais do
ministro da Marinha e Ultramar, dom Rodrigo de Souza Coutinho, no sentido de
mantê-lo constantemente informado sobre a situação na Alfândega do Rio de
Janeiro.
Apenas quatro meses após a assunção de suas funções, Freire
remete seu primeiro relatório. Nele, fazia constar que achou a administração
com “regularidade, ordem e método tanto na escrituração dos livros como no
arranjo do serviço obrado por cada um dos oficiais da casa.”
A boa impressão tida pelo desembargador se devia a uma
intensa atividade de repressão ao contrabando levada a cabo desde 1796, pelo
seu antecessor no cargo. Os armazéns se encontravam repletos de mercadorias que
deveriam ser encaminhadas a Lisboa, para leilão.
Em 1799, uma denúncia feita à Alfândega dava conta de que os
armazéns de propriedade do capitão Antônio Leite estavam repletos de pólvora,
que eram vendidas no mercado negro. Oficiais enviados por Freire contataram a
presença de 214 barris do produto. O desembargador ordenou o fechamento do
armazém e posicionou soldados de guarda. Após averiguação, Freire apontou 16 pessoas
como proprietárias do estoque, indiciando-os por contrabando. Todos os
indiciados pertenciam à elite dos comerciantes da cidade.
No entanto, Freire reconhecia que o rendimento dos seus
funcionários, até então bastante dedicados à atividade de repressão, era
bastante reduzido. Propôs a dom Rodrigo que solicitasse ao príncipe regente dom
João que parte do dinheiro arrecadado com o leilão dos bens apreendidos fosse
revertida aos servidores que tomaram parte nas apreensões.
Freire também sugeriu a adoção do Regimento da Alfândega da
Cidade do Porto, a fim de impedir que os leilões se realizassem na mesma cidade
da apreensão, evitando assim conluio dos contrabandistas.
Dom João aquiesceu aos dois pedidos.
Mas o dedicado juiz não conseguia aplicar as medidas que
considerava necessárias, e denunciava as dificuldades que enfrentava em missivas
a seus superiores. Dizia Freire: a falta de incentivos financeiros e de
promoções funcionais aso servidores, além de corroer a resistência ao suborno,
os expunha ao ódio dos contrabandistas. Os funcionários declaravam ameaças de
morte, motivo para agirem com bandura em suas diligências. Assim, continuavam a
entrar mercadorias contrabandeadas debaixo do nariz dos funcionários
alfandegários.
Nove anos após assumir a chefia do órgão, Freire relatou
assombrado o contrabando de dois caixotes. Dizia constarem nos mesmos: papéis
figurados, escandalosamente estampas soltas, livros com estampas e saquinhos de
peles finas” (atualmente conhecidas como camisinhas). Declarou o desembargador
em carta ao conde dos Arcos: os objetos teriam sido “inventados pela malícia
humana e, capazes de corromper os bons costumes, e por escandalosos não
deveriam aparecer em público”. Dizia que sua vontade era “queimar, em ato
judicial de consumo”, aqueles produtos.
Sem dúvidas era uma autoridade a um só tempo dedicada e temente
a Deus...
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro
Colonial”
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