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sexta-feira, 26 de maio de 2017

A PRIVATIZAÇÃO DA FAZENDA DE SANTA CRUZ E O FIM DA ALDEIA INDÍGENA DE ITAGUAÍ


Embora protegidos por lei, no século XIX um índio poderia ser feito escravo caso fosse derrotado em “guerra justa”. Após a chegada da família Real, em 1808, o príncipe regente decretou guerra contra os índios botocudos de Minas Gerais. Muitos deles foram ameaçados com a escravidão.

Os dóceis que assumissem a religião católica e a viver em aldeias, permaneciam sob a proteção do Rei. Eram reconhecidos como cidadão e, em tese, poderiam assumir qualquer cargo público.

Em geral, a Coroa provia terras de área de 2 léguas quadradas com o fim de conformar patrimônio da aldeia. Era normalmente dada a quem tivesse escravos e recursos suficientes para montar um engenho de açúcar.

Entretanto, não foi isso que ocorreu na Aldeia de Itaguaí. Como se localizava na Fazenda de Santa Cruz, icônica propriedade da Companhia de Jesus, não foram doadas sesmarias. As áreas indígenas deveria ser doadas pela própria Companhia.

Após a expulsão dos jesuítas do Reino, em 1759, suas propriedades passaram à Coroa. Somente quando a Coroa resolveu por privatizar o eficiente engenho estatal de Itaguaí, no fim do século XVIII, percebeu-se que a doação não havia sido realizada.

O resultado dessa omissão foi que os índios lá residentes poderiam ser expulsos sem direito a indenização. Foi exatamente esse cenário que o capitão-mor da aldeia, Jose Pires Tavares, denunciou à rainha Don Maria I, em carta de 1785. Invasores de terras ameaçavam constantemente os índios. O capitão-mor chegou a descrever o conluio entre autoridades e particulares, interessados na expulsão dos índios.

A resposta de Dona Maria I foi favorável aos invasores, pois recomendou que procurassem outro local para erguer sua aldeia, onde contariam com o auxílio estatal. Os índios insistiram e disseram que permaneceriam onde já estavam.

Uma delegação de índios e índias foi despachada para o Rio, onde conseguiram audiência com o vice-rei. Após imploraram apoio à sua causa, foram aprisionados na fortaleza da Ilha das Cobras. Foram quase duas semanas no cárcere.

O ouvidor geral manteve a decisão régia: os índios poderiam ir aonde quisessem, desde que pelo menos a 10 léguas da Fazenda de Santa Cruz.

Passo seguinte, os índios foram presos por soldados e escravos sob o comando do inspetor Manuel Joaquim da Silva e Castro. Foram levados cativos para a Aldeia de Mangaratiba.

José Pires Tavares conseguiu fugir, procurou amigos e conseguiu viajar para Lisboa, em busca de ajuda.
No Rio, autoridades confeccionaram um parecer totalmente desfavorável à causa indígena. Foram qualificados como: bêbados, ladrões e preguiçosos; as índias eram prostitutas, dadas a se deitarem com boiadeiros e soldados que passavam pelas aldeias... Por fim, sugeriam sua transferência para as Aldeias de Mangaratiba ou José Del-Rei.

Por fim, o parecer tratava da questão da titularidade das terras (desfavorável aos índios) e procurava desqualificar o capitão-mor, ao anexar documentos de transferência de propriedade rural, acusando-o de estar interessado apenas em se apossar de terras, torná-las sítios e vendê-las posteriormente.

Esse litígio tomou um rumo totalmente diverso após a chegada do novo vice-rei, conde de Resende. Este era contrário à privatização da Fazenda de Santa Cruz. Preferia que o Estado a explorasse melhor.

O novo vice-rei, portanto, construiu dois engenhos para a produção de açúcar: Itaguai e Piai. Também ergueu uma fábrica de farinha de mandioca. Reativou os currais (havia 17 no total) e diversificou a produção agrícola: milho, feijão, mandioca, anil, café e arroz.

O resultado foram olhares ainda mais ambiciosos em direção à Fazenda. Choveram propostas de compra daquelas terras. Um dos argumentos, ainda hoje repetido à exaustão pelos privatistas, era que o Estado não saberia gerir propriedades rurais... justamente quem a criou!

Por incrível que pareça, tais argumentos tiveram efeito sobre a Fazenda Real, que mandou avaliar a propriedade. No entanto a venda deveria ser precedida de parecer do vice-rei, que foi totalmente contrário à operação. Argumentou que a Fazenda era lucrativa e especialmente importante para fornecer alimentos aos contingentes militares, podendo-se assim evitar os preços especulativos praticados no mercado.  Fez notar ainda a importâncias da madeira de lei existente na Fazenda, como matéria-prima para a construção de embarcações.

Continuando em suas linhas, o conde de Resende desferiu ainda críticas às avaliações feitas pelos peritos. Pareciam a ele bastante coniventes com os interesses dos compradores, posto serem exageradamente baixos.

Resultado: enquanto o conde aqui esteve, a Fazenda esteve protegida, assim como os índios em seu interior.

No entanto o mandato do conde terminou em 1801. Em 1804, a venda foi concluída e os índios, expulsos para uma conservatória (espécie de reserva indígena, sob responsabilidade de um juiz).
  

Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro Colonial”     

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