Pesquisar as postagens

segunda-feira, 22 de maio de 2017

JOAQUIM SILVÉRIO DOS REIS – O CALVÁRIO DO DELATOR


O coronel Luiz Alves de Freitas Belo, em caravana familiar vinda de Borda do Campo, comarca do Rio das Mortes, parou para descansar quando chegou ao arraial de Nossa Senhora de Mont Serrat. Era 1790 e aquele era o local onde Bernardina Quitério de Oliveira, filha do coronel, fora batizada, pouco menos de 12 anos antes. Agora, a menina fazia uma jornada para conhecer seu prometido marido, no Rio de Janeiro.

Seria a primeira vez de Bernardina na cidade, sede do vice-rei, multidões, conheceria o mar. Quanto ao noivo, deveria aguardar alguns meses mais. As leis católicas exigiam a idade mínima de 12 anos para contrair casamento.

Seu noivo contava mais de 30 anos de idade. Era ex-morador de Borda do Campo e sócio do pai de Bernardina. Um detalhe intrigava: o noivo de Bernardina não poderia deixar a cidade do Rio de Janeiro até que se concluísse a devassa a que estavam submetidos todos os fracassados revoltosos da Inconfidência Mineira. O noivo de Bernardina foi o denunciante dos revoltosos.

Seu nome era Joaquim Silvério dos Reis, coronel, tinha 33 anos em 1789, quando fora inquirido pelo juiz responsável pelos autos, e nascera em Leiria, Portugal.    

Chegando em Mariana, com a idade de 11 anos, lá amealhou uma pequena fortuna: possuía fazendas, animais, acumulou mais de 190 kg de ouro lavrados no ano de 1777. Apenas a parte do Fisco sobre o ouro que lavrara rendeu-lhe o título de Cavaleiro Professor na Ordem de Cristo.

Silvério também estava em litígio com a Fazenda Real. Ele arrematara o Contrato das Entradas de Minas Gerais, pelo qual desembolsara 355 contos e 612 mil-réis, por três anos de contrato (1782 a 1784). Pelo acordado, deveria recolher anualmente à Fazenda um terço desse valor. No entanto Silvério pagou efetivamente apenas metade do valor devido.

Iniciou-se averiguação para definir as responsabilidades. Os registros apontavam para diversos comerciantes que fizeram das passagens, sem que recolhessem os impostos devidos. Cabia agora convocá-los e verificar se não pagaram realmente, ou se Silvério não repassou os valores devidos.

Bom, a história começa em 1789, em Vila Rica (atual Ouro Preto), quando Silvério exercia o cargo de coronel da tropa auxiliar. Esse cargo garantia a Silvério poder e prestígio. Os investimentos em que incorrera foram muitos: vestiu os soldados, comprou materiais. Julgava ter criado o melhor regimento dentre todas as capitanias.

Quando tomou conhecimento dos planos da rainha para extinguir o regimento que tanto prezava, Silvério entrou em desespero. Praguejava aos quatro ventos contra autoridades e contra a própria rainha.
Rapidamente suas palavras se espalharam. Todos sabiam da indignação e dos rancores que Silvério passava a nutrir contra aqueles que julgava terem-no traído.

Um dia, pernoitando na casa do amigo sargento-mor Luís Vaz de Toledo Piza, fora convidado por este para tomar parte numa revolta em Minas Gerais. Somando-se a indignação pela extinção do regimento À dívida que tinha pendente contra a Fazenda Real, o grupo julgava ter em Silvério um parceiro ideal. Afinal, o perdão das dívidas era uma prioritária entre oS insurrentes.

Após citar alguns dos nomes envolvidos, Toledo Piza revelou que o primeiro ato da conjura seria cortar a cabeça do governador de Minas, visconde de Barbacena.

Silvério passou então a se fingir interessado, até ter conhecimento de todos os detalhes do plano, e então revelá-lo a Barbacena. Por fim, viajou ao Rio de Janeiro em busca de uma última informação: o endereço de José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, na cidade. Escreveu essa informação numa carta, enviada ao vice-rei dom Luís de Vasconcelos.

Silvério, no entanto, não contava com a reação das pessoas a sua atitude. Todos passaram a desconfiar daquele dileto delator. Passou a ser visto como um traidor em potencial, alguém em quem não se poderia confiar.

Após o casamento, Silvério e Bernardina puseram-se a caminho de Lisboa, pretendendo mesmo defender suas vidas. Silvério chegou ao cúmulo de acrescentar Leiria ou Montenegro à sua firma, com o fim de despistar aqueles que o viam com reservas.

Pretendia também recobrar sua reputação: queria encontrar-se com o príncipe regente d. João e descrever à Sua Majestade todo o ocorrido por ocasião da conjuração em Vila Rica, além dos motivos que o levaram a denunciá-la.

Um dos mais principais desafetos de Silvério era o vice-rei Luís de Vasconcelos. Este mandou prender Silvério no mesmo dia em que esse denunciou Tiradentes. O vice-rei desconfiava que Silvério armara uma situação que levasse ao perdão da enorme dívida que detinha contra a Fazenda Real. Teve de amargurar nove meses na cadeia. Fora liberto provisoriamente, sob a condição de somente deixar a cidade do Rio após a devassa ter sido completamente finalizada.

Sua prisão domiciliar não o deixou distante dos riscos. Sofreu um atentado a tiros de bacamarte em frente a sua residência. Passou a desconfiar de tudo e de todos. Em todas as ruas por que passava ouvia injúrias e ofensas contra sua pessoa. Ouvia-as calado.

Suas propriedades em Minas Gerais não estavam mais seguras. Suas fazendas foram invadidas. Ouviu também que havia inimigos escondidos na sua propriedade, esperando sua volta para matá-lo.

Concluída a devassa, Silvério recebeu seu passaporte de volta e, finalmente, partiu para Lisboa. Em Portugal, foi agraciado com o título de Cavaleiro da Ordem de Cristo; o seqüestro de seus bens, por conta da dívida referente ao Contrato das Entradas foi suspenso; tornou-se nobre, Fidalgo da Casa Real.

Após algumas aventuras tumultuadas em Campos dos Goytacazes, Silvério obteve o mesmo resultado das outras aventuras em terras brasileiras: agora não era bem vindo nem em Minas, nem no Rio de Janeiro, nem em Campos.

Seu último retorno de Lisboa foi em direção ao Maranhão. Lá, faleceu em 1819.  


Rubem L. de F. Auto


Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro Colonial”     

Nenhum comentário:

Postar um comentário