O coronel Luiz Alves de Freitas Belo, em caravana familiar
vinda de Borda do Campo, comarca do Rio das Mortes, parou para descansar quando
chegou ao arraial de Nossa Senhora de Mont Serrat. Era 1790 e aquele era o
local onde Bernardina Quitério de Oliveira, filha do coronel, fora batizada, pouco
menos de 12 anos antes. Agora, a menina fazia uma jornada para conhecer seu
prometido marido, no Rio de Janeiro.
Seria a primeira vez de Bernardina na cidade, sede do
vice-rei, multidões, conheceria o mar. Quanto ao noivo, deveria aguardar alguns
meses mais. As leis católicas exigiam a idade mínima de 12 anos para contrair
casamento.
Seu noivo contava mais de 30 anos de idade. Era ex-morador
de Borda do Campo e sócio do pai de Bernardina. Um detalhe intrigava: o noivo
de Bernardina não poderia deixar a cidade do Rio de Janeiro até que se
concluísse a devassa a que estavam submetidos todos os fracassados revoltosos
da Inconfidência Mineira. O noivo de Bernardina foi o denunciante dos revoltosos.
Seu nome era Joaquim Silvério dos Reis, coronel, tinha 33
anos em 1789, quando fora inquirido pelo juiz responsável pelos autos, e
nascera em Leiria, Portugal.
Chegando em Mariana, com a idade de 11 anos, lá amealhou uma
pequena fortuna: possuía fazendas, animais, acumulou mais de 190 kg de ouro
lavrados no ano de 1777. Apenas a parte do Fisco sobre o ouro que lavrara
rendeu-lhe o título de Cavaleiro Professor na Ordem de Cristo.
Silvério também estava em litígio com a Fazenda Real. Ele
arrematara o Contrato das Entradas de Minas Gerais, pelo qual desembolsara 355
contos e 612 mil-réis, por três anos de contrato (1782 a 1784). Pelo acordado,
deveria recolher anualmente à Fazenda um terço desse valor. No entanto Silvério
pagou efetivamente apenas metade do valor devido.
Iniciou-se averiguação para definir as responsabilidades. Os
registros apontavam para diversos comerciantes que fizeram das passagens, sem
que recolhessem os impostos devidos. Cabia agora convocá-los e verificar se não
pagaram realmente, ou se Silvério não repassou os valores devidos.
Bom, a história começa em 1789, em Vila Rica (atual Ouro Preto),
quando Silvério exercia o cargo de coronel da tropa auxiliar. Esse cargo
garantia a Silvério poder e prestígio. Os investimentos em que incorrera foram
muitos: vestiu os soldados, comprou materiais. Julgava ter criado o melhor
regimento dentre todas as capitanias.
Quando tomou conhecimento dos planos da rainha para
extinguir o regimento que tanto prezava, Silvério entrou em desespero. Praguejava
aos quatro ventos contra autoridades e contra a própria rainha.
Rapidamente suas palavras se espalharam. Todos sabiam da
indignação e dos rancores que Silvério passava a nutrir contra aqueles que
julgava terem-no traído.
Um dia, pernoitando na casa do amigo sargento-mor Luís Vaz
de Toledo Piza, fora convidado por este para tomar parte numa revolta em Minas
Gerais. Somando-se a indignação pela extinção do regimento À dívida que tinha
pendente contra a Fazenda Real, o grupo julgava ter em Silvério um parceiro
ideal. Afinal, o perdão das dívidas era uma prioritária entre oS insurrentes.
Após citar alguns dos nomes envolvidos, Toledo Piza revelou
que o primeiro ato da conjura seria cortar a cabeça do governador de Minas,
visconde de Barbacena.
Silvério passou então a se fingir interessado, até ter
conhecimento de todos os detalhes do plano, e então revelá-lo a Barbacena. Por
fim, viajou ao Rio de Janeiro em busca de uma última informação: o endereço de
José Joaquim da Silva Xavier, o Tiradentes, na cidade. Escreveu essa informação
numa carta, enviada ao vice-rei dom Luís de Vasconcelos.
Silvério, no entanto, não contava com a reação das pessoas a
sua atitude. Todos passaram a desconfiar daquele dileto delator. Passou a ser
visto como um traidor em potencial, alguém em quem não se poderia confiar.
Após o casamento, Silvério e Bernardina puseram-se a caminho
de Lisboa, pretendendo mesmo defender suas vidas. Silvério chegou ao cúmulo de
acrescentar Leiria ou Montenegro à sua firma, com o fim de despistar aqueles
que o viam com reservas.
Pretendia também recobrar sua reputação: queria encontrar-se
com o príncipe regente d. João e descrever à Sua Majestade todo o ocorrido por
ocasião da conjuração em Vila Rica, além dos motivos que o levaram a
denunciá-la.
Um dos mais principais desafetos de Silvério era o vice-rei
Luís de Vasconcelos. Este mandou prender Silvério no mesmo dia em que esse
denunciou Tiradentes. O vice-rei desconfiava que Silvério armara uma situação
que levasse ao perdão da enorme dívida que detinha contra a Fazenda Real. Teve
de amargurar nove meses na cadeia. Fora liberto provisoriamente, sob a condição
de somente deixar a cidade do Rio após a devassa ter sido completamente
finalizada.
Sua prisão domiciliar não o deixou distante dos riscos.
Sofreu um atentado a tiros de bacamarte em frente a sua residência. Passou a
desconfiar de tudo e de todos. Em todas as ruas por que passava ouvia injúrias
e ofensas contra sua pessoa. Ouvia-as calado.
Suas propriedades em Minas Gerais não estavam mais seguras.
Suas fazendas foram invadidas. Ouviu também que havia inimigos escondidos na
sua propriedade, esperando sua volta para matá-lo.
Concluída a devassa, Silvério recebeu seu passaporte de
volta e, finalmente, partiu para Lisboa. Em Portugal, foi agraciado com o
título de Cavaleiro da Ordem de Cristo; o seqüestro de seus bens, por conta da
dívida referente ao Contrato das Entradas foi suspenso; tornou-se nobre,
Fidalgo da Casa Real.
Após algumas aventuras tumultuadas em Campos dos Goytacazes,
Silvério obteve o mesmo resultado das outras aventuras em terras brasileiras:
agora não era bem vindo nem em Minas, nem no Rio de Janeiro, nem em Campos.
Seu último retorno de Lisboa foi em direção ao Maranhão. Lá,
faleceu em 1819.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: Livro “Histórias de Conflitos no Rio de Janeiro
Colonial”
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