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quarta-feira, 1 de agosto de 2018

O VERÃO DA LIBERDADE DE 1964 – PORQUE A POLÍTICA TORNA A VIDA MAIS DIFÍCIL



Por volta de 1964, um punhado de estudantes ativistas do SNCC – sigla em inglês para Comitê de Coordenação de Ações não Violentas de Estudantes – completavam três anos de repressões contínuas por terem desafiado a discriminação racial no Mississipi. Apenas 6,7% dos moradores do estado negros estavam registrados como eleitores aptos em 1962, o menor percentual do país. Em 1963, as ações do SNCC no Mississipi estavam sofrendo um impasse. Desde que chegaram ao estado, em 1961, tinham poucas vitórias concretas após um trabalho duro e perigoso no estado. Conseguiram levar poucas pessoas para pedirem o registro e menos ainda conseguiram seus registros.

Um problema era a incapacidade do SNCC para gerar o tipo de publicidade que Martin Luther King, Jr. usou tão bem para ganhar apoio federal. A falta de apoio federal revoltou os membros do SNCC no Mississipi. Havia 150 eventos de violência e intimidação desde que o SNCC iniciou seus trabalhos no estado, mas nenhuma delas atraiu uma resposta federal rigorosa.   

Com tais obstáculos em vista, o SNCC organizou uma campanha: “Voto de Liberdade”, uma eleição encenada entre os residentes negros que teria lugar ao mesmo tempo conforme as eleições regulares de novembro de 1963. O objetivo era mostrar dos residentes negros de participar do processo eleitoral e, talvez, trazer alguma publicidade ao SNCC em nível nacional. Cem estudantes brancos vindos dos estados do norte se apresentaram como voluntários para ajudar a campanha, indo ao encontro das comunidades negras, registrando votos de negros e encenando mesmo o processo eleitoral. O programa foi um sucesso: 80 mil negros se registraram no processo eleitoral informal. O uso de estudantes brancos pelo SNCC, que produziram um trabalho importante e trouxeram publicidade favorável, fortaleceram o ânimo pra uma campanha no ano seguinte. Os membros do SNCC chamaram-na de “O Projeto Verão”; mas passou a ser conhecida posteriormente como O Verão da Liberdade de 1964.

O alvo fundamental do Verão da Liberdade era auxiliar os afro-americanos a conquistarem seu direito ao voto. O uso dos voluntários do norte poderia trazer um foco de atenção para o Mississipi, como um meio de forçar uma intervenção federal no estado. O SNCC, O CORE (Congresso da Igualdade Racial) e outros recrutaram 600 voluntários, a maior parte de pessoas das classes privilegiadas, estudantes universitários brancos. O Congresso Nacional de Igrejas organizou duas sessões de treinamentos de uma semana na Universidade de Miami, em Oxford, Ohio. Os treinamentos incluíram defesa própria não violenta e como agir corajosamente num movimento não violento.  

Defensores dos direitos civis treinaram os voluntários para trabalharem ao lado do SNCC para registrarem negros como eleitores e para ensinarem nas “Escolas da Liberdade” – uma iniciativa do SNCC para enfrentar as desigualdades óbvias e mensagens políticas discriminatórias, inerentes ao sistema. Os voluntários também auxiliar nos centros comunitários de negros.

A cidade capitólio de Jackson, no Mississipi, enviou sua força policial com armas, gás lacrimogênio e um tanque à vésperas do Verão da Liberdade. O ódio e o ressentimento surgidos entre os segregacionistas brancos quando as palavras “Projeto Verão” vazaram, ilustram quanta oposição a tentativa dos afro-americanos de afirmarem seus direitos como cidadãos enfrentava – e o quão impressionante foi o “Verão da Liberdade”, como uma campanha não violenta. Os jornais do Mississipi avisaram sobre uma invasão vinda do norte, enquanto o governador Johnson denunciava os “invasores” e seu “esquema covarde”. “Vamos ver a lei e a ordem mantidas”, disse, “e mantidas no estilo do Mississipi”.

Depois de 24 horas da chegada ao Mississipi – durante a segunda semana de treinamentos em Ohio – o membros do SNCC James Chaney e os voluntários Andrew Goodman e Michael Schwerner foram investigar a explosão de uma igreja próxima da Filadélfia, Mississipi. Foram detidos por infração de trânsito, liberados à noite, e então violentados e mortos.

A mensagem foi enviada rapidamente para o treinamento, em Ohio, deixando os participantes em choque. Os membros do SNCC e outros instrutores ajudaram as centenas de voluntários a encontrarem a coragem para entrarem nos ônibus e seguir os camaradas até o Mississipi.

Este episódio de violência trouxe a atenção da mídia. Contudo, durante a campanha houve 80 ativistas feridos, 1000 presos, assim como 37 igrejas explodidas ou queimadas. A campanha estava impedida de pedir ajuda da polícia do Mississipi, porque estava frequentemente envolvida. O xerife de Neshoa, Cecil Prince, tinha coordenado o sequestro e assassinato de Goodman, Chaney e Schwerner. Sem dúvidas, a onda de repressão falhou em alcançar seus objetivos de arruinar o Verão da Liberdade; de fato, isso estimulou mais apoio e até uma cautelosa intervenção federal.

Embora o direito ao voto fosse um componente essencial dessa campanha, assim como os direitos civis em geral, os membros do SNCC perceberam que a opressão da população negra do Mississipi envolvia mais do que a restrição do acesso ao voto. Em 1964, os gastos de educação do Mississipi seguiam assim: $ 81,64 gastos com cada estudante branco; e apenas $ 21,77 gastos com cada estudante negro.

Os currículos também eram cuidadosamente controlados, os livros-texto oficiais exaltavam o “South way of life” e nenhuma menção era feita sobre as conquistas de americanos negros. As Escolas da Liberdade tentaram não apenas enfrentar as desigualdades óbvias no sistema educacional do Mississipi, mas também trazer atenção para o fato de que essas desigualdades existiam. As Escolas ensinavam cursos acadêmicos, tais como leituras corretivas e matemática, assim como ciência, língua e até dança e debates, jornais feitos pelos estudantes e esportes; também eram ensinados cursos sobre a história dos negros e história e filosofia dos movimentos em defesa dos direitos civis.

Mas o principal alvo da campanha era o incremento de votantes entre os residentes negros do Mississipi. O Partido Democrata no estado era totalmente impermeável aos negros, portanto apenas registrá-los não teria efeito. Os ativistas tinham duas táticas paralelas conforme avançavam sobre os bairros negros. Primeiro, procuravam convencer os negros a se registrarem como eleitores nas eleições oficiais por meio do apelo à justiça; em segundo, procuravam persuadi-los a se registrarem como eleitores em outra eleição encenada.

Um outro sucesso foi a quantidade de publicidade dada à campanha, graças ao habilidoso uso da imprensa pelo departamento de comunicação do SNCC, exatamente como esperado. De um problema antes subrepresentado na imprensa nacional, a campanha Verão da Liberdade ganhou uma exposição nacional quase contínua nos veículos de comunicação pelos seus apelos acerca da segregação racial e das desigualdades no Sul “profundo”.  

O Partido Democrata da Liberdade do Mississipi (em inglês, MFDP) enfrentou o fato de que apenas brancos eram delegados do Partido Democrata do estado, entrando na convenção com duas delegações, disputando as cadeiras. Devido a um acalorado debate em Atlantic City por Fannie Lou, do MFDP, telespectadores em muitos estados enviaram mensagens a seus delegados, pedindo seu apoio para eleger membros do MFDP. Os descontentes de Atlantic City pularam fora da convenção, pedindo os assentos para o MFDP, em vez dos racistas brancos do Partido Democrata do Mississipi.

O presidente democrata, Lyndon Baines Johnson, estava naquele ínterim jogando pressão no comitê de credenciais da Convenção, para que não se concedesse assentos ao MFDP; os estados do sul, em 1964, eram, a um só tempo, segregacionistas e apoiadores do Partido Democrata, e Johnson não queria arriscar seus votos para uma reeleição.

O compromisso ofertado ao MFDP era de dois dos assentos da delegação do Mississipi e uma promessa de banir qualquer grupo culpado de discriminação de convenções futuras.

Em resposta a essa oferta, todos, exceto 4 dos membros brancos do Partido Democrata do Mississipi, saíram. O MFDP declinou da oferta, alegando que o comitê de credenciais “não pode simplesmente ofertar dois assentos, por questões morais”. Para garantir suas palavras, o MFDP ocupou os assentos que estavam vagos após a saída dos membros do Partido Democrata do Mississipi; a liderança nacional do Partido Democrata já os tinha retirado do prédio.

Enquanto o MFDP não tinha realocado o Partido Democrata racista do Mississipi, em 1964, suas ações levavam a um futuro banimento por delegações com assento, escolhidas por meio da discriminação racial. Após um verão de educação, registros de eleitores, violência física e homicídios, o confronto entre MFDP e o Partido Democrata nacional levou o Verão da Liberdade a um final espetacular.



Rubem L. de F. Auto

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