Por volta de 1964, um punhado de estudantes ativistas do
SNCC – sigla em inglês para Comitê de Coordenação de Ações não Violentas de
Estudantes – completavam três anos de repressões contínuas por terem desafiado
a discriminação racial no Mississipi. Apenas 6,7% dos moradores do estado
negros estavam registrados como eleitores aptos em 1962, o menor percentual do
país. Em 1963, as ações do SNCC no Mississipi estavam sofrendo um impasse.
Desde que chegaram ao estado, em 1961, tinham poucas vitórias concretas após um
trabalho duro e perigoso no estado. Conseguiram levar poucas pessoas para pedirem
o registro e menos ainda conseguiram seus registros.
Um problema era a incapacidade do SNCC para gerar o tipo de
publicidade que Martin Luther King, Jr. usou tão bem para ganhar apoio federal.
A falta de apoio federal revoltou os membros do SNCC no Mississipi. Havia 150 eventos
de violência e intimidação desde que o SNCC iniciou seus trabalhos no estado,
mas nenhuma delas atraiu uma resposta federal rigorosa.
Com tais obstáculos em vista, o SNCC organizou uma campanha:
“Voto de Liberdade”, uma eleição encenada entre os residentes negros que teria
lugar ao mesmo tempo conforme as eleições regulares de novembro de 1963. O
objetivo era mostrar dos residentes negros de participar do processo eleitoral
e, talvez, trazer alguma publicidade ao SNCC em nível nacional. Cem estudantes
brancos vindos dos estados do norte se apresentaram como voluntários para
ajudar a campanha, indo ao encontro das comunidades negras, registrando votos
de negros e encenando mesmo o processo eleitoral. O programa foi um sucesso: 80
mil negros se registraram no processo eleitoral informal. O uso de estudantes
brancos pelo SNCC, que produziram um trabalho importante e trouxeram
publicidade favorável, fortaleceram o ânimo pra uma campanha no ano seguinte. Os
membros do SNCC chamaram-na de “O Projeto Verão”; mas passou a ser conhecida
posteriormente como O Verão da Liberdade de 1964.
O alvo fundamental do Verão da Liberdade era auxiliar os
afro-americanos a conquistarem seu direito ao voto. O uso dos voluntários do
norte poderia trazer um foco de atenção para o Mississipi, como um meio de
forçar uma intervenção federal no estado. O SNCC, O CORE (Congresso da
Igualdade Racial) e outros recrutaram 600 voluntários, a maior parte de pessoas
das classes privilegiadas, estudantes universitários brancos. O Congresso
Nacional de Igrejas organizou duas sessões de treinamentos de uma semana na
Universidade de Miami, em Oxford, Ohio. Os treinamentos incluíram defesa própria
não violenta e como agir corajosamente num movimento não violento.
Defensores dos direitos civis treinaram os voluntários para
trabalharem ao lado do SNCC para registrarem negros como eleitores e para ensinarem
nas “Escolas da Liberdade” – uma iniciativa do SNCC para enfrentar as
desigualdades óbvias e mensagens políticas discriminatórias, inerentes ao
sistema. Os voluntários também auxiliar nos centros comunitários de negros.
A cidade capitólio de Jackson, no Mississipi, enviou sua
força policial com armas, gás lacrimogênio e um tanque à vésperas do Verão da
Liberdade. O ódio e o ressentimento surgidos entre os segregacionistas brancos
quando as palavras “Projeto Verão” vazaram, ilustram quanta oposição a
tentativa dos afro-americanos de afirmarem seus direitos como cidadãos
enfrentava – e o quão impressionante foi o “Verão da Liberdade”, como uma
campanha não violenta. Os jornais do Mississipi avisaram sobre uma invasão
vinda do norte, enquanto o governador Johnson denunciava os “invasores” e seu “esquema
covarde”. “Vamos ver a lei e a ordem mantidas”, disse, “e mantidas no estilo do
Mississipi”.
Depois de 24 horas da chegada ao Mississipi – durante a
segunda semana de treinamentos em Ohio – o membros do SNCC James Chaney e os
voluntários Andrew Goodman e Michael Schwerner foram investigar a explosão de
uma igreja próxima da Filadélfia, Mississipi. Foram detidos por infração de
trânsito, liberados à noite, e então violentados e mortos.
A mensagem foi enviada rapidamente para o treinamento, em
Ohio, deixando os participantes em choque. Os membros do SNCC e outros
instrutores ajudaram as centenas de voluntários a encontrarem a coragem para
entrarem nos ônibus e seguir os camaradas até o Mississipi.
Este episódio de violência trouxe a atenção da mídia.
Contudo, durante a campanha houve 80 ativistas feridos, 1000 presos, assim como
37 igrejas explodidas ou queimadas. A campanha estava impedida de pedir ajuda
da polícia do Mississipi, porque estava frequentemente envolvida. O xerife de
Neshoa, Cecil Prince, tinha coordenado o sequestro e assassinato de Goodman,
Chaney e Schwerner. Sem dúvidas, a onda de repressão falhou em alcançar seus
objetivos de arruinar o Verão da Liberdade; de fato, isso estimulou mais apoio
e até uma cautelosa intervenção federal.
Embora o direito ao voto fosse um componente essencial dessa
campanha, assim como os direitos civis em geral, os membros do SNCC perceberam
que a opressão da população negra do Mississipi envolvia mais do que a
restrição do acesso ao voto. Em 1964, os gastos de educação do Mississipi
seguiam assim: $ 81,64 gastos com cada estudante branco; e apenas $ 21,77
gastos com cada estudante negro.
Os currículos também eram cuidadosamente controlados, os
livros-texto oficiais exaltavam o “South way of life” e nenhuma menção era
feita sobre as conquistas de americanos negros. As Escolas da Liberdade
tentaram não apenas enfrentar as desigualdades óbvias no sistema educacional do
Mississipi, mas também trazer atenção para o fato de que essas desigualdades
existiam. As Escolas ensinavam cursos acadêmicos, tais como leituras corretivas
e matemática, assim como ciência, língua e até dança e debates, jornais feitos
pelos estudantes e esportes; também eram ensinados cursos sobre a história dos
negros e história e filosofia dos movimentos em defesa dos direitos civis.
Mas o principal alvo da campanha era o incremento de
votantes entre os residentes negros do Mississipi. O Partido Democrata no
estado era totalmente impermeável aos negros, portanto apenas registrá-los não
teria efeito. Os ativistas tinham duas táticas paralelas conforme avançavam
sobre os bairros negros. Primeiro, procuravam convencer os negros a se registrarem
como eleitores nas eleições oficiais por meio do apelo à justiça; em segundo,
procuravam persuadi-los a se registrarem como eleitores em outra eleição
encenada.
Um outro sucesso foi a quantidade de publicidade dada à
campanha, graças ao habilidoso uso da imprensa pelo departamento de comunicação
do SNCC, exatamente como esperado. De um problema antes subrepresentado na
imprensa nacional, a campanha Verão da Liberdade ganhou uma exposição nacional
quase contínua nos veículos de comunicação pelos seus apelos acerca da
segregação racial e das desigualdades no Sul “profundo”.
O Partido Democrata da Liberdade do Mississipi (em inglês,
MFDP) enfrentou o fato de que apenas brancos eram delegados do Partido
Democrata do estado, entrando na convenção com duas delegações, disputando as
cadeiras. Devido a um acalorado debate em Atlantic City por Fannie Lou, do MFDP,
telespectadores em muitos estados enviaram mensagens a seus delegados, pedindo
seu apoio para eleger membros do MFDP. Os descontentes de Atlantic City pularam
fora da convenção, pedindo os assentos para o MFDP, em vez dos racistas brancos
do Partido Democrata do Mississipi.
O presidente democrata, Lyndon Baines Johnson, estava
naquele ínterim jogando pressão no comitê de credenciais da Convenção, para que
não se concedesse assentos ao MFDP; os estados do sul, em 1964, eram, a um só
tempo, segregacionistas e apoiadores do Partido Democrata, e Johnson não queria
arriscar seus votos para uma reeleição.
O compromisso ofertado ao MFDP era de dois dos assentos da
delegação do Mississipi e uma promessa de banir qualquer grupo culpado de
discriminação de convenções futuras.
Em resposta a essa oferta, todos, exceto 4 dos membros brancos
do Partido Democrata do Mississipi, saíram. O MFDP declinou da oferta, alegando
que o comitê de credenciais “não pode simplesmente ofertar dois assentos, por
questões morais”. Para garantir suas palavras, o MFDP ocupou os assentos que
estavam vagos após a saída dos membros do Partido Democrata do Mississipi; a
liderança nacional do Partido Democrata já os tinha retirado do prédio.
Enquanto o MFDP não tinha realocado o Partido Democrata racista
do Mississipi, em 1964, suas ações levavam a um futuro banimento por delegações
com assento, escolhidas por meio da discriminação racial. Após um verão de
educação, registros de eleitores, violência física e homicídios, o confronto entre
MFDP e o Partido Democrata nacional levou o Verão da Liberdade a um final
espetacular.
Rubem L. de F. Auto
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