O menino do coro da Igreja, com voz de baixo-cantante,
cresceu, tomou um Ita (navios de passageiros que viajavam em direção aos
estados do litoral sul do Brasil), em 1938, e chegou ao Rio de Janeiro, então
reino dos reis e Rainhas do Rádio. Por influência do amigo Jorge Amado,
lançou-se à música.
Seu estilo foi único e inimitável. Escrevia letras que
saudavam sua Bahia (embora tenha sido superado pelo mineiro Ary Barroso nesse critério).
Fazia melodias simples, mas que sintetizavam bem sua mensagem.
Bom ouvinte, Caymmi contava histórias que ouvia de
pescadores, de suas esposas, os dramas da vida dos homens do mar. Falava do mar
de Itapoã, mas também das festas do Bonfim, da Conceição da Praia, falava dos
fortes em ruínas.
Se cantava uma viagem a bordo do Ita do norte, também
escrevia a crônica de uma tragédia: “Deram com o corpo de Pedro, jogado na
praia, roído de peixe, sem barco, sem nada...”. Descrevia o cotidiano dos
homens do mar: “minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar meu bem querer, se
Deus quiser quando eu voltar do mar, um peixe eu vou trazer...”. Também não
esquecia de citar as herança africanas, cantando Iemanjá em suas músicas, a
exemplo do que seu amigo Jorge fazia em seus romances.
Dorival pensou em ser jornalista, mas trabalhou como
desenhista na revista O Cruzeiro. Mas foi por pouco tempo. Logo estreou na rádio
com a música “O que é que a baiana tem?”. Mas depois explorou outros temas,
como amor em Marina, Dora, Rosa Morena. Cantou “Sábado em Copacabana”, mas
também cantou “Só louco”.
Em “Samba da minha terra”, lançado pelo Bando da Lua em 1940
e regravado por João Gilberto em 1960, deu seu recado para quem não gosta de
samba: “é ruim da cabeça ou doente do pé”.
Episódio interessante envolveu Caymmi e o cinema. Desde
1931, quando estreou o filme Coisas nossas, cuja trilha sonora ficou a cargo de
Noel Rosa, o cinema e o samba viviam de mãos dadas. Era um musical, produzido
pelo norte americano Wallace Downey, da Columbia Records do Brasil. Noel
criticava muito os estrangeirismos na nossa língua e até via o recém-inventado cinema
falado como uma evolução prejudicial à sociedade em relação ao cinema mudo.
Já Dorival Caymmi se tornou celebridade após participar do
filme Banana da Terra, de 1938, também produzido por Downey em parceria com Ruy
Costa, e cujo roteiro ficou a cargo de João de Barro e Mário Lago. A produção
envolvia as irmãs Carmem e Aurora Miranda, Oscarito, Lauro Borges, Orlando
Silva, Almirante e muitos outros nomes famosos da época. A trilha sonora
incluiria algumas composições de Ary Barroso, como “Na baixa do sapateiro”.
Contudo, um inebriado Ary pediu a pequena fortuna de 10 contos de réis para
permitir a inclusão de suas canções. Os produtores acharam o pedido um
despautério e chamaram o jovem autor de “O que é que a baiana tem?” para o
lugar do consagrado Ary.
Ao fim e ao cabo, Carmem foi convidada para uma carreira
internacional e Caymmi se tornaria um compositor autor de inúmeros clássicos da
nossa música.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Almanaque do samba: a história do samba...”
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