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quinta-feira, 9 de agosto de 2018

REDE, PRAIA, VIOLÃO E DORIVAL – CAYMMI DE TODOS OS SANTOS



O menino do coro da Igreja, com voz de baixo-cantante, cresceu, tomou um Ita (navios de passageiros que viajavam em direção aos estados do litoral sul do Brasil), em 1938, e chegou ao Rio de Janeiro, então reino dos reis e Rainhas do Rádio. Por influência do amigo Jorge Amado, lançou-se à música.

Seu estilo foi único e inimitável. Escrevia letras que saudavam sua Bahia (embora tenha sido superado pelo mineiro Ary Barroso nesse critério). Fazia melodias simples, mas que sintetizavam bem sua mensagem.

Bom ouvinte, Caymmi contava histórias que ouvia de pescadores, de suas esposas, os dramas da vida dos homens do mar. Falava do mar de Itapoã, mas também das festas do Bonfim, da Conceição da Praia, falava dos fortes em ruínas.

Se cantava uma viagem a bordo do Ita do norte, também escrevia a crônica de uma tragédia: “Deram com o corpo de Pedro, jogado na praia, roído de peixe, sem barco, sem nada...”. Descrevia o cotidiano dos homens do mar: “minha jangada vai sair pro mar, vou trabalhar meu bem querer, se Deus quiser quando eu voltar do mar, um peixe eu vou trazer...”. Também não esquecia de citar as herança africanas, cantando Iemanjá em suas músicas, a exemplo do que seu amigo Jorge fazia em seus romances.

Dorival pensou em ser jornalista, mas trabalhou como desenhista na revista O Cruzeiro. Mas foi por pouco tempo. Logo estreou na rádio com a música “O que é que a baiana tem?”. Mas depois explorou outros temas, como amor em Marina, Dora, Rosa Morena. Cantou “Sábado em Copacabana”, mas também cantou “Só louco”.

Em “Samba da minha terra”, lançado pelo Bando da Lua em 1940 e regravado por João Gilberto em 1960, deu seu recado para quem não gosta de samba: “é ruim da cabeça ou doente do pé”.

Episódio interessante envolveu Caymmi e o cinema. Desde 1931, quando estreou o filme Coisas nossas, cuja trilha sonora ficou a cargo de Noel Rosa, o cinema e o samba viviam de mãos dadas. Era um musical, produzido pelo norte americano Wallace Downey, da Columbia Records do Brasil. Noel criticava muito os estrangeirismos na nossa língua e até via o recém-inventado cinema falado como uma evolução prejudicial à sociedade em relação ao cinema mudo.

Já Dorival Caymmi se tornou celebridade após participar do filme Banana da Terra, de 1938, também produzido por Downey em parceria com Ruy Costa, e cujo roteiro ficou a cargo de João de Barro e Mário Lago. A produção envolvia as irmãs Carmem e Aurora Miranda, Oscarito, Lauro Borges, Orlando Silva, Almirante e muitos outros nomes famosos da época. A trilha sonora incluiria algumas composições de Ary Barroso, como “Na baixa do sapateiro”. Contudo, um inebriado Ary pediu a pequena fortuna de 10 contos de réis para permitir a inclusão de suas canções. Os produtores acharam o pedido um despautério e chamaram o jovem autor de “O que é que a baiana tem?” para o lugar do consagrado Ary.

Ao fim e ao cabo, Carmem foi convidada para uma carreira internacional e Caymmi se tornaria um compositor autor de inúmeros clássicos da nossa música.


Rubem L. de F. Auto

Fonte: livro “Almanaque do samba: a história do samba...”

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