É evidente que muitos dos problemas capitais por que passa o
Brasil têm origem comum naquela que é uma de nossas maiores características:
uma desigualdade no mínimo obscena. É tão grande que quase não encontra
paralelo no mundo atual. Mas nós somos recordistas ou precursores?
A desigualdade, por si, não é nova e já foi muito grande em
diversos lugares. A Inglaterra vitoriana, do século XIX, exibia níveis de
desigualdade gritantes: os empresários que surfaram na onda da industrialização
e acumularam fortunas espetaculares não se envergonhavam de ver famílias
proletárias vivendo em meio a privações e habitando residências tão pobres
quanto um barraco de uma favela no Brasil atual.
Com o passar das décadas, diversas políticas sociais
ajudaram a reduzir a distância abissal entre ricos e pobres em muitos lugares
do mundo, mas esse ainda é um tema relevante da agenda política. Entre 1980 e
2005, os níveis de desigualdade aumentaram em todo o mundo. Três exceções
confirmam a regra: França, Grécia e Espanha. No Reino Unido e nos EUA o aumento
foi especialmente elevado, a ponto de superarem os alarmantes índices da década
de 1930.
É natural que uma
sociedade capitalista conviva com algum nível de desigualdade. Afinal, os
níveis de esforço e dedicação individuais não são iguais, portanto a recompensa
não o seria. Mas a amplitude dessa desigualdade importa para análise: nos EUA,
os 10% mais ricos têm renda 16 vezes maior do que os 10% mais pobres. No
México, um bom exemplo de como os problemas atingem um nível trágico nos países
em desenvolvimento, a desproporção se eleva a 25 vezes.
Já nos países nórdicos – Dinamarca, Suécia e Finlândia -,
sociedades recorrentemente usadas como exemplo de politicas de equidade, a desproporção
entre ricos e pobres cai a 5 vezes.
Caso a análise se refira a países, o cenário que era trágico
toma forma de hecatombe: os 20% mais pobres do mundo, como milhões de
habitantes da África subsaariana, vivem em condições econômicas equivalentes às
da Idade Média. Situação, sem sombras de dúvida, ano-luz atrás daquele em que
vivem os norte-americanos ou ingleses mais pobres.
Todos os números referentes a desigualdades sociais forma
calculados segundo o índice de Gini.
As políticas de redução de desigualdade vigente nos países
europeus, mormente nos nórdicos, passam pelos mecanismos tributários: alta
carga tributária sobre os cidadãos mais ricos, seguida por redistribuição
desses recursos aos mais pobres, por meio de sistemas de bem-estar social e da
redução dos impostos arcados pelos mais pobres.
Os sistemas de bem-estar social dos países mais desenvolvidos
foram inaugurados após a II Guerra Mundial e ajudaram a reduzir os níveis de
desigualdade vigentes até então. Acesso universal à educação e à saúde se
tornaram palavras de ordem, gerando frutos ao ampliar as oportunidades
disponíveis aos mais pobres para melhorarem de vida.
Deve-se alertar, entretanto, que tais políticas têm um limite
para o exequível. No Reino Unido, por exemplo, durante os anos em que os
Trabalhistas chefiaram o governo, tanto a carga tributário quanto a renda das
famílias com um filho aumentaram (11%). Todavia, a desigualdade aumentou. A
OCDE investigou e chegou à causa: a renda do filho está intimamente relacionada
à renda dos pais, o que sugere que os mais pobres, independente do esforço
despendido, dificilmente se livram da pobreza.
Outras críticas já foram arguidas. Críticos das politicas de
redução de desigualdade afirmam que o aumento desmesurado dos impostos sobre os
mais ricos podem levar à fuga de capitais; alternativamente, à própria fuga de
pessoas ricos do país. Afirmam também que sociedades assim configuradas reduzem
o estímulo ao trabalho duro, o que pode levar ao próprio empobrecimento da
sociedade como um todo.
O momento por que o mundo passa atualmente também importa
para fins de análise da desigualdade. Quando o cenário econômico se torna
turbulento, o que ocorre geralmente quando uma mudança abrupta entra em cena,
os atores mais bem posicionados tendem a lucrar sobremaneira; por sua vez, quem
estiver “sentado sobre a bomba” não terá um destino tão brilhante. O momento
atual da economia mundial, em meio aos solavancos causados pelas novas
tecnologias, inteligência artificial, desestabilização de indústrias há muito
estabelecidas, engrossam o caldo do aumento das distâncias sociais. Vide
Detroit, antanho centro da indústria automobilística, atualmente habit de
operários cujo chão sumiu sob seus pés.
Uma bela maneira de se desviar de todas essas incertezas e
vicissitudes é “ficar rico”. Mas o complemento “ou morra tentando” é bem mais provável.
No Reino Unido, os 10% mais ricos ganham uma média de 105 mil libras por ano;
mas o estrato superior dos 0,1% mais abastados (cerca de 30 mil pessoas) faturam,
em média, 1,1 milhão anualmente.
Aqueles muito ricos contam com mecanismos típicos do mundo
das finanças que lhes permitem driblar os altos impostos, por meio de depósitos
em paraísos fiscais, por exemplo. Alguns argumentam que os muito ricos possuem
padrões de consumo altos, e o naco tributário que lhes corresponde aumenta se
considerarmos os impostos indiretos incidentes sobre os produtos de luxo que
adquirem. Essa tese é muitas vezes chamada de “efeito de gotejamento”.
Contudo, deve-se considerar esse fenômeno com parcimônia. O
economista Robert Barro afirma que a desigualdade, ao mesmo passo que reduz a
possibilidade de um país em desenvolvimento aumentar sua renda, fomenta o
enriquecimento de países desenvolvidos, haja vista serem os tais produtos de luxo,
em geral, provenientes de países ricos.
Outra face indesejada da desigualdade tem a ver com altos
índices de violência e criminalidade. Localidades em que a desigualdade é
pequena contam com maior confiança entre os indivíduos, mesmo porque não há
tantos motivos para que um inveje as posses do outro. Crimes violentos ou
fatais não são incomuns.
Mesmo a saúde pública denuncia os níveis de desigualdade de
dado país, porquanto a expectativa de vida se torna menor à medida que a
desigualdade aumenta.
Por tudo o que foi dito, resolver o intervalo entre ricos e
pobres é uma ótima ferramenta de desenvolvimento de um país.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: “50 Ideias de Economia”
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