Sua etimologia é um tanto obscura, mas crê-se estar
relacionada com as palavras “choro”, do verbo chorar, e “chorus”, que significa
coro em latim. Já por volta de 1910, o choro era um gênero musical, consolidado
e respeitado. Mas não se confundia com o chorinho, cujo nome tem uma acepção
depreciativa, mas denomina um tipo de choro dividido em duas partes, mais
conciso e um tanto caipira.
O choro surgiu na cidade do Rio de Janeiro, seus músicos são
conhecidos como chorões e já eram relativamente numerosos por volta de 1870. O
etilo nasceu a partir da fusão do lundu, uma espécie de proto-samba de raiz
africana tocado pelos escravos nas lavouras de açúcar, com gêneros europeus. Era o ritmo que se ouviam tanto nos arranca-rabos e cortiços, frequentados pelo
povão, quanto nos bailes dos mais remediados, e mesmo nos salões exclusivos da
elite imperial.
Esclareça-se que existia outro estilo de música, considerado
o mais popular do século XIX: a modinha. Nome também depreciativo, por fazer
referência às modas, ou canções daquela época, a modinha foi formalizada e
divulgada ainda no século XVIII pelo mestiço Caldas Barbosa. Os cantores de
modinhas mais famosos foram Catulo da Paixão Cearense, Laurindo Rabello,
Alexandre Trovador, todos acompanhados por chorões, animando serenatas.
Contudo, dentre os estilos musicais importados da Europa, o
que fazia mais sucesso no Rio de Janeiro era a polca. Aportando no Brasil em
1845, a polca desbancou o minueto, a quadrilha e a valsa, que privilegiavam a
dança e exigiam os bons modos dignos de
uma sociedade patriarcal. A polca, ao contrário, era dançada de rostos colados,
os corpos roçavam, trocavam-se intimidades. O sucesso foi imediato.
Aos poucos, a polca foi tomando feições tupiniquins e, por
fim, cariocas. Os títulos das canções
foram ganhando ares de brincadeira, coisa típica do choro e das marchinhas de
carnaval. Por exemplo: “Salta uma tigela gelada”, “Durma-se com um barulho
deste”, “Como isso desenferruja a gente”, “Gago não faz discurso” e “Dentuça
não fecha a boca”.
Seus conjuntos de choro eram chamados de grupos de “pau e
corda”, pois uniam a flauta com o violão.
Os músicos eram, em geral, saiam da classe média baixa: eram
normalmente servidores públicos, dispondo, portanto, de tempo para dedicar à
boemia, ainda que não cotidianamente. Eram moradores dos bairros da Cidade
Nova, do centro antigo, do Estácio e da Tijuca.
Não se tocava por dinheiro. Executavam seus números musicais
em bailes, de olho na cozinha e nos seus comes-e-bebes. Quando percebiam que a
audiência não estava se divertindo a contento, pediam para ira até o quintal,
com a intenção de passar pela cozinha e averiguar a fartura do que se serviria.
Caso “o gato estivesse dormindo no forno” (isto é, se a oferta gastronômica não
agradasse), saíam e iam tocar em "outras bandas".
Por definição, bailes e serenatas se estendiam até a manhã
seguinte, à base de pãozinho e café.
Papel fundamental teve o compositor Joaquim Antônio da Silva
Callado, considerado o pai dos chorões, ao organizar o grupo O Choro Carioca, um
dos mais populares de sua época. Compôs mais de 70 melodias, dentre elas
“Cruzes, minha prima”, a mais famosa, e “Querida por todos”, em que homenageava
a maestrina Chiquinha Gonzaga.
Callado era mestiço, excelente flautista, mulherengo e
bastante conhecido na cidade do Rio, na sua época. Fazia parte da primeira
geração de chorões, ao lado de Viriato Figueira, Virgílio Pinto e Saturnino. O
papel do flautista no conjunto de choro era essencial, pois geralmente era o
único que sabia ler partitura. Aliás, este fato ajudava a animar as rodas de
choro, quando o flautista elaborava melodias complexas improvisadas, que
desconcertavam os músicos “de ouvido” que o acompanhavam. Choro era liberdade,
era improviso.
Callado e Viriato Figueira deixaram esse mundo na década de
1880. Foi quando a coroa trocou de mãos: a herança musical caiu nos colos de
Patápio Silva, o virtuoso da flauta. Aluno prodígio, concluiu com louvor seu
curso no Instituto Nacional de Música, sendo agraciado com medalha de ouro e
prêmio concedido pelo Instituto. Em decorrência de seu talento, criou-se o
bordão para elogiar um flautista: “tem o sopro de Pedro de Alcântara e a
técnica de Patápio Silva”.
Este Instituto, aliás, foi muito relevante na historiografia
musical brasileira. Fundado como Conservatório de Música, em 1848, por
iniciativa do maestro Francisco Manuel da Silva, teve em suas fileiras Joaquim
Callado, Anacleto de Medeiros. Callado, depois, tornou-se professor de flauta
do Conservatório, tendo como um de seus alunos justamente Viriato. Após sua
morte, Callado foi substituído na cadeira pelo flautista Duque Estrada Meyer.
Patápio gravou seus primeiros discos pela Casa Edison,
fundada em 1902.
Ainda na década de 1870, o grupo de choro O Carioca admitiu
uma nova integrante, pianista e amiga do líder do grupo, Joaquim Callado,
chamada Francisca Edwiges Gonzaga, mais imortalizada como Chiquinha Gonzaga.
Ela tocava todos os gêneros conhecidos na época e não
demorou muito para começar a compor também – compôs centenas de músicas. Fez
sucesso com um tango: “Gaúcho”, depois rebatizado para “Corta Jaca”.
Em 1889, ano marcado pela Proclamação da República, compôs
sua marchinha mais famosa, “Ó abre alas”, especialmente feita para o bloco de
carnaval Rosa de Ouro, localizada no bairro carioca do Andaraí. Desde então,
surgiu a tradição de se comporem marchinhas de carnaval, trilha desbravado por
outros, como João de Barro, o Braguinha; Lamartine Babo, Haroldo Lobo e muitos
outros.
Importante notar que as conhecidas Escolas de Samba são
resultado de uma longa história. Inicialmente, existiam os ranchos, cujo nome
denota sua origem pastoril. Nestes, o
conjunto instrumental era acrescido de vilões e cavaquinhos, flautas e
clarinetas. Também foi acrescentado o coro que entoava a marcha do rancho. Além
desses, havia uma porta-estandarte, um mestre de harmonia que comandava a
orquestra, um mestre de canto e um mestre de sala, que executava sua
coreografia.
Os primeiros ranchos surgiram no Rio de Janeiro, no fim do
século XIX. Foram criados por Tia Dadá, Dudu e Hilário Jovino – este último
apresentou seu rancho “Rei de Ouros” ao presidente Floriano Peixoto, em 1884.
Chiquinha Gonzaga ajudou a popularizar o piano, instrumento
que passou a ser visto no cenário musical a partir de 1808, após a chegada da
família Real. Para pagar a ajudinha dos ingleses, D. João VI abriu os portos
brasileiros a produtos vindos de toda parte. Pouco tempo depois, esse
instrumento já era visto em todo o país, na sala de estar das casas mais
abastadas, nos saraus, nas lojas de venda de partituras e de instrumentos
musicais, nos cinemas, nas orquestras de teatro de revista, nos ranchos... De
acordo com o poeta Araújo Porto Alegre, o Rio era a “cidade dos pianos”.
A popularização do piano levou ao incremento do mercado de
venda de partituras. Isso gerou uma renda extra importante para os chorões e
suas famílias. As partituras postas à venda eram produzidas pelo
impressor-editor. O pioneiro desta atividade no Brasil foi Pierre Laforge, em
1834. Ele imprimiu partituras para modinhas, lundus, árias de óperas etc. Outro
impressor importante foi Arthur Napoleão, professor de piano de Chiquinha e
fundador, ao lado de Leopoldo Miguez, da Revista Musical e de Belas Artes.
Importante dizer que muitas das belas obras de chorinho
seminais foram salvas do esquecimento por músicos que tiveram a sensibilidade
de transcrever as canções que ouviam para seus cadernos de partituras.
Embora Chiquinha tivesse papel relevante na popularização do
piano, o grande nome desse instrumento no Brasil foi, talvez, Ernesto Nazareth.
Compositor refinado, situadas entre a música popular e a música erudita,
Nazareth chamava suas canções de tangos. Mas foi ele quem compôs também
“Apanhei-te, cavaquinho!” e “Brejeiro”, exemplos de choros clássicos.
Era admirado por muitos. Rui Barbosa apressava-se a deixar o
Parlamento para ouvi-lo na ante-sala do Cine Odeon – Nazareth compôs o tango
Odeon em homenagem ao cinema no qual se apresentava. O grande maestro Villa
Lobos tocou violoncelo em sua orquestra, de 1910 a 1913.
Embora Nazareth chamasse suas composições de tangos, eram
tangos brasileiros, cujo ritmo é diferente do tango argentino – grande sucesso
internacional no século XIX. O pioneiro do tango brasileiro foi Henrique Alves
de Mesquita, em 1871. Sem dúvidas, é o estilo musical mais próximo do choro – o
próprio nome “choro” se consolidou em lugar da palavra “tango”.
A música popular no século XIX contava também com o poder de
divulgação das recém –nascidas bandas musicais – uma espécie de evolução das
conhecidas músicas de barbeiros – a partir de 1850.
Os escravos que exerciam o ofício de barbeiro tinham um
tempo livre considerável, o que lhes permitia aprender a tocar um instrumento
musical. Esse fato fez com que seus senhores formasse grupos de negros
escravos, que se apresentavam em festas em cidades do Rio de da Bahia. De fato,
escravos que tivessem habilidades musicais eram mais valorizados, o que levava
seus senhores a incentivar a prática.
A mais importante das bandas de música era a Banda do Corpo
de Bombeiros, fundada pelo maestro Anacleto de Medeiros. Compositor,
multi-instrumentista e chorão, Anacleto regia sua banda em execuções dos choros
mais famosos da época, além de convidar diversos músicos para tocar em sua
banda. A fama da Banda do Corpo de Bombeiros à multiplicação das bandas por
todo o país.
Impossível negar a importância que elas tiveram também como
fonte de renda para muitos músicos que, de outra forma, seriam condenados a uma
vida miserável.
Outro papel fundamental das bandas foi quando do início das
gravações sonoras pela Casa Edison. Como o mecanismo de registro era um tanto
precário, a potência sonora das bandas melhorava a qualidade do material
impresso na cera.
Esse também foi o motivo o surgimento de cantores de disco
com voz de tenores – como se dizia, cantores com “dó de peito”. Não apenas
tinham de ter voz potente, como deveriam cantar tudo em apenas um “take” e em
um canal. Somente mais tarde haveria técnica suficiente para registrar vozes
mais suaves.
Outra novidade do século XIX que ajudou sobremaneira na
formação da musicalidade brasileira e, claro, carioca, foram os teatros de
revista. Aportados aqui por meio de companhias francesas no final do século XIX,
tinham esse nome porque “passavam em revista”, isto é, revisavam os
acontecimentos mais importantes do ano anterior. Surgiram ali oportunidades
para compositores, músicos e cantores. Só perdeu sua importância após o
surgimento do rádio, cujas emissoras levaram para a nova mídia o clássico
teatro de revista.
O autor mais profícuo do teatro de revista foi Artur Azevedo;
Chiquinha foi a musicista mais famosa. O sucesso levou as apresentações a ocuparem
todo o ano, em diversas sessões diárias.
Outro efeito do teatro de revista foi a materialização, nos
palcos, da autoimagem do carioca: o malandro, sensual e com um falar cheio de
malemolência.
Os musicais do teatro de revista eram executados por músicas
populares, os chorões, regidos por maestros de formação europeia. Essa troca cultural
entre o erudito e o popular se repetiu no rádio, quando o maestro Radamés
Gnatalli, dentre outros, formaram orquestras para executarem músicas populares.
Foi toda a modernidade urbana que levou à perda da
importância dos grupos de choro como divulgadores da música popular brasileira.
O teatro de revista, a indústria fonográfica e após a entrada em cena das
emissoras de rádio levaram os velhos e saudosos chorões a se profissionalizarem
como músicos, passando a tocar em orquestras de cinema, nos teatros de revista
e, finalmente, nas novíssimas Jazz Bands.
Rubem L. de F. Auto
Fonte: livro “Almanaque do Choro: A História do Chorinho...”
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